Brasil é um mercado-chave na estratégia cripto da Mastercard, diz executivo

Em entrevista à Bloomberg Línea, VP de serviços financeiros da empresa falou sobre o Crypto Source, que será lançado no país em dezembro

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Bloomberg Línea — Com um investimento global “significativo” no setor de criptomoedas, a Mastercard (MA) vê o Brasil como um mercado fundamental para testar e expandir as recentes iniciativas da gigante global de pagamentos.

A população adepta à adoção de novas tecnologias e o espaço para inovação, marcado pelo crescimento de startups no segmento, estão entre as principais justificativas, segundo Jonathan Anastasia, vice-presidente executivo de serviços financeiros da Mastercard.

A Bloomberg Línea conversou com o executivo, que é americano, durante sua passagem em São Paulo, na qual, além de se encontrar com possíveis parceiros para o projeto Crypto Source, ele também aproveitou para entrevistar candidatos para compor a área de cripto da companhia no país.

Em dezembro, a Mastercard vai lançar um serviço de compra e venda de ativos digitais por meio de contas bancárias, chamado Crypto Source, que deve permitir que milhares de instituições financeiras ofereçam negociações em criptomoedas pela primeira vez.

O programa piloto será lançado inicialmente em três países – e o Brasil está entre eles. A gigante de pagamentos ainda está conversando com bancos no país para encontrar o melhor parceiro para o projeto e a expectativa é de que entre em operação no primeiro trimestre de 2023.

“É um ecossistema tão vibrante e grande parte da população [no Brasil] já está participando do ambiente cripto de alguma forma”, disse Anastasia, citando dados da pesquisa “New Payments Index 2022″, da Mastercard.

De acordo com o levantamento, 86% dos brasileiros gostariam de ter funções relacionadas a criptomoedas disponíveis diretamente de sua instituição financeira atual, enquanto 72% disseram preferir fazer pagamentos com moedas digitais se forem apoiadas por uma organização considerada confiável.

Ambiente desafiador para criptos

Desde o começo do ano, o mercado de criptomoedas está sob pressão, com forte queda nos preços levando ao colapso de projetos, como o Terra (LUNA), bem como à falência de credores e exchanges.

A crise de liquidez da exchange FTX, de Sam Bankman-Fried, também mexeu com o mercado.

O movimento fez com que as criptomoedas despencassem de valor. O Bitcoin (BTC), que é a maior cripto em valor de mercado, era negociado abaixo dos US$ 17 mil na quarta-feira (9), no menor patamar em dois anos, após ficar estacionado na casa dos US$ 20 mil nos últimos meses.

Na noite de quinta (9), a Binance afirmou que não seguirá com a compra da exchange. “Nossa esperança era poder apoiar os clientes da FTX para fornecer liquidez, mas os problemas estão além de nosso controle ou capacidade de ajudar”, disse a Binance, em comunicado.

Para Anastasia, contudo, a volatilidade dos preços das criptomoedas faz parte do jogo e é comum a todas as classes de ativos. Segundo ele, o mais importante são os investimentos que têm sido feitos na tecnologia durante o período de baixa do mercado, com a indústria se preparando para o próximo grande “boom”.

Confira, a seguir, os principais destaques da entrevista, feita presencialmente em São Paulo.

Bloomberg Línea: Qual a ideia por trás do projeto Crypo Source?

Jonathan Anastasia: Instituições financeiras, fintechs e outros players estão vendo saídas de seus clientes rumo a exchanges de criptomoedas. De forma geral, as pessoas têm recebido o salário e depositado em lugares nos quais podem comprar, vender e manter criptomoedas – e os bancos sabem disso, porque, na prática, é um dinheiro que vai embora.

O problema é que há o medo do desconhecido e do risco associado a isso. Então o Crypto Source é a ideia de que instituições que queiram atuar nesse espaço, possam o fazer de forma segura.

Não estamos envolvidos necessariamente no fluxo de fundos. O banco ainda tem todas suas obrigações como instituição financeira, como todas as obrigações de compliance enquanto a Paxos vai tomar conta da custódia, das negociações e a Mastercard, de fornecer uma base segura para as transações.

As pessoas querem participar de algo que seja seguro e regulado. Se conseguirmos fazer isso, oferecer esse canal, a comunidade vai crescer.

Por que o Brasil está entre os primeiros países para o teste da nova funcionalidade?

É um ecossistema tão vibrante e uma grande parte da população [no Brasil] já está participando do ambiente cripto de alguma forma. Em uma pesquisa que fizemos neste ano, 86% das pessoas disseram estar engajadas com as criptos de alguma forma, enquanto 47% disseram já terem feito alguma transação cripto.

Temos que pensar também o que o Brasil representa, em meio a todos os avanços e inovações que acontecem por aqui. O que o Mercado Livre – que é um dos nossos parceiros – tem feito nesse espaço, por exemplo, bem como o Nubank e outras startups inovadoras é fenomenal.

[O Brasil] é um mercado excepcional para fazer essas coisas e para ganhar feedback dos consumidores. O Brasil não é tímido em dizer quando algo está não está certo – o que é ótimo, porque não sabemos tudo sobre o universo cripto e queremos parceiros que nos guiem e nos ajudem a desenvolver as iniciativas.

A entrada da Mastercard no mundo cripto está indo à frente de uma tendência ou seguindo uma demanda que já existe?

Focar na segurança e na proteção das transações, como estamos fazendo com a Crypto Secure e Cypto Source, é uma abordagem assimétrica em relação aos nossos concorrentes nesse setor.

Muitos dos nossos concorrentes nessa área falam sobre a disponibilidade das criptos – o que nós também falamos – ou seja, sobre como facilitar e crescer no setor. Mas o nosso foco recai sobre segurança, proteção, regulação e compliance – e esse é o nosso diferencial.

Qual o tamanho do investimento da Mastercard hoje em cripto?

Contratamos muitas pessoas. Meu time sozinho soma umas 250 pessoas (atuando em serviços de cripto, soluções para crimes financeiros, regulação, risco e compliance). Em empréstimo de criptos, estou contratando 50 engenheiros e meus colegas engenheiros também estão contratando diversas pessoas. Estamos fazendo um investimento significativo.

Na nossa abordagem, focada na segurança, precisamos tratar as criptos da mesma forma que tratamos os negócios de cartões e outras formas de pagamento que precisam ser desenvolvidas e seguras.

Os grandes bancos são tradicionalmente mais conservadores com relação aos ativos digitais. Isso está mudando? Como vê o setor daqui para frente?

Boa pergunta. O perfil de risco das instituições financeiras é difícil de mudar rapidamente. Mas há um ano, quando estava começando um roadshow sobre CipherTrace, fui a diversas instituições financeiras e elas não sabiam nada sobre o universo cripto, nem estavam muito interessadas.

Seis meses atrás isso mudou completamente. Sinto que várias instituições agora percebem que seus consumidores querem isso. Com as pessoas saindo do ecossistema, tirando seus recursos para investir em outro lugar, isso passa a virar um ponto de atenção. O dinheiro fala.

Desde que as instituições perceberam isso, o cenário mudou. Agora estamos engajando pessoas que estão mergulhadas em ativos digitais, em cripto e blockchain. O desafio agora, contudo, é explicar para os líderes dessas instituições como eles devem se engajar corretamente – e aí voltamos para a parte de de-risking, por meio de educação e treinamento. Isso é fundamental.

Quais as principais barreiras ao falar sobre cripto com instituições financeiras mais tradicionais?

Regulação é algo sempre complicado em todo lugar que vamos. Por focarmos em compliance e requisitos Conheça Seu Cliente (KYC) e Combate à Lavagem de Dinheiro (AML), as pessoas entendem que é uma forma de reduzir o risco.

Mas ainda tem muita gente que não acredita no ecossistema. Isso é um desafio. Algumas pessoas acham que é um esquema de pirâmide ou um grande hack. Se olharmos para a tecnologia por trás disso, contudo, a tecnologia da blockchain é uma solução escalável e com inúmeras utilidades – então precisa de um debate maior sobre sobre como construir nela e ajudar a desenvolvê-la.

Como vê a queda dos mercados que tem levado desde o começo do ano a fortes baixas para o mercado de criptomoedas?

Isso acontece em qualquer mercado e classe de ativos. Se olhar para 2008, para a bolha do ponto-com e para a inflação de 1974 nos EUA, em todas essas situações houve perda de patrimônio. Mas, nas quedas, as pessoas também aproveitam para se preparar para o futuro.

Isso é positivo, porque há muito dinheiro sendo investido na tecnologia para o próximo boom. Embora seja um bear market em termos de preços, a tecnologia é excelente. Os preços vão subir e descer, mas que você quer estar envolvido no ecossistema, em cripto, de alguma forma.

Com os bancos trabalhando em moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDC), as criptos não vão embora, elas vão ser mais um veículo. E, com diferentes tecnologias sendo construídas, vemos as utilidades das moedas em um crescimento contínuo.

Você sente que as empresas e investidores já entendem hoje que a volatilidade faz parte do investimento em criptomoedas?

Acho que sim. Falamos com diferentes startups e players recentemente e eles estão animados com as diversas possibilidades da tecnologia. É a ideia de que o preço cai, mas que o foco está em construir algo para o futuro.

Algumas pessoas compraram mais do que deveriam, do que seus perfis de risco, e cometeram erros, mas em qualquer ambiente novo isso vai acontecer. O bear market vai continuar acontecendo, vamos ver “crashes” e volatilidade, mas se quer jogar nesse ambiente, é importante saber se o seu parceiro vai estar aqui amanhã – e a Mastercard vai.

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