Exclusivo: empresário brasileiro prepara ação coletiva contra FTX nos EUA

Ray Nasser, da mineradora Arthur Mining, está reunindo investidores brasileiros e latino-americanos que tenham perdido mais de US$ 100 mil com colapso da corretora

FTX, fundada por Sam Bankman-Fried, pode ter que enfrentar ação coletiva movida por brasileiros e latino-americanos que perderam, de forma somada, US$ 35 milhões com colapso da exchange
18 de Novembro, 2022 | 06:46 PM

Bloomberg Línea — O empresário brasileiro Ray Nasser, da mineradora de criptomoedas Arthur Mining, está preparando uma ação coletiva nos Estados Unidos contra a exchange FTX, que pediu recuperação judicial há uma semana. Ele pretende representar fundos e investidores brasileiros e latino-americanos que perderam mais de US$ 100 mil cada um com o colapso da FTX para tentar recuperar o dinheiro.

A ação está em fase de preparação, dado que a crise é recente. Nasser, assessorado pela consultora Brics Strategic Solutions, do advogado brasileiro Marcelo Knopfelmacher, está discutindo qual deve ser a estratégia e a tese jurídica que será apresentada à Justiça dos Estados Unidos. Eles também estão ouvindo propostas de escritórios de advocacia norte-americanos interessados em atuar no caso.

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Knopfelmacher disse à Bloomberg Línea que eles esperam constituir um grupo cujos investidores tenham US$ 35 milhões em prejuízos somados. Esse grupo será composto por fundos e investidores brasileiros e de outros países da América Latina, especialmente Argentina.

A ação deverá ser apresentada na Justiça da Flórida, onde já foi ajuizada uma ação coletiva contra a FTX. Os investidores também estudam ir à Justiça das Bahamas, onde mora o fundador da FTX, Sam Bankman-Fried - de acordo com uma petição enviada à Justiça dos EUA pelo administrador da recuperação judicial da FTX (leia mais sobre isso abaixo), Bankman-Fried pegou US$ 1 bilhão emprestado da Alameda, uma das empresas do grupo, para comprar uma casa lá.

A Bloomberg Línea procurou a FTX para comentar o assunto, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

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As ações coletivas nos EUA são chamadas de class actions. Esses processos funcionam como se fossem um leilão: escritórios de advocacia apresentam ao Judiciário suas teses e é o juiz quem decide se o caso específico trata de um grupo homogêneo de pessoas - uma “classe” de pessoas - e qual a tese que melhor representa esse grupo.

O escritório que tiver apresentado a tese escolhida, então, se torna o líder da ação coletiva. Serão seus advogados os representantes do grupo na Justiça por meio do envio de petições e de sustentações orais.

Nasser quer ser o líder dessa ação coletiva em nome dos investidores brasileiros.

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Colapso e pedido de recuperação

A FTX chegou a ser uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, avaliada em US$ 32 bilhões. Seu co-fundador e ex-CEO, Sam Bankman-Fried, que ficou conhecido pelas iniciais SBF, chegou a ter uma fortuna avaliada em US$ 25 bilhões antes dos 30 anos - ele foi apontado pela Forbes em sua lista de 30 pessoas bem-sucedidas com menos de 30 anos, a “30 under 30″.

Mas, em 10 de novembro, a empresa e suas mais de 130 afiliadas, que compõem o FTX Group, entraram com um pedido de recuperação judicial nos EUA, no chamado “Chapter 11″ da Lei de Falências dos EUA: permite que a empresa apresente um plano para se recuperar e comece a executá-lo sem ser cobrada pelos credores enquanto isso.

Com o pedido, Bankman-Fried deixou o comando da empresa e foi substituído por John J. Ray III, um experiente administrador de recuperações judiciais, famoso por ter supervisionado a liquidação da Enron em 2001, falida depois de uma das maiores fraudes contábeis da história.

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De acordo com declaração apresentada por Ray III à Justiça dos EUA na quarta-feira (17) a qual a Bloomberg News teve acesso, a FTX tinha US$ 1,32 bilhão em ativos que poderiam ser vendidos em outubro e US$ 9 bilhões em passivos. Ray III cita outros ativos mencionados nos balanços de empresas do grupo, mas afirma que nenhum desses foi auditado e, portanto, as informações não são confiáveis.

O colapso aconteceu depois que se descobriu que a Alameda, uma corretora do grupo da FTX, investia em criptoativos emitidos pela FTX com dinheiro dos clientes.

A partir dessa descoberta, diversos investidores começaram a retirar o dinheiro da FTX, o que levou Bankman-Fried a anunciar o congelamento dos ativos e das contas da exchange. Até isso acontecer, US$ 6 bilhões foram retirados, conforme reportagens da imprensa norte-americana.

No pedido de recuperação, Ray III disse que a situação encontrada de falta de supervisão e controles da FTX é “sem precedentes”. Segundo o documento, a empresa pode ter hoje mais de um milhão de credores.

“Desde a integridade de sistemas comprometidos e a supervisão regulatória defeituosa no exterior até a concentração de controle nas mãos de um grupo muito pequeno de indivíduos inexperientes, não sofisticados e potencialmente comprometidos, essa situação é sem precedentes”, escreveu.

“Nunca em minha carreira vi uma falha tão completa dos controles corporativos e uma ausência tão completa de informações financeiras confiáveis.” Ray III tem 40 anos de experiência na área.

Segundo petição enviada à Justiça dos EUA, a FTX fez transferências não autorizadas de ativos digitais depois de pedido de recuperação judicial

Entre os problemas citados pelo administrador judicial estão a falta de qualquer mecanismo de controle de informações e de movimentações financeiras; a existência de um software para ocultar o uso indevido de fundos dos clientes; conversas por meio de um aplicativo que apaga o histórico de mensagens; o uso de um email de grupo sem controle de acesso em que se trocavam senhas e informações de clientes; além do uso de dinheiro das empresas para fazer empréstimos pessoais aos executivos do grupo.

Ray III também afirmou que sua equipe detectou “transferências não autorizadas” de US$ 372 milhões para uma carteira offline de criptoativos (cold storage, no jargão do setor) desde a data do pedido de recuperação (10 de novembro). Isso foi feito, segundo a petição de Ray III, para “mitigar os riscos às criptomoedas remanescentes naquele momento”.

Também foi constatada a diluição de US$ 300 milhões em tokens FTT desde a data do pedido de recuperação por “uma fonte não autorizada”.

A petição afirma que os devedores só conseguiram garantir cerca de US$ 740 milhões em carteiras offline até o momento.

Outra ação

A FTX já é alvo de uma ação coletiva nos EUA, apresentada pelo advogado Adam Moskowitz em nome do cidadão norte-americano Edwin Garrison e de outros investidores. Eles afirmam que a FTX funcionava por meio de “condutas enganosas e apresentações falsas” que custaram “aos consumidores americanos” US$ 11 bilhões, conforme a petição enviada à Justiça da Flórida, nos EUA à qual a Bloomberg Línea teve acesso.

Além da empresa e de seu ex-CEO, a ação também acusa celebridades que fizeram propaganda dos serviços da FTX. Entre os acusados estão a supermodelo brasileira Gisele Bündchen, seu agora ex-marido Tom Brady, a jogadora de tênis Naomi Osaka, o jogador de basquete Stephen Curry, o ex-atleta da NBA e investidor Shaquille O’Neal, o produtor, ator e diretor Larry David, criador da série Seinfeld e o empresário Kevin O’Leary, famoso por ser também apresentador da versão original do Shark Tank, entre outros.

A petição diz que “a plataforma enganosa mantida pela FTX era na verdade um castelo de cartas, um esquema Ponzi [pirâmide financeira] no qual a FTX embaralhava os fundos dos clientes entre suas entidades opacadas, usando novos fundos obtidos por meio de investimentos em YBAs [contas com rendimento de aplicações] e empréstimos para pagar juros aos investidores antigos e para manter uma aparência de liquidez”.

“Parte do esquema mantido pela FTX envolvia usar alguns dos maiores nomes do esporte e do entretenimento - como os réus - para levantar fundos e levar consumidores americanos a investir nas YBA, que eram oferecidas e vendidas a partir da base de operações doméstica da FTX em Miami, na Flórida, despejando bilhões de dólares na plataforma FTX para manter todo o esquema funcionando”, diz o documento.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.