Bolsonaro e seguidores estão diante de impasse, diz cientista político

Christian Lynch, professor do Iesp-Uerj, analisa em entrevista à Bloomberg Línea os atos de bolsonaristas e a situação do presidente depois das eleições

Bolsonaristas que bloqueiam estradas são representantes de novo movimento, segundo o cientista político Christian Lynch
23 de Novembro, 2022 | 08:42 AM

Bloomberg Línea — O presidente Jair Bolsonaro e o seu partido, o PL, pediram oficialmente a investigação e a consequente anulação dos votos da maior parte das urnas eletrônicas utilizadas nas eleições de 30 de outubro, algo que, se acatado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levaria à sua vitória, em vez de derrota.

Para o cientista político Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), o presidente se encontra em uma situação de impasse.

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“Bolsonaro não pode reconhecer a derrota porque ele é o mito, e o homem do povo não pode ser derrotado, a não ser que tenha havido fraude. Só que ele precisa fingir que é normal para poder escapar. Então, depois do discurso, foi até o STF [Supremo Tribunal Federal]”, disse Lynch em entrevista à Bloomberg Línea, em que analisou as perspectivas políticas do presidente antes do pedido de anulação de urnas.

Lynch comentou também as manifestações populares que se seguiram ao anúncio da vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições, em 30 de outubro. No auge dos atos, houve cerca de 560 paralisações simultâneas em rodovias em 25 estados, segundo a Polícia Rodoviária Federal. Em alguns Estados, manifestantes seguem acampados em frente a quartéis do Exército.

Segundo Lynch, Bolsonaro “tem alguns problemas para resolver”.

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“De um lado, precisa mostrar força” com a mobilização da parcela da população que foi para as estradas e para os quartéis protestar, para que isso seja um trunfo na vida política depois da presidência, em um quadro que inclui investigações em andamento, segundo o cientista.

Isso também inclui ainda evitar a ascensão de políticos de direita que possam ameaçar uma candidatura à presidência em 2026, casos de Romeu Zema (governador reeleito de Minas Gerais) e Tarcísio de Freitas (governador eleito de São Paulo).

“Mas ele precisa do apoio do sistema político, de alguma simpatia do Centrão, do [Arthur] Lira, desse pessoal que governou com ele, e do Supremo Tribunal Federal.”

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Entre os processos judiciais que Bolsonaro pode enfrentar estão investigações sobre a suposta participação na organização e no financiamento de “milícias digitais” para desestabilizar a democracia, investigações por supostamente divulgar desinformação e mentiras durante a pandemia e por supostamente interferir na Polícia Federal para proteger a si e aos filhos, todas em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).

O presidente ainda deve ser julgado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra sua campanha. Há uma ação de investigação por suposto abuso de poder econômico por causa da criação de programas sociais em ano eleitoral e outra ação semelhante por causa da suposta criação de um “ecossistema de desinformação” para levar eleitores a atacar o sistema eleitoral.

Lynch é bacharel em Direito e doutor em Ciência Política. É membro do Instituto Brasileiro de História do Direito (IBHD) e sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), além de professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

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Ele acaba de lançar, com o cientista político Paulo Henrique Cassimiro, também professor da Uerj, o livro “Populismo Reacionário” (editora Contracorrente), em que analisa as raízes históricas do movimento.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, editada para fins de clareza:

Bloomberg Línea: Como o senhor analisa as manifestações de bolsonaristas do pós-eleições?

Christian Lynch: O que estamos vendo agora saiu das redes sociais. Faz muitos anos que uma parte significativa do eleitorado brasileiro é envenenada por técnicas de mobilização para desenvolver ódio à república democrática. Isso foi facilitado pelas redes sociais. Elas criaram um terreno em que as pessoas podem exprimir impunemente seus instintos sem correrem o risco de serem processadas. Isso criou um lugar social de expressão política em que você pode livremente dar vazão aos seus preconceitos, aos seus instintos antissociais.

De que forma?

O problema das redes sociais é que elas criam um mundo paralelo. Dentro do que se chama de bolsonarismo existe muita gente diferente. Há antipetistas, conservadores do tipo estatista que gostam do Exército, conservadores neoliberais. E há pessoas que se recusam a se informar pela imprensa. Elas criaram uma espécie de ecossistema de informação na rede social e foi esse pessoal que foi para a rua.

Uma coisa que me chamou muito a atenção em particular foi a ressurreição do sebastianismo no Brasil. É a crença de que Dom Sebastião [rei de Portugal entre 1557 e 1578], que tinha desaparecido na luta contra os mouros - contra hereges, portanto -, em algum momento voltaria.

É uma cultura política pré-moderna que precisa ser estudada. É preciso entender qual é a racionalidade, ou irracionalidade, que faz as pessoas obedecerem a esses comandos, acreditar que Bolsonaro deu golpe, que Alexandre de Moraes foi preso ou que o Exército vai intervir. Isso é Canudos.

E por que temos isso agora?

Isso foi criado por esse vazio informacional e pela possibilidade de monopolização de um setor do eleitorado brasileiro que não responde mais a estímulos republicanos e democráticos.

É aí que entra o Bolsonaro?

Não sei até que ponto Bolsonaro controla isso. Mas, para não ser preso [eventualmente em consequência de investigações em andamento], ele precisa modular as coisas e acho que ainda não sabe fazer isso. Ele tem medo de gerar uma desordem tal que, aí, sim, possa ser responsabilizado e preso.

E ele tem alguns problemas para resolver. De um lado, mostrar poder, força, facilita a vida dele, porque vão dizer assim: ‘Meu Deus do céu, vamos prender esse cara? Ele, tão poderoso como é, com um estalo de dedos levanta o país para criar o caos. Não é melhor colocar uma pedra nisso?’.

Mas ele precisa do apoio do sistema político, de alguma simpatia do Centrão, do Lira [presidente da Câmara], desse pessoal que governou com ele, e do Supremo Tribunal Federal. É por isso que o discurso em que ele reconheceu sem reconhecer a derrota foi deliberadamente ambíguo.

Em que sentido?

Bolsonaro não pode reconhecer a derrota porque ele é o mito, e o homem do povo não pode ser derrotado, a não ser que tenha havido fraude. Só que ele precisa fingir que é normal para poder escapar. Então, depois do discurso, foi até o STF. Até aquele momento, ele esperava isolado.

O que ele faz é oscilar entre esses dois personagens, que existem porque ele precisa se manter impune. O problema é que ele não sabe até que ponto conseguirá manter os dois personagens vivos.

O cálculo é o seguinte: o quão insurreicional eu posso ser sem que eu tenha as pontes com o sistema político destruídas? O quanto eu posso bater na democracia sem a democracia me destruir?

Na hora da queda, ele precisa da boa vontade do sistema, mas não pode perder o capital político, que são esses radicais insurgentes. Acho que ele ainda não conseguiu encontrar um meio termo que o deixe confortável.

Christian Lynch é cientista político e professor da Uerj e pesquisador da ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo

O senhor percebe no comportamento de Bolsonaro também uma forma de evitar desmobilizar para conseguir algum tipo de negociação?

Sim, com certeza. É exatamente isso. Ele precisa demonstrar poder para conseguir barganhar. Seria mais fácil se ele não tivesse sido abandonado instantaneamente pelos aliados institucionais.

E aí tem outra razão pela qual ele não pode desmobilizar: ele vai para fora do poder e vai ter competidores dentro do campo da direita. Certamente Zema [governador de Minas Gerais, reeleito neste ano] e Tarcísio [governador eleito de São Paulo e ex-ministro de Bolsonaro] não vão querer ficar à sombra de Bolsonaro. Vão querer voo solo, seja se opondo a ele, seja obtendo dele apoio para se candidatar em 2026.

Há um cálculo eleitoral?

Tem porque, para Bolsonaro existir, não pode existir direita moderada, apenas extrema direita para trabalhar na base da intimidação e da destruição dos competidores. Precisamos lembrar do que o presidente fez quando apareceu um competidor à direita, como [João] Doria ou mesmo [Sergio] Moro. Ele tem que colocar a máquina para moer esses caras, como fez com Joice Hasselmann ou com Alexandre Frota.

O movimento do Doria foi entendido como insubordinação, traição.

O senhor identifica alguma relação entre o que Bolsonaro faz e fala e o que os apoiadores estão fazendo nas cidades e fizeram nas rodovias?

No sebastianismo existia uma série de comunicações que vinham nos sonhos, tinha que interpretar as profecias dos sonhos. E é isso que essas pessoas fazem, só que o Dom Sebastião deles está vivo.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.