Amoêdo diz que falas de Lula não surpreendem e que fará oposição ao governo

Fundador do Novo, que teve filiação suspensa, afirma que o grupo ‘perdeu a identidade’ ao não se contrapor ao bolsonarismo, e que é prematuro falar sobre o novo governo

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Bloomberg Línea — Se por um lado investidores reagiram com venda de ativos e posições cautelosas às críticas recentes do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às regras fiscais do país e ao teto de gastos, por outro, João Amoêdo, fundador do Partido Novo, afirmou que não está nada surpreendido.

Amoêdo, que foi candidato à presidência em 2018, disse em entrevista à Bloomberg Línea que a postura de Lula “é óbvia”, uma vez que o Partido dos Trabalhadores sempre teve o “posicionamento ideológico de um Estado mais inchado e de benefício para determinados grupos”.

No entanto ele disse ainda ser prematura uma avaliação das falas do presidente eleito e afirmou ver com bons olhos alguns dos nomes indicados para a equipe de transição, como de Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real e economista respeitado no mercado financeiro e no setor privado.

Amôedo teve sua filiação suspensa do Novo em 27 de outubro após declarar publicamente voto em Lula no segundo turno das eleições. Agora, ele defende a avaliação de que o Brasil vive um cenário muito similar ao que ocorreu há quatro anos com a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Bolsonaro foi eleito para tirar o PT e cabia à sociedade e aos partidos políticos trabalhar para que uma alternativa que de fato fosse mudar o país fosse criada. Mas não conseguimos”, disse. Agora, em sua visão, o PT retorna ao poder como resultado dessa incapacidade e da rejeição de parte da sociedade ao bolsonarismo, a única alternativa “para que pudéssemos permanecer em um ambiente democrático”.

Amoêdo reforçou que, apesar do voto em Lula, ele se manterá como oposição ao governo eleito por divergências sobre “o que é preciso para melhorar o Brasil”.

Ele fez críticas ao partido que fundou, dizendo que “perdeu a identidade” e que o Novo errou ao não ter um posicionamento claro diante de seus apoiadores sobre o governo Bolsonaro. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editadas para fins de clareza:

Bloomberg Línea: As declarações recentes de Lula sobre responsabilidade fiscal e um aceno a mais gastos no novo governo geraram incertezas para o mercado. Como o senhor avalia os primeiros sinais depois da eleição?

João Amoêdo: É óbvio que, para mim, não é a grande surpresa. O PT sempre teve essa linha ideológica de um Estado mais inchado, de benefícios a certos grupos, de que o Estado vai resolver os problemas das pessoas e, ele crescendo, irá resolver esse problema. Assim como essas ideias de 30 ministérios que não fazem mais sentido. Portanto, a mim não me causa surpresa.

O que precisaremos ver é como tudo isso será implementado. Se ele [Lula] virá, na hora da escolha dos ministros, para uma linha mais racional, como fez em seu primeiro governo, ou se virá em uma linha ideológica, como foi no governo Dilma. Mas, de fato, ainda é cedo e tivemos algumas boas indicações - alguns nomes na economia, como Pérsio Arida - e outros nomes ruins, como o Guido Mantega. Então, é prematuro ter uma visão geral. Porém não é muito diferente do que já vimos.

Como o senhor se posiciona hoje em relação ao novo governo que está sendo formado?

Quando declarei meu voto no Lula, já me coloquei como oposição. Entendo que as ideias do PT e as práticas do PT são muito diferentes daquelas de que precisamos para melhorar o Brasil. Pretendo me colocar como oposição, mas ele precisa primeiro assumir para ver o que será feito.

Entendo que teremos novamente um cenário parecido com o que aconteceu com Bolsonaro. Ele foi eleito para tirar o PT e cabia à sociedade e aos partidos políticos trabalhar para que uma alternativa que de fato fosse mudar o país fosse criada. Mas não conseguimos fazer isso nestes quatro anos, e o resultado foi a volta do PT.

No meu entendimento, nós trouxemos o PT de volta para possibilitar que pudéssemos viver em um ambiente democrático e, então, novamente trabalhar para tornar viável lideranças que possam colocar o Brasil no rumo correto. Esse é nosso dever como sociedade e dos partidos políticos.

Como o senhor vê a direita no Brasil daqui para frente?

Teremos que ter uma ação da sociedade de maior engajamento na política e, no meu entender, dos partidos políticos, que perderam a identidade ao longo dos últimos anos, para que de fato possam ser um receptor para a formação de um grupo democrático que venha a lançar uma candidatura competitiva. Está claro que precisamos ter uma alternativa de centro-direita e isolar essa extrema direita que Bolsonaro acabou representando.

Não só haverá espaço para isso como é extremamente necessário. Porque o bolsonarismo, que é uma extrema direita, não entregou as soluções de que o Brasil precisa. E a ala mais à esquerda, o PT, já vimos nas gestões anteriores que, pelas concepções e a forma de governar, mostraram-se fracassadas. A construção de uma sociedade mais justa, próspera e com oportunidades para todos passa necessariamente por um solução de centro-direita, liberal.

A construção de uma sociedade mais justa, próspera e com oportunidades para todos passa necessariamente por um solução de centro-direita, liberal

João Amoêdo, fundador do Novo

O Novo elegeu apenas três deputados federais nestas eleições. Por que o partido perdeu tanto espaço?

Na minha avaliação, nos últimos tempos, especialmente ao longo dos últimos dois anos, o partido vem perdendo muito a identidade. O conceito inicial do Novo sempre foi de que nós separaríamos a gestão partidária dos mandatários, e isso traria, junto com a marca, uma ideia de valor, de princípio e de funcionamento muito clara e coerente. No meu entendimento, isso ficou ausente, porque o partido não teve um posicionamento claro em relação ao governo Bolsonaro.

Não ficou claro se o Novo era oposição ou se era uma linha auxiliar ao governo. Nessa indefinição, a marca do Novo sofreu. O partido consequentemente teve perda de filiados, de identidade, de engajamento e o resultado foi a perda de eleitores. Cabe ao partido fazer os ajustes necessários para que possa voltar a ter uma imagem. Até agora, no meu entendimento, não houve nenhuma sinalização nesse sentido.

Como o senhor vê o futuro do partido como oposição ao governo Lula?

Eu entendo que é preciso reconhecer que houve um erro de condução do partido por não ter se assumido definitivamente como oposição ao bolsonarismo. Agora, o Novo vai ter que recompor sua imagem. Contudo, se for apenas uma oposição ao PT, achando que o bolsonarismo tem suas qualidades, se sobrepondo aos princípios e valores da instituição, aí eu vislumbro um cenário muito ruim para o Novo.

O partido vai se tornar basicamente uma legenda sem vantagens competitivas, e temo que vire um “nanico”.

Depois da desfiliação do Novo, como enxerga a sua carreira na política daqui para frente e o que pretende fazer?

Quando eu entrei na política, na montagem do Novo, entendia que precisávamos fazer uma instituição com nossas lideranças para mudar a forma de se fazer política.

Sempre tive esse conceito e continuo com o mesmo desejo de fazer uma contribuição para sermos uma nação admirada com oportunidades de desenvolvimento. Se isso vai passar por um cargo político ou não, não sei dizer... vou ter que avaliar.

Nunca pensei em uma carreira política. Minha ideia sempre foi criar uma instituição para que outras pessoas pudessem participar, nunca acreditei que sozinho pudesse fazer algo e sigo com o mesmo raciocínio. A carreira política é uma consequência desse processo, não o fim.

--Atualizado às 13h30h corrigindo a informação de que Amoêdo não foi desfiliado, mas teve a filiação suspensa.

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