A aposta de Miami no setor de criptomoedas valeu a pena mesmo com a crise atual

Iniciativas da cidade para atrair novos setores da economia trazem mais benefícios do que prejuízos no longo prazo

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Bloomberg Opinion — Se você quer ter uma noção de como caiu o sentimento em relação às criptomoedas, olhe para Miami, cidade que aspira a ser a capital do dinheiro digital. O prefeito Francis Suarez retirou a imagem com os olhos de laser do seu perfil do Twitter. O acordo de patrocínio da FTX para o estádio de basquete do Miami Heat acabou. E também chegou ao fim o sonho irreal de ajudar a financiar o governo local com rendimentos de criptoativos em vez de impostos (o MiamiCoin, o token no centro dessa fantasia desmiolada, despencou cerca de 99% de seu pico). A virada no mercado cripto em relação a um ano atrás é tão forte em Miami quanto em qualquer lugar depois que o bitcoin perdeu três quartos de seu valor e uma das exchanges de criptomoedas mais icônicas do mundo caiu de cabeça na falência.

Mas, para Miami, foi uma aposta que valeu a pena. Pense no modelo de desenvolvimento econômico do sul da Flórida como uma carteira de um fundo de capital de risco (venture capital ou VC). O modelo VC exige fazer muitas pequenas apostas com o entendimento de que muitas delas irão falir, mas alguns vencedores trarão um crescimento exponencial e os retornos extraordinários que vão superar muitas vezes as perdas.

Durante anos, os homens e mulheres à frente do poder adotaram exatamente essa estratégia na Cidade Mágica, o apelido de Miami. Vamos transformar a região na Wall Street do Sul! Por que não transformá-la em uma versão tropical do Vale do Silício? Que tal fazer de Miami a capital da criptomoeda? Individualmente, todas essas ideias começaram como apostas de longo prazo, mas tinham a característica assimétrica de ocorrer de cima para baixo; a economia e governos regionais nunca tiveram muito a perder no sul da Flórida, exceto, talvez, o pequeno impacto na receita do condado pelo tempo que leva para encontrar um novo patrocinador para um estádio de basquete.

Mas Miami também conquistou algumas vitórias duradouras com a estratégia que estão ajudando a diversificar seu mercado de trabalho além do setores imobiliário, lazer e hospedagem, que têm salários relativamente baixos. A iniciativa de criar uma Wall Street do Sul, por exemplo, valeu a pena nos últimos anos com a chegada das empresas Citadel e Citadel Securities, do bilionário Ken Griffin. O grupo de private equity Blackstone criou centenas de empregos na região de Miami, enquanto a Elliott Management mudou-se recentemente para a vizinha West Palm Beach. São movimentos que não são apenas grandes por si só, mas também incentivarão outras grandes empresas a fazer o mesmo.

Certamente, a máquina do hype de Miami ocasionalmente se deixou levar. O prefeito Suarez, que levou o desenvolvimento regional a um nível totalmente novo, agiu de forma imprudente em sua decisão de se associar ao altamente especulativo MiamiCoin, um projeto baseado em um protocolo blockchain chamado Stacks. O truque - ou “inovação” - era que a cidade receberia 30% das receitas com as vendas dos “blocos” de MiamiCoin, não muito diferente de uma loteria que financia parcialmente o governo estadual.

A cidade de Miami não criou o MiamiCoin - foi idealizado por uma organização chamada CityCoins - mas o prefeito deu bastante visibilidade ao projeto, inclusive falando sobre ele em seu programa no YouTube “Cafecito Talk” e incentivou a cidade a aceitar o dinheiro. As pessoas que compraram o MiamiCoin podem ter pensado que estavam participando de algo que era bom para eles e para a cidade, mas, em vez disso, perderam 99 centavos de cada dólar investido e a cidade basicamente acabou recebendo alguns trocados extras.

A implacável aposta de Suarez no bitcoin é apenas um pouco melhor depois da queda de 77% do valor da criptomoeda; você não esperaria que uma autoridade de governo usasse sua posição de influência para promover ações ou títulos específicos para os eleitores, e os criptoativos sempre pareceream igualmente inapropriados.

Mas não é como se o “inverno cripto” tivesse transformado Miami em uma espécie de terra arrasada. Griffin, da Citadel, acaba de realizar um evento com Suarez para alardear seus grandes planos para a região, e o distrito financeiro de Brickell está fervendo enquanto o tempo frio atinge o resto do país. Em breve, o sul da Flórida atrairá grandes multidões para a feira de arte Art Basel Miami Beach em dezembro, seguida, no início do ano que vem, pelo Miami International Boat Show e pelo Food Network South Beach Wine and Food Festival.

Esses eventos chamativos não contam toda a história da economia da região, assim como também não contam as inevitáveis imagens que devem tomar os jornais nos próximos meses de espaços vazios de coworking abandonados por empresas do setor de criptomoedas. É importante considerar o cenário completo.

À medida que o Federal Reserve encerra a era de dinheiro fácil, é claramente possível que alguns desses sinais clássicos dos excessos característicos do sul da Flórida desapareçam por um tempo, mas a região não vai definhar por muito tempo. Miami tem uma reputação bem merecida como uma cidade de crescimento e queda: experimentou sua primeira bolha imobiliária genuína na década de 1920, depois caiu com força antes da Grande Depressão.

Nos anos 2000, atingiu novos patamares na bolha imobiliária, então o mercado imobiliário e a economia foram colocados de joelhos pela crise financeira. Sem dúvida, um pouco menos de estímulos seria bem-vindo. Mas, como mostra o gráfico acima, a região de Miami ainda saiu na frente no longo prazo.

Se os Estados Unidos entrarem em outra recessão ou em uma crise imobiliária, Miami provavelmente seguirá esse padrão e sofrerá mais do que a média das cidades americanas. No entanto, seus esforços de desenvolvimento do último ciclo devem amortecer a volatilidade até certo ponto e garantir que ela surja como um rolo compressor na próxima fase de crescimento. Se o mundo ainda precisar de uma “capital cripto” depois que o desastre da FTX se arrefecer, Miami ainda parece uma boa candidata para assumir a posição. Mas se a indústria provar ser uma aposta perdida, tudo bem também porque a cidade tem muitas outras iniciativas no forno.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Jonathan Levin trabalhou como jornalista da Bloomberg na América Latina e nos EUA, cobrindo finanças, mercados e fusões e aquisições. Mais recentemente, ele atuou como chefe da sucursal da empresa em Miami. Ele é analista financeiro certificado pelo CFA Institute.

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