Bloomberg Opinion — Será que a IA acabará salvando os criptoativos?
É uma pergunta estranha – afinal, duas tecnologias assustadoras são mais perigosas do que uma – e, no entanto, o futuro da inovação financeira pode depender disso. A questão é ainda mais premente com o colapso da exchange FTX. A IA é relevante porque tem o potencial de tornar os criptoativos viáveis para a grande maioria das pessoas que não querem se preocupar com os meandros de uma carteira cripto.
O histórico dos criptoativos está repleto de fracassos das instituições centralizadas, não dos principais mecanismos descentralizados de cripto. A Mt. Gox foi uma exchange de bitcoin (BTC) sediada no Japão que faliu em 2014. O colapso da FTX, que em certo ponto chegou a ter valuation de US$ 32 bilhões, agora também faz parte desse histórico.
Durante essas e outras confusões, as blockchains continuaram operando tranquilamente. As blockchains, que consumam e registram transações, não foram hackeadas, mesmo que muitos bilhões de dólares estivessem disponíveis para qualquer um que descobrisse como fazê-lo.
As instituições falidas são aquelas que mais se assemelham aos intermediários financeiros pré-cripto, como bancos e exchanges. E os motivos de sua falência foram clássicos, não de alta tecnologia. No caso da FTX, por exemplo, há alegações de que os fundos dos depositantes foram utilizados para outros fins e não mantidos em reserva – uma história muito antiga no setor de finanças.
Os bancos e exchanges de criptoativos têm outro ponto de vulnerabilidade: eles podem ser regulamentados. Toda a estrutura da regulamentação financeira dos EUA é apontada para intermediários, que podem ser monitorados, obrigados a relatar informações e deterem a uma certa quantidade de capital. No caso de clearinghouses – equivalente às câmaras de compensação e liquidação do Brasil – o Federal Reserve e o Tesouro atuariam como credores como último recurso, caso essa assistência fosse necessária.
Meu argumento não é que estas regulamentações sejam perfeitas (e realmente não são). É que, no dia a dia, os intermediários não podem fugir de suas obrigações legais.
Na medida em que as clearinghouses e exchanges de cripto tiverem futuro, elas também serão regulamentadas – o que é ainda mais certo após o caso da FTX. Então a questão agora é: quantas das (supostas) eficiências de cripto continuariam em um regime regulado? Afinal, a intenção original dos criptoativos era reduzir os custos de transação associados às instituições financeiras tradicionais. Custos intermediários, requisitos de reserva e custos de compliance poderiam mais do que reverter essas vantagens.
Os intermediários, entretanto, proliferaram no setor de cripto, por alguns motivos óbvios. A maioria das pessoas não quer ter que lidar com o problema de administrar sua própria carteira cripto, salvaguardar sua senha e descobrir como funciona o sistema. É assustador, mesmo para pessoas com experiência em finanças ou tecnologia.
É aí que entra a inteligência artificial. Novos sistemas de IA estão ficando muito bons no reconhecimento de voz, na execução de comandos, na compreensão de textos e até mesmo na escrita de seus próprios programas de computador. É tão difícil assim imaginar uma IA que facilite o uso de uma carteira cripto?
Você ainda guardaria seu criptoativo em sua própria carteira, e não precisaria confiar em nenhum intermediário, exceto, é claro, na própria IA. Você enviaria os comandos desejados à IA: “abra uma carteira para mim”, “envie 0,1 bitcoin para meu irmão”, “converta todas as minhas contas em dinheiro”, e assim por diante.
Em essência, a IA facilitaria suas interações com o sistema, mas sem criar uma entidade corporativa separada entre você e seus fundos. Se a empresa de IA falisse, seus fundos ainda estariam em sua carteira. Provavelmente, o programa de IA administraria suas finanças pessoais de forma mais ampla, não apenas sua carteira cripto.
Você pode se perguntar se poderia confiar na empresa que fornece a AI. Mas essa pergunta é respondida com relativa facilidade quando você responde esta outra pergunta: você confia em seu smartphone ou computador para fazer transações bancárias online? Para a grande maioria das pessoas, a resposta é sim. Mas se essas empresas construíssem programas de software para interceptar ou redirecionar os fluxos de fundos de consumidores para seus próprios fins, essas tentativas não durariam um dia e elas rapidamente estaria falidas e seriam processadas.
Os céticos de cripto gostam de observar que o setor existe há 13 anos, mas ainda não tem casos de uso legal claramente definidos. Essa é uma preocupação legítima. Ao mesmo tempo, muitos avanços tecnológicos não decolam até que haja peças adicionais de infraestrutura. A eletricidade existiu por décadas antes de transformar a produção fabril. A internet nasceu nos anos 60, mas levou décadas para que revolucionasse o comércio e a comunicação.
A IA e os criptoativos comandam muita atenção por si só. O próximo passo – e a melhor maneira de garantir que não haja outro caso como o da FTX – pode ser fazê-los trabalhar juntos.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Tyler Cowen é colunista da Bloomberg Opinion. É professor de economia na George Mason University e escreve para o blog Marginal Revolution. É coautor de “Talent: How to Identify Energizers, Creatives, and Winners Around the World.”
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