Bloomberg Línea — O crescimento da energia solar para a geração própria de eletricidade abriu uma nova frente de negócios para as instituições financeiras no Brasil. Nos últimos anos, bancos como Santander, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e, mais recentemente, o Itaú, lançaram linhas de crédito específicas para financiar a instalação dos painéis solares, um serviço que não sai por menos de R$ 15 mil para uma residência de quatro pessoas.
No ano passado, o financiamento para esses projetos alcançou R$ 16,2 bilhões no Brasil, de acordo com estimativa da butique de investimentos especializada Clean Energy Latin America (Cela), sediada em São Paulo, e a tendência é de um valor ainda mais alto este ano. De janeiro a outubro, a capacidade de geração de energia elétrica por meio de painéis solares instalados em residências, lojas e fábricas cresceu 66,7% e atingiu um recorde de 14 gigawatts, mais do que a potência instalada da hidrelétrica de Itaipu, a maior do país.
Um dos bancos que se destacam nessa frente é o BV (antigo Banco Votorantim). A instituição foi uma das primeiras a oferecer linhas de crédito para painéis solares entre o fim de 2017 e o começo de 2018, e a área se tornou a unidade de maior crescimento do banco.
De acordo com o último relatório trimestral, divulgado semana passada, o financiamento a painéis solares atingiu R$ 4,1 bilhões na carteira de crédito no terceiro trimestre, quase o dobro (96%) do que no mesmo período do ano passado (R$ 2,1 bilhões).
O crescimento tem ajudado a diversificar os negócios do banco. O BV é um dos líderes em crédito para a compra de carros novos e usados no Brasil, mas o segmento tem sofrido nos últimos dois anos com a alta dos preços dos veículos e o aumento da inflação e dos juros. Embora ainda seja a maior parte da carteira (R$ 40,726 bilhões no terceiro trimestre), o negócio de automóveis tem perdido espaço para outras áreas, como o financiamento a painéis solares que hoje representa 5% da carteira ampliada.
Outros segmentos que também têm crescido são o negócio em cartão de crédito, que hoje representa R$ 5,541 bilhões da carteira (ante R$ 3,987 bilhões há um ano), e o financiamento a pequenas e médias empresas (R$ 1,61 bilhão atualmente ante R$ 906 milhões no terceiro trimestre de 2021).
A estratégia de investir nessas áreas ajudou o BV a compensar parte do esfriamento do seu negócio principal no segmento de veículos, que afetou o resultado trimestral.
O lucro líquido recorrente caiu 4% no terceiro trimestre sobre o mesmo período de 2021, e ficou em R$ 387 milhões. O retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) atingiu 12,6%, ante 13,9% no mesmo período do ano passado. No acumulado dos nove meses de 2022, o lucro líquido apresenta crescimento de 3,3%, a R$ 1,187 bilhão.
O CEO do BV, Gabriel Ferreira, disse em entrevista à Bloomberg Línea que as principais razões para queda no lucro no terceiro trimestre é a redução de quase 20% na originação de crédito para o financiamento de veículos em relação ao ano passado e também o aumento da inadimplência, o que tem a ver com a inflação alta e os juros elevados no país. Cerca de dois terços dos negócios de crédito do banco são ligados à pessoa física, segundo ele.
“O que faz o resultado não ter caído, mas estar estável é basicamente a agenda de diversificação”, disse Ferreira. “Se não fossem os fortes investimentos na estratégia de migração de parte desse cliente para a plataforma de banco digital, teria permitido até que o resultado crescesse. Nosso patamar de investimento em tecnologia, marketing, e pessoal ao redor da estratégia digital também tem uma pujança ano contra ano”, afirmou.
Ferreira disse que o BV tem se esforçado para se tornar cada vez mais um provedor de serviços bancários tradicionais, atraindo o cliente que busca crédito para o canal bancário. O banco encerrou o terceiro trimestre com 5 milhões de clientes pessoa física e, entre eles, 66% usam os serviços bancários. No mesmo período do ano passado eram 3,3 milhões e 45% deles usavam o serviço.
“Em resumo, essas duas estratégias, diversificação de carteira e migração de um banco transacional para um banco relacional, está gerando uma resiliência nos resultados da companhia mesmo no pior ano em termos de choque exógeno do principal negócio, que é financiamento de veículos”, afirmou.
Impulso
O mercado para financiamento a painéis solares ganhou impulso em janeiro quando entrou em vigor a Lei 14.300/2022, o marco legal da chamada geração distribuída. A lei prevê que os consumidores que tivessem microgeradores de energia até um ano depois da publicação da lei ficariam isentos até 2045 de pagar uma tarifa para as distribuidoras de energia em caso de haver energia excedente que seja distribuída na rede. O prazo vence em janeiro do ano que vem e provocou uma corrida para a instalação de painéis solares.
O BV já tinha uma parceria com o Portal Solar, empresa que reúne 20 mil instaladores de energia solar, e virou sócio da plataforma em 2019. Junto da empresa, o banco fundou a fintech Meu Financiamento Solar, que permite fazer uma simulação do custo de instalação e do financiamento. Em 2021, o banco assinou um acordo que permite ao BV assumir 100% do capital do Meu Financiamento Solar em um negócio de R$ 45 milhões.
“Quatro anos depois, a gente é líder de market share em financiamento de energia solar pessoa física no Brasil, na casa de 33%”, diz Ferreira.
Apesar de o prazo final definido pela lei estar se aproximando, o CEO do BV acredita que o negócio na área de painéis solares tende a continuar crescendo, por causa da geografia brasileira e a grande área que é exposta à ensolação. De acordo com ele, há 6 milhões de residências no Brasil com perfil para ter placa solar no telhado.
“Não tenho a menor dúvida de que esse mercado vai continuar crescendo muito. Óbvio, com modalidades diferentes no tempo. Não necessariamente só o consumidor residencial vai colocar placas. Vai ter outras modalidades no tempo. Mas é um mercado que vai crescer por muitos anos”, disse.
Segmento de veículos
Apesar de continuar apostando na estratégia de diversificação, o CEO do BV diz que vê alguns sinais de recuperação do mercado de financiamento para a compra de veículos. Entre o segundo e o terceiro trimestre, houve um crescimento de 1,4% na carteira de crédito no segmento – embora abaixo do nível do ano passado.
A expectativa é de que com a convergência da inflação para a meta do Banco Central, um mercado de trabalho mais estável e uma possível queda nos juros no ano que vem, o mercado de compra e venda de carros volte a aquecer, desde que o cenário internacional não se deteriore.
“A boa notícia é que parece que estar entrando numa trajetória de normalização, mas ainda é muito cedo para cravar isso”, disse Ferreira.
“À medida que a inflação converge, e isso permite que o Banco Central inicie um ciclo de redução da Selic, o valor da prestação média cai. Esse é o efeito que gera demanda. A prestação precisa caber na renda da família. À medida que tem juro menor e inflação mais baixa, sobra espaço para a aquisição de um bem durável como é um carro. A gente viu isso em ciclos anteriores.”
Sobre o mercado de crédito em si, Ferreira diz que também espera uma normalização no ano que vem, mas esse cenário ainda depende do desenrolar da economia e dos eventuais choques externos, com uma desaceleração da atividade econômica nos Estados Unidos e na Europa.
“É um momento de cautela. Tem uma base de endividamento muito alta na pessoa física. E uma trajetória de convergência de inflação e juros esperada, mas ainda não realizada. À medida que isso vá se cristalizando, os agentes do mercado vão ganhando mais confiança”, disse.
Negócio com o Bradesco
O executivo também comentou a parceria do BV com o Bradesco, anunciada no fim de agosto, para formar uma gestora de recursos independente. O negócio prevê a compra de 51% do capital da BV DTVM, que hoje é a responsável pela gestão de recursos e o negócio de private banking do banco.
Ferreira disse que o negócio espera a aprovação do Cade e do Banco Central. Ele disse ter a expectativa de que isso deve acontecer em algum momento na virada do ano, no quarto trimestre deste ano ou no primeiro trimestre do ano que vem.
O CEO do BV afirmou ainda que a expectativa é criar uma gestora de investimentos “full-house”, que trabalhe com fundos estruturados no ramo imobiliário, de crédito ou de energia, com fundos mais sofisticados. Além disso, o plano é que a empresa faça o trabalho de wealth management para altíssima renda.
Uma vez concretizado o negócio, o plano é que os negócios de gestão de fundos estruturados e de wealth management, e que hoje estão dentro do BV, passem a ser feitos diretamente por essa nova gestora.
“O banco vai continuar na sua trajetória de crédito e de banking, e vai ter os produtos de investimento que façam sentido para essa clientela. Mas não mais para essa clientela de altíssima renda, que vai estar sendo servida por essa nova companhia”, afirmou.
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