Crise das criptomoedas chega aos caixas eletrônicos de bitcoin

Número de caixas do tipo caiu consideravelmente desde o inverno cripto deste ano, com principal criptomoeda do mundo despencando 64%

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Bloomberg — O Condado de Amherst, na Virgínia, Estados Unidos, não tem hospital. Mas tem um caixa eletrônico de bitcoin (XBTUSD).

O caixa (ATM, na sigla em inglês) fica dentro do Dogwood Express Market, uma loja de conveniência na mesma rua de uma concessionária local de carros usados. A máquina permite que as pessoas comprem, recebam e enviem bitcoin.

Desde que o primeiro caixa eletrônico de bitcoin foi instalado há quase uma década, o número de máquinas aumentou consideravelmente, pouco afetadas pelos ciclos de alta e baixa das criptomoedas. Das ruas movimentadas da cidade de Nova York às comunidades rurais como Amherst County, eles surgiram em todos os lugares, símbolos físicos do crescente apelo popular da criptomoeda.

Então veio 2022 e um “inverno cripto” que fez o bitcoin despencar 64% e varreu empresas da Celsius Network à FTX de Sam Bankman-Fried. O número de caixas eletrônicos de criptomoedas nos Estados Unidos atingiu um pico de pouco mais de 34.000 em agosto e, desde então, caiu, de acordo com o Coin ATM Radar, que rastreia as máquinas. Setembro marcou o primeiro mês na história do setor em que mais caixas eletrônicos foram retirados do que instalados, mostram os dados da Coin ATM. Já outubro apresentou uma pequena recuperação.

Pior ainda: a quantidade de dinheiro que uma máquina lida, em média, caiu drasticamente, mostram cálculos da Bloomberg News com base em dados disponíveis do setor.

A quantia total de dinheiro canalizada por caixas eletrônicos de cripto globalmente, expressa em dólares, caiu para US$ 230 milhões em outubro, de US$ 349 milhões em janeiro de 2021, de acordo com dados da pesquisadora Chainalysis. A queda aconteceu mesmo quando o número de máquinas instaladas em todo o mundo quase triplicou no período. Isso implica uma redução de aproximadamente 75% no valor que a unidade média gera.

Muitos caixas eletrônicos agora são pouco ou nunca usados. Na loja de conveniência Smoke Shop, no centro de Manhattan, há um caixa escondido entre prateleiras de refrigerantes e salgadinhos. Syed Alam, que trabalha no local, disse que não presta muita atenção na máquina. Ao meio-dia de uma sexta-feira recente, ele calculou que pelo menos uma pessoa o havia usado naquele dia. A cada duas semanas, mais ou menos, alguém vem buscar dinheiro na unidade.

O que está claro, porém, é que o uso caiu no ano passado. “Agora, é lento”, disse Alam, de 49 anos.

Com a demanda diminuindo, os executivos que estavam acostumados a instalar unidades o mais rápido possível para negociar novos aluguéis estão precisando tomar decisões difíceis.

A Coin Cloud, que administra cerca de 5.000 caixas eletrônicos nos Estados Unidos e no Brasil, contratou consultores para ajudá-la a reformular cerca de US$ 125 milhões em dívidas acumuladas para financiar uma expansão agressiva, informou a Bloomberg News em novembro. A empresa busca um financiamento adicional da problemática corretora de criptomoedas Genesis, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

Alguns dos quiosques da Coin Cloud estão em áreas rurais com tráfego de pedestres fraco, de acordo com pessoas com conhecimento dos negócios. A Coin Cloud se recusou a comentar sobre os esforços para garantir financiamento. O CEO Chris McAlary disse em outubro que a empresa não precisou reduzir seu número de máquinas.

“Você tem que ser mais seletivo sobre a localização do que há dois anos”, disse Ben Weiss, CEO da rival CoinFlip. “Você quer locais com longas horas de trabalho e alto tráfego de pedestres.” A CoinFlip não precisou retirar nenhuma máquina este ano e sua receita está aumentando, disse Weiss em outubro, sem dar detalhes.

Negociação de Aluguéis

Ter muitas máquinas subutilizadas pode ser caro. Os operadores negociam o aluguel individualmente com os pontos de venda, embora alguns paguem aos proprietários das lojas uma porcentagem da receita gerada por uma unidade, de acordo com Eric Grill, CEO da fabricante de caixas eletrônicos cripto ChainBytes.

Grill também possui quatro empresas de caixas eletrônicos de criptomoedas que, entre elas, operam “algumas centenas” de máquinas globalmente. Ele disse que os negócios normalmente pagam às lojas cerca de US$ 300 por mês para hospedar uma máquina, mas, dependendo de quanto dinheiro uma unidade gera, a taxa pode chegar a US$ 1.000.

Os caixas eletrônicos de criptomoedas nos EUA geram entre US$ 1.000 e US$ 10.000 em receita por mês, disse Grill no início de novembro. Ele estimou que 3% a 6% disso vai para custos operacionais, como aluguel, marketing e pagamento de agentes de conformidade e pessoas que coletam dinheiro das máquinas.

Os executivos entrevistados para esta reportagem expressaram confiança em seus negócios, mesmo que o sentimento em torno dos ativos digitais tenha piorado. Os volumes de transações não são tão vulneráveis às oscilações do mercado quanto nas exchanges de criptomoedas, por exemplo, disseram eles.

As máquinas também oferecem uma maneira rápida e conveniente — e muitas vezes anônima — de entrar no mundo dos ativos digitais. As empresas de Grill não exigem número de telefone nem identificação para transações de valor inferior a US$ 500.

Em parte por causa desses atributos, os caixas eletrônicos de criptomoedas geram taxas suculentas, variando de 11% a 25%, de acordo com a operadora Coinsource.

“Muitas pessoas estão apenas tentando ser conservadoras”, disse Brandon Mintz, fundador e CEO da Bitcoin Depot, que o Coin ATM Radar classifica como o maior operador de criptoativos nos Estados Unidos. A Bitcoin Depot diminuiu o ritmo de instalação de novas unidades e está se concentrando em mover máquinas subutilizadas para locais de melhor desempenho.

A Mintz planeja fazer um IPO da Bitcoin Depot ao fundi-la com uma empresa de aquisição de propósito especial, ou SPAC. Em um comunicado à imprensa de agosto anunciando o acordo, a Bitcoin Depot disse que administra mais de 7.000 “locais de quiosques” nos EUA e no Canadá. A empresa gerou US$ 6 milhões em receita líquida sobre vendas de US$ 623 milhões nos 12 meses até junho, de acordo com o comunicado, que não forneceu comparações com o ano anterior para os números não auditados.

A Bitcoin Depot devia US$ 42,4 milhões em um empréstimo com uma taxa de juros de 15% em 30 de junho, de acordo com um comunicado. Isso se compara a um rendimento de 10% em um índice de empréstimos alavancados nos EUA.

O acordo proposto, programado para fechar no primeiro trimestre, avalia a Bitcoin Depot em US$ 885 milhões. Mintz disse em um e-mail de 22 de novembro que o negócio ainda está em andamento e que “a empresa não foi afetada pelas flutuações do setor”. Ele também disse que a Bitcoin Depot está “confortável” com sua posição financeira e capacidade de pagar dívidas.

Proibições em Singapura

Uma ameaça potencial vem dos reguladores. Em janeiro, Singapura proibiu os caixas eletrônicos de criptomoedas e ordenou que os já existentes fossem desligados. Em março, as autoridades do Reino Unido disseram que não haviam aprovado nenhuma máquina e alertaram os operadores para remover todas as unidades ainda em uso.

Nos Estados Unidos, os reguladores até agora adotaram uma abordagem de não intervenção. Mas em um relatório originalmente emitido em setembro de 2021, o Escritório de Responsabilidade do Governo disse que os caixas eletrônicos de criptomoedas podem ser usados para facilitar o tráfico de drogas. A agência recomendou que a Rede de Repressão a Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro e a Receita Federal revisassem os requisitos de registro para as máquinas. Ambas concordaram.

Qualquer que seja o resultado desse processo, um desafio mais imediato para os operadores de caixas eletrônicos pode ser convencer os proprietários de que hospedar uma máquina ainda vale a pena, mesmo quando o uso esfria.

Louis Pena, gerente da loja Orion Electronic no Bronx, estima que sua máquina recebe algo em torno de um visitante por dia. Pena aceita o resultado — afinal, é um cliente em potencial — e não tem planos de se livrar do caixa eletrônico. Mas sua paciência não é infinita.

“Quando os caixas não me trazem clientes, não faz sentido tê-los”, disse ele.

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