Arminio, Bacha e Malan rebatem críticas de Lula ao mercado; leia carta

Presidente eleito disse ‘paciência’ se bolsa cair e dólar subir; economistas que deram no apoio no 2º turno apontam que responsabilidade fiscal não impede gastos sociais

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Bloomberg Línea — Os economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan divulgaram nesta quinta-feira (17) uma carta aberta direcionada a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de novas críticas do presidente eleito a investidores na manhã desta quinta-feita, na COP27 no Egito. Durante o evento, o petista disse que “não adianta ficar pensando só em dado fiscal” e que, se o dólar subir e a bolsa cair, “paciência”. “O dólar não aumenta ou a bolsa cai por causa das pessoas sérias, e sim dos especuladores.”

Na carta, divulgada originalmente pelo jornal Folha de S.Paulo na tarde desta quinta e publicada também pela Bloomberg Línea com autorização (leia abaixo a íntegra), os economistas dizem que “a alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados”.

Lula disse ainda que o teto de gastos retiraria dinheiro dos investimentos públicos na área social, mas não mexe com a verba destinada ao pagamento de juros da dívida pública. Em resposta, os economistas disseram que “o teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social”.

Os três economistas estão entre os mais respeitados do país, são apontados como alguns dos responsáveis pela estabilidade dos preços e da economia brasileira conquistada entre 1994 e 2002 e são identificados com o pensamento liberal, e não da esquerda.

São ligados ao grupo político do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Malan foi ministro da Fazenda de FHC e Arminio foi presidente do Banco Central durante seu governo. Já Bacha integrou a equipe que elaborou o Plano Real durante o governo Itamar Franco (MDB), quando FHC era ministro da Fazenda.

Os três economistas apoiaram publicamente Lula no segundo turno das eleições deste ano, além de FHC e Pérsio Arida, que faz parte da equipe de transição, com o argumento de defesa da democracia e de áreas consideradas vitais para o país, como o meio-ambiente.

Leia a íntegra da carta de Arminio, Bacha e Malan:

Vai aumentar o dólar? Cair a bolsa? Paciência?

“Caro presidente eleito Lula,

Assistimos sua fala hoje cedo na COP27 no Egito. Acredite que compartilhamos suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

A alta do dólar e a queda da bolsa não são o produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via do calote direto, como passado, seja pela via da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imaginamos que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal não basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes, inclusive o de hoje, sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros e o dólar e a bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Gente séria, trabalhadora, presidente.

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido desde o início do ano.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a hiperinflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

O setor financeiro recebe juros sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque implícita ou explicitamente não se dá prioridade para elas. Essa a realidade que precisa ser encarada com transparência e coragem.

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.”

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