Quer acertar o campeão da Copa do Mundo do Catar? Não siga o dinheiro

Se a estratégia ‘follow the money’ prevalecer, a Inglaterra levará a taça para casa depois de mais de meio século. Mas isso se aplica ao futebol?

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Bloomberg — A Inglaterra vai levar a Copa do Mundo - vencendo o Brasil em uma final apertada depois de derrotar Portugal por pouco também.

A menos que os mercados falhem.

É difícil não chegar a essa conclusão depois de contemplar o imponente elenco de mais de US$ 1,3 bilhão da Inglaterra. É o mais rico da competição, cerca de 80 vezes mais valioso que o time da casa, o Catar, que está na última posição. Se as habilidades de marcar gols da Inglaterra forem proporcionais ao dinheiro que seus jogadores valem, ela deve derrotar o Irã na estreia por 21 a 1.

Mas, mesmo que haja um time disposto a gastar US$ 166 milhões pelo prodígio francês Kylian Mbappé - seu valor de acordo com o site de futebol transfermarkt, provavelmente não é razoável esperar que ele marque 1.600 gols a mais que o australiano Garang Kuol, mesmo que este seja avaliado em apenas cerca de US$ 104 mil.

O abismo que se abriu entre as avaliações gigantescas de jogadores de elite e o preço de meros mortais que exercem seu ofício fora dos holofotes das ligas europeias não é impulsionado por habilidades futebolísticas emergentes. Essa é apenas mais uma história de tecnologia gerando desigualdade em nosso mundo em que, cada vez mais, o vencedor leva tudo - “the winner takes all”.

O brasileiro Pelé, indiscutivelmente ainda o maior jogador de futebol de todos os tempos, fez sua estreia na Copa do Mundo na Suécia em 1958, quando tinha apenas 17 anos.

Em 1960, seu time, o Santos, supostamente pagava a ele US$ 150 mil por ano - cerca de US$ 1,5 milhão em dinheiro de hoje. Hoje em dia, isso equivaleria a um salário mediano.

O Paris Saint-Germain paga a Mbappé US$ 110 milhões por ano. Mesmo os superastros Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, que estão de saída, ganham US$ 100 milhões ou mais, incluindo patrocínios. Eles não são 67 vezes melhores que o mestre brasileiro.

Isso não é só sobre futebol. Em 1981, o economista da Universidade de Chicago Sherwin Rosen publicou um artigo intitulado “A Economia das Superestrelas”. Rosen argumentou que o progresso tecnológico permitiria que o talento mais procurado em qualquer ocupação atendesse a um mercado maior e colhesse uma parcela maior de suas receitas. Também reduziria os espólios disponíveis para os menos talentosos no negócio.

Pelé só tinha uma pequena base de receita porque poucas pessoas podiam vê-lo jogar. Em 1958 havia cerca de 350 mil aparelhos de TV no Brasil. O primeiro satélite de televisão, o Telstar I, só foi lançado em julho de 1962, tarde demais para a estreia de Pelé na Copa do Mundo.

O presidente da FIFA, Gianni Infantino, prevê que 5 bilhões de pessoas assistirão aos jogos no Catar. Isso é 66% a mais do que toda a população mundial em 1960.

Esse padrão aparece em outros esportes. Em 1990, a folha de pagamento mais cara da Major League Baseball – US$ 24 milhões – pertencia ao Kansas City Royals.

Neste ano, o New York Mets está no topo da lista, com US$ 287 milhões. A desigualdade aumentou consideravelmente. Enquanto o Royals pagava cerca de três vezes mais do que o White Sox, o time mais barato da liga naquela época, a folha de pagamento do Mets é quase seis vezes a do Oakland A’s na parte inferior.

A indústria da música exibe uma dinâmica semelhante: o progresso tecnológico que substituiu os discos de vinil e a estação de rádio local pelo iTunes e Spotify superdimensionou o alcance dos principais artistas, impulsionando a globalização da indústria e direcionando uma parcela maior do dinheiro para os bolsos das melhores bandas globais.

O BTS não teria existido 20 anos atrás. Ou melhor, seria alguma boy band coreana localmente popular. No ano passado, eles se apresentaram nas Nações Unidas.

Em “Rockonomics: The Economics of Popular Music”, os economistas Alan Krueger e Marie Connolly observam que, em 1982, o 1% dos melhores artistas recebia 26% da receita dos shows. Em 2003, sua participação havia subido para 56%. A propósito, essa foi uma fatia muito maior do bolo do que os 16% da renda nacional tomados naquele ano pelo 1% no topo da distribuição dos Estados Unidos.

E, claro, algumas das mesmas coisas estão acontecendo no mundo dos negócios. Os economistas Xavier Gabaix, de Harvard, Augustin Landier, da HEC Paris, e Julien Savagnat, da Universidade Bocconi, em Milão, estimaram que o rápido aumento salarial dos diretores executivos refletiu principalmente o tamanho crescente das empresas.

Contratar o “melhor” alto executivo pode aumentar apenas marginalmente o valor das ações de uma empresa. Mas, quando o valor de mercado é de US$ 2,4 trilhões, pequenos ganhos podem resultar em dinheiro real. Como Gabaix e Landier escreveram em um artigo anterior, “o tamanho substancial da empresa leva à economia das superestrelas, traduzindo pequenas diferenças em capacidade de desvios muito grandes no pagamento”.

Felizmente para todos os fãs de futebol, seja bebendo sua Coca-Cola nos desertos alcoólicos das arquibancadas do Catar ou assistindo confortavelmente em casa enquanto bebem sua cerveja, os mercados podem falhar e nos desviar.

Existem todos os tipos de atritos no mercado de jogadores de futebol, como contratos de longo prazo com enormes multas rescisórias que exigem que as equipes avaliem o talento de um jogador não ao longo de um ou dois anos mas ao longo de uma carreira.

Os preços de Cristiano Ronaldo e Messi parecem carregados de nostalgia. Talvez Mbappé não valha exatamente US$ 166 milhões se medido em puro futebol. Talvez a história de sua vida, crescendo no banlieue, tenha algum valor específico para os fãs parisienses.

Com cerca de US$ 78 milhões, o atacante argentino Lautaro Martinez vale talvez 2,5 vezes mais que seu compatriota Paulo Dybala. Mas, até agora neste ano, ele marcou apenas oito gols pela Inter de Milão contra os sete de Dybala pela Roma, ambos na Serie A da Itália.

Então talvez Harry Kane se machuque ou Harry Maguire seja Harry Maguire ou…. Talvez a Copa do Mundo também não “volte para casa” desta vez. Não será a primeira decepção da Inglaterra. Afinal, o time mais caro do futebol mundial é o próprio Manchester City, da Inglaterra. Quantas vezes ganhou a Liga dos Campeões da Europa? Zero.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Eduardo Porter é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre América Latina, política econômica dos EUA e imigração. É autor de “American Poison: How Racial Hostility Destroyed Our Promise” e “The Price of Everything: Finding Method in the Madness of What Things Cost”.

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