Como a Faria Lima vê as críticas de Lula à estabilidade fiscal

Disparada das bolsas americanas após dados de inflação melhores do que o esperado não foi suficiente para conter o mau humor do mercado local

Presidente eleito disse que combater a fome é sua prioridade neste novo governo, e criticou as regras fiscais do país
10 de Novembro, 2022 | 07:25 PM

Bloomberg Línea — Os investidores parecem cada vez mais preocupados à medida que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinaliza um aumento de gastos maior do que o já previsto a partir de 2023 para cumprir com suas promessas de campanha, sem aceno à responsabilidade fiscal.

No final da manhã desta quinta-feira (10), Lula visitou pela primeira vez o QG do governo de transição em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), e fez um discurso a parlamentares aliados que mexeu com os ânimos do mercado ao contrapor a responsabilidade fiscal com o programa social governo.

PUBLICIDADE

“Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento?”, questionou Lula.

É consenso entre os economistas e analistas ouvidos pela Bloomberg Línea que as falas não caíram bem.

Perto das 12h00, logo após as falas de Lula, o dólar (USDBRL) disparou para R$ 5,32, alta de 2,60% e, na mesma hora, o Ibovespa (IBOV), acentuou queda para 2,76%, a 110.407,00 pontos.

PUBLICIDADE

O mau humor se manteve ao longo do dia e se potencializou depois do anúncio do coordenador de transição e vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) sobre os novos integrantes que vão compor o grupo de transição do governo. O Ibovespa chegou a cair 4,46%, enquanto o dólar disparou para 4,3%, aos R$ 5,40.

No fim do dia, o índice fechou o preção com queda de 3,35%, aos 109.775,46 pontos. Na semana, o Ibovespa acumula queda de 7,09%. Já o dólar comercial encerrou a sessão de hoje com alta de 4,1%, cotado a R$ 5,39.

Nem o bom humor das bolsas americanas, depois dos dados de inflação americana que foram divulgados pela manhã e que surpreenderam positivamente, conteve a aversão dos investidores no Brasil.

PUBLICIDADE

Ricardo Martins, economista-chefe da Planner Corretora, diz que a demora em comunicar quem vai ser o “piloto”, ou seja, ministro da Fazenda e quem vai “pagar a conta”, estressa mais ainda à medida que “o ambiente se transforma basicamente em força politica, risco de gastos permanentes e sem carimbo”.

“Sem defender um arcabouço de âncora fiscal, o cenário fica nublado, se perde, o mercado se defende, ou seja, procura o dólar, e minimiza ativos de risco nas carteiras. Consequentemente, vai pedir mais prêmio nos juros”, afirma Martins.

Caio Megale, economista-chefe da XP (XP) diz que imprevisibilidade é o que mais preocupa neste momento. “Foram surgindo outros temas além dessa urgência da manutenção do teto para se aproveitar da PEC e já aumentar outros gastos, ou seja, está indo na direção muito maior do que se esperava”.

PUBLICIDADE

Megale vê as falas do presidente eleito focadas apenas no tema dos gastos, que são de fato relevantes, mas precisam ser discutidos dentro do tamanho do orçamento e da capacidade de orçamento do governo.

Para Glauco Legat, economista e head de investimentos na TRAAD Wiser Investor, as falas de Lula acabaram remetendo o mercado ao segundo mandato do petista e também aos governos Dilma que perderam a âncora fiscal. Com isso, a postura do discurso de hoje causou certo estresse nos investidores.

Legat avalia que o mercado esperava uma sinalização mais parecida ao que Lula fez em seu primeiro mandato que, segundo ele, em termos fiscais foi o melhor. “Do lado positivo, se os preços caíram hoje de maneira acentuada devido à maior apreensão, podemos fazer uma leitura de acomodação de expectativas mais pra frente”, diz.

Já para Rodrigo Natali, estrategista-chefe da Inv, o que foi dito hoje pelo presidente eleito não é exatamente uma novidade. Ele discorda da visão de que a reação do mercado de hoje se deve às falas de Lula. “O mercado tentou vender uma narrativa positiva das coisas e não conseguiu sustentar isso. Agora, precisa lidar com a realidade de que esse governo não é um governo para o mercado. O que não é um problema”, diz.

“O mercado entendeu o peso e o efeito disso [governo Lula] e resolveu colocar isso no preço de forma desordenada”, afirma Natali. “Acredito que o mercado viveu hoje um momento técnico, com todo mundo querendo sair da posição ao mesmo tempo. Quem vai ter que mudar aqui é o mercado, e não o governo”, diz.

Leia também

Índice de preços ao consumidor volta a subir após 3 meses de deflação

Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.