A história do fundo global que investiu e perdeu US$ 95 mi com o colapso da FTX

Ontario Teachers, com US$ 180 bilhões em ativos sob gestão e conhecido pelo zelo com a governança das empresas do portfólio, assumiu perda total do dinheiro na exchange de criptos

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Bloomberg — Quando Sam Bankman-Fried tinha 25 anos, ele apresentou seu nascente negócio de investimento em criptoativos para investidores do Vale do Silício - apenas para eles rirem dele por sua falta de experiência e conhecimento do negócio.

“Nenhum de nós dirigiu uma empresa antes e gostaríamos de US$ 100 milhões até a próxima terça-feira”, relembrou Bankman-Fried a David Rubenstein, da Bloomberg News, em agosto passado sobre o pedido. “Não foi uma proposta muito atraente para os investidores.”

Um avanço rápido de cinco anos no tempo desde esse episódio e Bankman-Fried tornou-se, em suas próprias palavras, um dos “maiores arrecadadores de fundos do mundo”.

Bankman-Fried finalmente contratou algumas das empresas mais conhecidas do Vale do Silício para arrecadar bilhões de dólares para o seu FTX Group. Após seu rápido colapso na última semana e meia, esse feito agora parece uma das maiores falhas de due diligence de investimento de todos os tempos.

A lista de investidores institucionais de primeira linha da FTX incluía fundos como o Ontario Teachers’ Pension Plan, um fundo que administra cerca de 242,5 bilhões de dólares canadenses (cerca de US$ 181 bilhões), que direciona dinheiro a empresas privadas há décadas e que é conhecido por ter um interesse ativo na governança corporativa das companhias em que decide investir.

A Ontario Teachers investiu US$ 75 milhões em duas entidades do FTX Group em outubro de 2021 como parte de uma rodada de captação de US$ 420 milhões, ao lado de outros grandes investidores, como a Tiger Global Management e a Temasek Holdings, fundo soberano de Cingapura. Três meses depois, o fundo canadense fez um investimento subsequente de US$ 20 milhões na FTX.

Cerca de US$ 300 milhões daquele financiamento de outubro foram para Bankman-Fried, que vendeu parte de sua participação pessoal na empresa, informou o The Wall Street Journal, citando registros financeiros da FTX e pessoas familiarizadas com a transação.

A compra de ações da FTX passou por um desafio mais difícil do que o normal para um investimento desse tamanho na Ontario Teachers, com vários comitês de investimento revisando o negócio, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto.

O investimento foi defendido por Olivia Steedman, a conceituada chefe de seu braço de capital de risco - a Teachers’ Venture Growth (TVG) - que está no fundo há duas décadas.

“Antes de fazer um investimento, nossas equipes passaram anos rastreando o mercado de ativos digitais”, disse Dan Madge, porta-voz da Ontario Teachers, à Bloomberg News em um comunicado.

“A tese da TVG era que as exchanges, como a FTX, poderiam ajudar a refinar nossas perspectivas sobre ativos digitais sem expor o plano a riscos significativos de uma única criptomoeda. A TVG passou muitos meses na diligência da FTX, em parceria com consultores externos experientes, para nos permitir avaliar os riscos associados ao investimento.”

A Teachers agora está assumindo como perda todo o seu investimento de US$ 95 milhões na FTX.

Sinais de alerta

O fundo de pensão canadense havia anteriormente defendido seu processo como “robusto” em um comunicado na quinta-feira (17), acrescentando que “nenhum processo de due diligence pode revelar todos os riscos, especialmente no contexto de um negócio de tecnologia emergente”.

Ainda assim, o processo de Ontario parecia ter ignorado sinais de alerta - incluindo os conflitos de interesse da FTX com a Alameda Research e a falta de um conselho de administração adequado.

Este último é um erro particularmente estranho para o Ontario Teachers, um dos primeiros a adotar a visão de que os fundos de pensão devem prestar muita atenção aos conselhos e à governança de seus investimentos e divulgar sua votação em empresas de capital aberto.

O fundo e seu primeiro CEO, Claude Lamoureux, foram fundamentais para a fundação da Canadian Coalition for Good Governance, uma aliança de investidores institucionais, há duas décadas.

A Ontario Teachers disse que a posição da FTX representava menos de 0,05% dos ativos do fundo, “exposição em pequena escala a uma área emergente no setor de tecnologia financeira”.

Alguns especialistas defendem a abordagem.

“Precisamos admitir que o crescimento das criptomoedas nos últimos cinco, seis, sete anos foi tremendo”, disse Sebastien Betermier, professor associado de finanças da Universidade McGill, em Montréal, em entrevista por telefone. “Do ponto de vista de um investidor de longo prazo, como um fundo de pensão, isso levanta a questão: devemos investir uma parte de nossa riqueza em criptomoedas?”

É a segunda vez em três meses que um grande gestor de pensões canadense foi forçado a assumir completamente como perda um investimento em cripto que havia feito recentemente.

Em agosto, a Caisse de Depot et Placement du Quebec marcou a mercado como zero sua participação prévia estimada em US$ 150 milhões na Celsius Network LLC depois que a plataforma de empréstimo de criptomoedas quebrou.

A Ontario Teachers lançou sua divisão de venture capital em 2019 sob a direção de Steedman, que já havia trabalhado em sua unidade de infraestrutura e recursos naturais.

No ano passado, a TVG, que compreende cerca de 25 profissionais de investimento em Toronto, Londres, Hong Kong e San Francisco, relatou um retorno de 39% em seu portfólio. Seus investimentos incluem algumas empresas maiores, como a Space Exploration Technologies de Elon Musk, mais conhecida como SpaceX.

“Como inovador global impulsionado pela tecnologia no setor financeiro, o FTX se encaixa bem em nosso mandato”, disse Steedman em um comunicado à imprensa anunciando a captação de fundos em outubro de 2021, que incluiu Sequoia Capital, Lightspeed Venture Partners e Tiger Global Management. A Sequoia reconheceu como perda seu investimento de US$ 214 milhões na FTX na semana passada.

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