Tabata Amaral: relação de Lula com Congresso depende de respaldo da sociedade

Deputada reeleita pelo PSB com 338 mil votos diz à Bloomberg Línea que postura mais moderada em um país que ‘perdeu a habilidade de dialogar’ pesou a seu favor na eleição

Visão de governo que não respalda nem a bandeira do Estado mínimo nem a do Estado inchado
19 de Novembro, 2022 | 04:00 PM

Bloomberg Línea — Reeleita deputada federal por São Paulo com 338 mil votos, 73 mil a mais do que em 2018, Tabata Amaral (PSB) credita sua recondução ao cargo a partir de 2023 à avaliação de seus eleitores de que apresenta uma postura mais moderada diante de “um país que perdeu a habilidade de dialogar”. Segundo ela, a vitória de Lula (PT) será necessária para “reconstruir um país inteiro”.

A entrevista faz parte de uma especial da Bloomberg Línea sobre os desafios do país e do próximo governo, além da análise do resultado das eleições, por parte de novas lideranças do Congresso, uma da esquerda e uma da direita, ambos com votações expressivas que os colocaram entre os mais votados do país. Leia aqui a entrevista com o deputado federal reeleito Marcel Van Hattem (Novo-RS).

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Ainda no primeiro turno, a paulistana natural da Vila Missionária, periferia da Zona Sul de São Paulo, declarou apoio ao ex-presidente petista na disputa eleitoral. Agora, disse enxergar o mandato do novo presidente eleito como uma “contraposição necessária ao bolsonarismo”.

Quando eleita pela primeira vez, com apenas 24 anos, Amaral foi a sexta candidata a deputada federal mais votada em São Paulo e a segunda do Brasil - à época pelo PDT, com 264.450 votos. Neste ano, foi a oitava candidata a deputado mais votada de todo o país, incluindo todos os gêneros.

No ano passado, foi desfiliada do partido, sem perder o mandato, após ter contrariado orientação da direção da legenda ao votar a favor da aprovação da reforma da Previdência em 2019.

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Ainda filiada a um partido de centro-esquerda, a deputada disse conservar sua visão da economia considerada mais ao centro. Ao mesmo tempo em que defende reformas, Tabata afirmou não compartilhar da visão de um Estado mínimo, citando que, na periferia, “o Estado já é mínimo”.

“Eu me distancio e discordo de quem está mais à esquerda e defende um estado inchado, mas também não compartilho de uma visão de um Estado mínimo, simplesmente porque o Estado já é mínimo na periferia”, disse.

Em entrevista à Bloomberg Línea, a deputada falou sobre o que espera do novo governo, de privatizações, reformas, educação e de recados da população nas eleições. Confira os principais trechos:

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Você manifestou apoio ao ex-presidente Lula (PT) logo no primeiro turno. O que enxerga como mais urgente para este novo mandato do petista?

Esperei e trabalhei, sinceramente, pela vitória da chapa Lula-Alckmin. É preciso fazer contraposição ao bolsonarismo, e temos um país inteiro a ser reconstruído. Estamos vivendo um momento de grande extremismo. Tínhamos dois candidatos na disputa que muitos viam como dois extremos - mas não são dois extremos. Você pode ter todas as críticas aos governos do PT, e eu tenho as minhas.

Agora não dá para falar em dois extremos. Temos um presidente da República que persegue jornalista que o critica, que aparelha os órgãos de investigação, que muda o delegado da Polícia Federal quando se sente ameaçado, que já falou com todas as letras que vai aumentar o tamanho do STF. É justamente o que o Hugo Chávez fez na Venezuela, porque ele não quer discordância e não quer ser investigado.

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Ele não quer transparência, e isso é extremismo. Lula sempre governou de forma ampla, manteve as políticas do governo, dialogou com quem pensa diferente. Agora temos muito para debater. Na área ambiental, na educação, reforma tributária, ensino técnico, profissionalizante, poupança... tudo o que importa.

Como você avalia o resultado das eleições para o Congresso?

O resultado não foi uma surpresa, mas porque eu entendo o resultado de uma forma um pouco diferente. O grande vencedor dessa eleição foi o Centrão. Eu passei a minha campanha dizendo isso. O Centrão nunca teve tanto dinheiro para fazer campanha como tem hoje.

Ainda que neste momento o Centrão se apresente como conservador e de direita, a verdade é que não existe ideologia nenhuma ali. O que existe é pragmatismo, é fisiologismo. Tivemos uma eleição que favoreceu os extremos, e isso é muito ruim pelo debate. Estou bem preocupada, vai ser um Congresso bem difícil.

E como será para o novo governo eleito negociar com um Congresso dominado pelo Centrão?

É importante dizer que o resultado deste Congresso, ou seja, como ele funciona, como ele age, não depende só da composição dele. Depende da Câmara, de quem é o presidente da República e do quanto a população está engajada.

Mas o Centrão é o Centrão e está lá em busca de cargos e de recursos. Portanto, se o Congresso vai ser mais ao centro ou muito mais à direita, depende 100% do presidente que foi eleito - no caso, Luiz Inácio Lula da Silva.

Sim, o Centrão vai dar trabalho. Mas a força que Lula terá para combater quem defender o Orçamento secreto vai depender do respaldo que ele tenha na sociedade e de quando ele decidir fazer esse enfrentamento.

Qual sua visão sobre privatizações e reformas, temas defendidos pelo mercado?

Privatização não é um dogma. Sou 100% contra a privatização de qualquer coisa que diga respeito a segurança, saúde e educação. Por outro lado, o Brasil tem centenas de empresas públicas que estão ali tirando dinheiro dessas áreas essenciais.

Obviamente é preciso debater caso a caso e a forma como as coisas são feitas também importam. Especificamente sobre a privatização da Petrobras (PETR3, PETR4), sou contra e por uma razão de estratégia nacional. Espero que no futuro a gente não dependa do petróleo como dependemos hoje, mas com certeza é um item de segurança nacional.

Quando falamos em reformas, vejo a tributária como a mais urgente e que vai cumprir três objetivos importantes, se bem feita: simplificação, progressividade e revisão do pacto federativo. E que também garanta que deixemos mais recursos na esfera em que a política pública é executada.

Hoje os mais ricos pagam proporcionalmente muito menos imposto do que os mais pobres. É preciso rediscutir, tirar o peso que existe sobre o consumo e aumentar a taxação de herança.

Você se apresenta como uma pessoa de esquerda, mas tem muitos eleitores na Faria Lima. O que te difere dos outros candidatos?

Eu tenho mais rejeição na classe A, e isso se deve muito à polarização que vemos no Brasil, que é mais exacerbada nesse meio. Tem uma fatia grande da Faria Lima que não gosta do meu trabalho por me considerar muito de esquerda; e outra fatia grande que me considera não de esquerda suficiente.

Acho que aqueles que gostam do meu trabalho é justamente por eu ser uma pessoa que fala de diálogo, que fala de moderação em um meio de muita divisão e de muito ódio. Entre os mais votados, sou uma das poucas que é atacada justamente por ser moderada, por pregar o diálogo. Minha reeleição se deveu muito a isso e por ser alguém que está indo para a rua para falar dessa realidade.

Qual sua maior dificuldade enquanto mulher e jovem na política?

Nunca fui tão chamada de burra na minha vida. Sinto que incomodo porque eu trago uma visão social, econômica e ambiental que de certa forma expõe as incoerências tanto de quem defende um Estado máximo quanto quem defende um Estado mínimo.

Mas, por ser uma mulher jovem, eu sinto que esse incômodo também ofende. As pessoas se voltam a mim com xingamentos diários, interrupções, ameaças e agressividade. Como a gente enfrenta isso? Pessoalmente, com saúde mental. É preciso estar muito forte para enfrentar tudo isso.

De dentro para fora, lido apoiando outras mulheres também na política e acho que nós só vamos resolver isso de forma rápida quando tivermos mais mulheres no Parlamento.

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Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.