Bloomberg Opinion — Quando a Amazon (AMZN) apresentou pela primeira vez seu smart speaker Echo em 2016, a imprensa ridicularizou o aparelho como se fosse uma modinha. Por que alguém iria querer que um alto-falante lhes dissesse que dia é hoje ou quantas colheres de chá cabe em uma colher de sopa? Bem, muitas pessoas querem.
Estima-se que 65 milhões de unidades da Echo foram vendidas globalmente no ano passado, e as vendas devem continuar aumentando. Quando se trata de escala e popularidade, a assistente digital Alexa tem sido um tremendo sucesso. Mas os comentários feitos no início da vida da Alexa estavam parcialmente corretos. Financeiramente, o aparelho fracassou. A Amazon vende o aparelho pelo preço de custo e, com mais de 10 mil funcionários trabalhando no projeto, ela está perdendo dinheiro.
A unidade de dispositivos e serviços da Amazon, que supervisiona a Alexa, teve um prejuízo operacional anual de US$ 5 bilhões nos últimos anos, de acordo com reportagem do Wall Street Journal publicada no início deste mês. Uma notícia mais recente da Business Insider, que falou com mais de uma dúzia de ex e atuais funcionários, traz um cenário cada vez pior: a divisão está a caminho de perder cerca de US$ 10 bilhões somente este ano, de acordo com um funcionário familiarizado com a equipe entrevistado pela Business Insider. É também um foco principal para algumas das maiores demissões já feitas pela Amazon.
A Amazon passa por um dilema perene: grande tecnologia por si só não traz lucro, mas os modelos de negócios sim. Algumas das plataformas tecnológicas mais populares do mundo ainda têm dificuldades para compreender o conceito. O WhatsApp, adquirido pela Meta (META) por mais de US$ 19 bilhões e utilizado por mais de 2 bilhões de pessoas, ainda traz pouca receita. O Twitter (TWTR), que tem cerca de 300 milhões de usuários ativos, tem lutado para manter a rentabilidade e diversificar seu modelo de negócios para além da publicidade. As demissões em massa e sem precedentes de hoje são o preço doloroso desse dilema.
A Amazon precisa tentar uma estratégia mais adequada ao hardware, como emular o iPhone da Apple (AAPL). Ela deve focar em melhorar a tecnologia e os serviços em torno do Echo e da Alexa para que os consumidores estejam dispostos a gastar mais do que o preço de custo do dispositivo, e para liberar uma atualização a cada dois anos ou mais, assim como ela faz com seus smartphones.
Em seu primeiro comercial de TV para o produto, a Amazon brincava sobre como esperava que sua assistente inteligente ganhasse dinheiro. Uma mulher fala com o aparelho em sua cozinha e pede que ele “coloque papel de embrulho na lista de compras”. Você imagina a partir daí que a lista de compras poderia se transformar em pedidos reais feitos através da Alexa. Isso faz sentido na teoria. A Amazon é a maior plataforma de comércio eletrônico do mundo, e sua assistente digital poderia ser outra interface útil para que seus clientes façam suas compras. No mínimo, poderiam usá-la para pedir itens comuns, como papel higiênico ou produtos de limpeza.
A ideia não se materializou porque – obviamente – ninguém confia na Alexa para fazer compras. Há muitas histórias sobre a Alexa fazendo compras de produtos que seus proprietários não querem. Existe um causo de uma menina de seis anos em Dallas, Texas, que encomendou biscoitos e uma casa de bonecas de US$ 170 através do aparelho quando seus pais não estavam por perto. Uma reportagem sobre o incidente, na qual uma repórter repetia as ordens da garota, acabou gerando mais compras nas casas em que a Alexa ouviu a transmissão. Mais importante ainda: os consumidores querem ter certeza de que seus comandos não são mal interpretados quando o dinheiro está em jogo, e é por isso que a interface visual da Amazon ainda sai na frente anos depois do surgimento da Alexa.
A outra fonte de receita potencial do Echo é a obtenção de informações a partir dos comandos das pessoas. Mas isso não só é assustador do ponto de vista da privacidade, como também não há muitas informações valiosas a serem coletadas de pessoas que perguntam a Alexa sobre a hora ou o clima ou pedem para definir um despertador.
A empresa pode estar se preparando para mudar sua abordagem. A Amazon fez uma mudança incomum em setembro de 2021 quando lançou um robô doméstico muito mais caro, de US$ 1.500, chamado Astro – o Echo geralmente custa cerca de US$ 99. Se o chefe de aparelhos e serviços da Amazon, David Limp, está tentando conquistar consumidores de maior renda, isso poderia significar um maior sucesso financeiro para a Alexa.
A empresa deve mudar seu roteiro mesmo conforme aumenta os preços: focar em racionalizar sua gama de aparelhos Echo em alguns formatos elegantes que custam algumas centenas de dólares a mais e que as pessoas estão dispostas a pagar – e derrubar o preço astronômico do Astro, que não tem o mesmo tipo de utilidade que a Alexa. O próprio Echo é útil e muito apreciado por milhões de consumidores. Apenas não viole a privacidade para capitalizar a multidão de fãs da Alexa.
O CEO da Amazon Andrew Jassy citou a Alexa como uma unidade que ainda tem “grandes oportunidades”, em uma declaração sobre as demissões da empresa na semana passada. Isso é um bom augúrio para seu futuro – se a Amazon conseguir finalmente se estabelecer em um modelo de negócios que funcione.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Parmy Olson é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Já escreveu para o Wall Street Journal e a Forbes e é autora de “We Are Anonymous”.
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