Bloomberg Opinion — A Copa do Mundo do Catar teve um início pouco auspicioso: o país-sede perdeu a partida de estreia, a venda de cerveja foi proibida, e os jogadores que usarem braçadeiras antidiscriminação foram ameaçados com um cartão amarelo antes mesmo do início da partida.
Na indústria de jogos de azar que está tentando capitalizar o potencial de um evento de mais de US$ 160 bilhões, houve uma queda no preço das ações da empresa de apostas esportivas DraftKings (DKNG) depois que os clientes informaram que suas contas estavam comprometidas e retiraram dinheiro.
A DraftKings diz que identificou menos de US$ 300mil dólares em fundos de clientes afetados e pretende ressarci-los. Mas é a ponta de um iceberg de consequências possivelmente sombrias e não intencionais que o boom das apostas pós-pandemia trará à sociedade, incluindo vício, corrupção e riscos de lavagem de dinheiro, à medida que governos e ligas esportivas com dinheiro em caixa se esforçam para liberalizar os negócios que eram ilegais ou desaprovados para aumentar seus resultados.
Há forças globais em ação: a tecnologia aumentou o apelo e a acessibilidade da transmissão esportiva através do smartphone – e também liberou a capacidade das empresas de jogos de azar de se envolverem com os apostadores 24 horas por dia. A covid-19 acelerou os esforços de legalização dos Estados Unidos para o Brasil e para a Tailândia enquanto os governos buscam novas receitas fiscais e a indústria injeta dinheiro em novos motores de crescimento após os lockdowns.
Assim, a DraftKings descreveu a Copa do Mundo como “a grande”: a confluência de um grande evento esportivo e de um mercado recém legalizado nos EUA, que o UBS estima que poderá valer US$19 bilhões até 2025. Os americanos não são loucos por futebol; Brian Egger da Bloomberg Intelligence estima US$ 1,7 bilhão em apostas de americanos na Copa do Mundo, uma fração do Super Bowl. Mas é um de teste de marketing que fez com que a DraftKings gastasse quase US$ 1 bilhão no ano passado para atrair novos clientes.
Os defensores do boom das apostas argumentam que este é um padrão virtuoso de negócios offshore duvidosos sendo arrastados para território nacional. No entanto, não sabemos se a enchente de anúncios de apostas repletos de celebridades criará sua própria crise de problemas com jogos de azar ou se os órgãos reguladores estão à altura da tarefa de acompanhar a rotatividade das moedas digitais e os hackers, violações de dados e atividades criminosas.
O que preocupa é que os legisladores parecem mais focados no dinheiro que esperam cobrar de um setor com margens historicamente altas do que em outros negócios que lidam com vício. O estado de Nova York espera gerar US$ 615 milhões em receitas fiscais com as apostas esportivas online no ano que vem. “O que quer que Nova York receba é lucro, porque tivemos isso antes”, disse um senador.
Este é um jogo perigoso, e chega perto de pressupor que o que é bom para o jogo é bom para o estado – criando conflitos de interesse. Uma reportagem do New York Times sugere que a regulamentação atual é aleatória e frouxa, e algumas empresas de apostas desrespeitaram restrições específicas de estados contra o uso de cartões de crédito. A experiência do Reino Unido é de que os custos sociais das apostas são de cerca de 1,3 bilhão de libras (US$ 1,5 bilhão) por ano. Os fracassos da legalização da cannabis, que não erradicou o mercado paralelo nem cumpriu todas as suas promessas de receitas fiscais, podem se repetir.
Países com mais experiência com o vício dos jogos de azar estão tentando colocar juízo na cabeça de outros mercados, e o Reino Unido – por todos os seus erros do passado – merece crédito por ter investigado a promoção e os patrocínios que viciam os jovens cada vez mais cedo, mesmo que as redes sociais também representem um meio que precisa ser investigado. A plataforma de streaming da Amazon (AMZN), a Twitch, recentemente decretou a proibição de jogos de azar sem licença, e uma streamer afirmou ter recebido US$360 milhões da Stake, que patrocina o time de futebol Everton.
Ironicamente, a queda no preço das ações da DraftKings é um pequeno lado bom das coisas. A reprimenda do mercado de capitais às campanhas agressivas de gastos da empresa e o aparente comprometimento das contas de clientes provavelmente forçará mais restrições de marketing.
Mas o mundo pós-covid ainda não compreendeu completamente nem respondeu aos riscos das apostas. Esta Copa do Mundo já é um símbolo de corrupção no esporte, com investigações contínuas sobre como o Catar foi escolhido como país sede do torneio. A hipocrisia de um estádio sem cerveja, cheio de placas que promovem o comércio de criptomoedas, é um dos muitos sinais de alerta de que o negócio do esporte está trilhando um caminho complicado.
--Com a colaboração de Elaine He e Samuel Dodge.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a França e a União Europeia. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.
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