Bloomberg — O Brasil quer voltar a ficar à frente das negociações climáticas globais, no que provavelmente será a mudança de política externa mais visível sob o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Lula, de 77 anos, deixou a mudança clara ao escolher a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas no Egito como sua primeira viagem internacional depois de derrotar o presidente Jair Bolsonaro no mês passado. Mesmo que Lula tome posse apenas em 1º de janeiro, ele apresentará sua visão para a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e foco da indignação internacional com Bolsonaro, na COP27 na manhã de quarta-feira.
“Uma das principais coisas que vou fazer é colocar o Brasil de volta no centro da geopolítica internacional”, disse Lula na semana passada em Brasília. “Terei mais conversas com líderes mundiais no Egito em um único dia do que Bolsonaro teve em quatro anos.”
Durante a campanha, Lula prometeu reduzir o desmatamento da floresta tropical a zero e proteger os povos indígenas que vivem lá, em nítido contraste com Bolsonaro, que tem sido alvo de reprovação internacional por afrouxar a legislação e as agências de vigilância destinadas a proteger a Amazônia.
O líder de esquerda também disse que fará compromissos voluntários para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em troca, ele pedirá às nações ricas que doem mais fundos para a proteção não apenas da Amazônia, mas de todas as florestas tropicais remanescentes, a maioria delas no Brasil, Indonésia e Congo. Um passo fundamental será o renascimento do Fundo Amazônia mantido por nações ricas como Noruega e Alemanha e que foi congelado em 2019 quando Bolsonaro mudou a governança do país.
Lula também está criando novos cargos no gabinete para lidar com questões ambientais. Além de um ministro do Meio Ambiente, ele nomeará um ministro para os povos indígenas e um enviado especial para o clima, cargo semelhante ao de John Kerry nos EUA. Alguns deles podem ser anunciados durante sua visita ao Egito.
O Brasil precisa deixar para trás a desconfiança global dos últimos quatro anos, segundo Helder Barbalho, governador do Estado do Norte do Pará, que também estará presente na COP27.
“Temos que reconquistar a credibilidade, mesmo que seja para exigir com mais veemência indenizações dos países industrializados e de seus atores”, disse.
O retorno de Lula ao poder abre caminho para um novo e construtivo começo nas discussões climáticas entre o Brasil e o mundo, e especialmente a Europa, disse uma autoridade de um país da Europa Ocidental à Bloomberg News. Outra autoridade europeia disse que a reeleição de Bolsonaro teria sido uma catástrofe para a agenda ambiental global.
No entanto, apesar da mudança de tom, impedir o desmatamento da Amazônia não será fácil para Lula, devido aos desafios geográficos de uma terra enorme e isolada - cerca da metade do tamanho dos EUA - difícil de policiar e cheia de gangues violentas com um governo enfrentando restrições fiscais.
EUA, China, Rússia
Ao mesmo tempo, Lula também terá que calibrar suas políticas para os EUA, China e Rússia em um momento de relações voláteis entre as maiores economias do mundo. A complexidade do cenário global deixa pouco espaço para erros do novo presidente brasileiro.
Manter essas relações exigirá muita diplomacia do Brasil, já que autoridades ocidentais dizem que esperam que Lula se afaste da Rússia - ou pelo menos se abstenha de dizer que a Ucrânia compartilha a culpa pela guerra, como disse à revista Time em maio.
Seus comentários sobre a Ucrânia levantaram sobrancelhas nas capitais europeias, com um alto funcionário europeu dizendo antes da eleição que Lula precisa urgentemente mudar suas lentes e abandonar “visões de terceiro mundo” se ele voltar ao poder. Os laços de Lula com a Rússia e a China devem complicar seu esforço por uma reforma do Conselho de Segurança da ONU que busca incluir o Brasil como membro permanente.
Outra autoridade europeia minimizou os comentários de Lula sobre a Ucrânia, dizendo que refletem a relutância histórica do Brasil em tomar partido e sua política de não interferência em questões domésticas de outras nações.
Brics, Mercosul
Além disso, como parte de sua agenda internacional, Lula pretende dinamizar o grupo Brics dos principais países emergentes que hoje compreendem Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O plano, segundo seu assessor Celso Amorim, é incluir a Argentina para “aumentar o peso da América Latina” na associação.
A volta de Lula também é uma boa notícia para os esforços de retomada do acordo comercial entre a UE e o Mercosul, bloco que inclui Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O acordo foi assinado em 2019, mas está paralisado desde então em meio à relutância europeia.
Lula deixou claro que está disposto a retomar o acordo UE-Mercosul e precisa de uma vitória rápida nas relações exteriores, por isso há motivos para ser otimista, disse um alto funcionário da UE, acrescentando que não será fácil porque o acordo se tornou ainda mais impopular em países como a França.
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