Bloomberg Línea — Maior acesso da população à água potável, ao tratamento de esgoto e a melhores condições de moradia. Essa fórmula do desenvolvimento social de um país afeta as perspectivas de crescimento de um segmento da indústria química voltado para fornecer produtos, como cloro, soda e PVC. Quanto mais obras de habitação, de infraestrutura de saneamento, maior é o potencial de crescimento de receitas das empresas desse ramo, um dos frequentes alvos dos ambientalistas no meio industrial por seus riscos como fonte poluidora.
Na América do Sul, um dos destaques do setor é a paulista Unipar (UNIP6), líder na produção de cloro e soda e uma das maiores produtoras de PVC na região, que tem planos de dobrar de tamanho no prazo de dez anos. Em meados de outubro, a empresa disse em comunicado à CVM que estuda potencial aquisição de ativos da Braskem, depois de notícias publicadas na imprensa sobre a negociação. De acordo com a Bloomberg News, a gestora Apollo Global também estaria entre os potenciais compradores da petroquímica que hoje é controlada pela Novonor (ex-Odebrecht) e pela Petrobras.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO da Unipar, Mauricio Russomanno, fala das estratégias para atingir o objetivo de dobrar de tamanho em 10 anos. Como é uma indústria eletrointensiva, uma das preocupações é garantir o fornecimento de energia para suas operações, sem comprometer suas metas de ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança), como a de avançar na descarbonização. Por isso, a companhia toca três projetos de produção de energia renovável, sendo dois parques eólicos e um solar.
“Como somos grandes consumidores de eletricidade, temos de ter a garantia do insumo, não ficar à mercê do regime de chuvas. Os parques eólicos e solar nos dão essa previsibilidade melhor dos custos com energia e trazem ainda benefícios econômicos e fiscais, além de gerar emprego e renda para famílias e comunidades de seus municípios”, aponta o executivo.
Até o fim deste ano, a companha espera ver pronto o parque eólico na Bahia. Em 2023, a planta de energia solar deve ser inaugurada em Minas Gerais, enquanto a sua segunda unidade de energia eólica deve começar a funcionar no Rio Grande do Norte no final do segundo semestre do ano que vem.
Hidrogênio verde
Expert em eletrólise para produção de hidrogênio cinza (obtido a partir da queima de combustíveis fósseis, principalmente o gás natural), a Unipar também aposta no hidrogênio verde para melhorar sua matriz energética e reduzir sua pegada de carbono.
“Até 2024, a ideia é produzir o hidrogênio verde para nosso consumo próprio, mas poderemos comercializar para outras empresas também. Isso faz parte dos projetos em estudo”, disse o CEO da Unipar.
Ele afirmou ainda que a ambição da companhia é se internacionalizar para outras geografias além do Brasil e Argentina, a fim de dobrar de tamanho em 10 anos.
“Nos últimos quatro anos, já dobramos de tamanho. Éramos uma empresa de R$ 3,5 bilhões e terminamos o ano passado sendo uma empresa de quase R$ 7 bilhões, de R$ 6,8 bilhões. Buscamos um crescimento sustentável com metas bem definidas de sustentabilidade”, afirmou Russomanno.
Projetos de expansão de capacidade, diversificação de portfólio de produtos e aquisições são apontados pelo CEO como os caminhos para alcançar esses objetivos. Em 2021, a companhia já anunciou a ampliação em 15% da capacidade da fábrica de Santo André, na Grande São Paulo, e uma nova unidade em Camaçari, na Bahia. “Estamos estudando outras fábricas de soda e cloro em outros lugares do mundo”, disse o executivo.
Fornecedores
Já as metas de sustentabilidade divulgadas pela companhia apontam para uma redução de 10% na emissão de CO² até 2025 e a migração de 60% do consumo de energia para fontes renováveis até 2030, quando 65% dos produtos da Unipar devem ser fabricados a partir de energia limpa.
“Até 2030, vamos produzir ácido clorídrico, nosso produto importante, com hidrogênio verde”, destacou Russomanno.
Segundo ele, a cadeia de fornecedores da Unipar também foi envolvida nesses planos, com a companhia estabelecendo um prazo de até 2030 para que eles sigam critérios de sustentabilidade.
“Nesses esforços de gerar impacto para o desenvolvimento humano, queremos engajar e mobilizar todo o nosso ecossistema de relacionamentos, clientes, comunidades do entorno de nossas fábricas, fornecedores e investidores e instituições. São mais de 30 projetos em curso e outros em estudo, com um capex [investimentos] de R$ 1,4 bilhão até 2030, podendo superar esse valor”, afirmou o CEO.
Eleição
Questionado se a mudança no governo federal, após o segundo turno, poderia afetar os projetos e estratégia de crescimento, o CEO descartou esse risco.
“Somos uma empresa de 50 anos. Já passamos por todos os ciclos. Continuaremos com os mesmos objetivos. A mudança de governo não seria um motivo para alterar nossos planos”, disse.
Ele lembra que o cloro e o PVC usado em tubos e conexões são insumos importantes para tratamento de água e esgoto, e a demanda por esses produtos acompanha o dinamismo do setor de infraestrutura, principalmente do saneamento básico.
“Nossos produtos, como o cloro, a soda cáustica e o PVC, estão na vida das pessoas, são essenciais para quem cozinha, toma banho, cuida de pessoas nos hospitais”, observou o executivo.
Impacto dos juros elevados
A alta dos juros, que prejudicou o setor da construção civil, afetou os preços do PVC. “A situação da construção civil é mais delicada. Com os juros maiores, houve uma desaceleração de obras, de lançamentos. Isso teve uma repercussão nos volumes do produtos e nos preços internacionais. No segundo trimestre do ano passado, o preço do PVC chegou ao pico, mas tem caído desde então por causa da desaceleração da indústria da construção civil”, revela.
Já a soda cáustica está em um movimento oposto, com a elevação dos preços desde a pandemia da covid-19, continuando nesse ritmo com a guerra entre Rússia e Ucrânia, que elevou os preços da energia na Europa. “Nosso processo é eletrointensivo, ou seja, há uma correlação entre pressão dos custos e os preços, que estão em nível elevado comparado com os últimos anos”, analisou.
O CEO destacou ainda o plano da companhia de desenvolver outros produtos a partir do cloro, a fim de entrar em novos segmentos, como fez em 2016, quando a companhia concluiu a aquisição dos ativos de PVC da Solvay Indupa no Brasil e na Argentina.
“Estamos olhando empresas químicas e industriais para ver se faz sentido fazer aquisições”, afirmou, sem fornecer detalhes de sua estratégia de M&A. Em comunicado ao mercado nos dias 14 e 24 de outubro, a companhia admitiu interesse em adquirir os ativos da Braskem em São Paulo, mas destacou que não há nada assinado.
As ações da Unipar acumulam alta de 24,20% em 2022, enquanto o Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro, registra uma valorização de 13,70% neste ano até a última sexta-feira (4).
No segundo trimestre, a companhia registrou aumento de 118% no lucro líquido em 12 meses, ultrapassando R$ 539 milhões. A receita líquida cresceu 72,3% na base anual, superando R$ 2 bilhões, enquanto a geração de caixa medida pelo EBITDA atingiu R$ 861 milhões no trimestre, número 102,2% maior na comparação com o mesmo período do ano passado.
O balanço do terceiro trimestre está previsto para ser divulgado no próximo dia 10 de novembro, após o fechamento dos mercados.
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