Bloqueio nas estradas: investidores e empresas avaliam impacto de protestos

Setores de indústria e logística condenam as manifestações que prejudicam a mobilidade e alertam para efeitos negativos na atividade econômica

Com o bloqueio das rodovias, há o risco de desabastecimento de produtos de primeira necessidade, como combustíveis, alertam entidades
01 de Novembro, 2022 | 10:20 AM

Bloomberg Línea — Os bloqueios de rodovias realizados por grupos de manifestantes, em protesto à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último domingo (30), acendem sinais de alerta sobre o impacto em setores como logística, agronegócio, indústria e supermercados.

Entidades representativas desses segmentos se manifestaram publicamente contra os atos promovidos por apoiadores do presidente Jair Bosonaro (PL), insatisfeitos com a derrota no pleito.

O mercado financeiro acompanha a evolução do movimento dos caminhoneiros e as turbulências decorrentes de uma contestação informal de parte da categoria ao resultado das urnas.

“O risco de protestos dos apoiadores de Bolsonaro também aumenta - e já estamos vendo isso com alguns bloqueios de estradas por caminhoneiros. Embora acreditemos que haverá uma transferência democrática no final, há riscos de turbulência no curto prazo”, disse Thomas Haugaard, gerente de portfólio de mercados emergentes na Janus Henderson Investors.

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Com o dólar em queda e o Ibovespa em alta, o impasse das interrupções nas rodovias ainda não teve impacto direto nos ativos brasileiros.

“Por enquanto o mercado ainda não deu muita importância, digerindo ainda a eleição numa esperança de acabar assim que Bolsonaro fizer um discurso aceitando a vitória de Lula. Mas, se as paralisações se estenderem e forem bem organizadas, acredito que vai fazer preço negativamente na bolsa”, analisou, em nota, Marcelo Oliveira, co-fundador da Quantzed, empresa de tecnologia e educação financeira para investidores.

O setor de comércio exterior também monitora a situação das estradas, já que os bloqueios podem afetar a programação de embarques de produtos.

O Brasil é muito dependente da sua malha rodoviária e, por este motivo, o problema é ainda mais grave, avalia Fábio Pizzamiglio, diretor da Efficienza, empresa especializada em comércio exterior.

“Com os bloqueios, o fluxo normal de caminhões é interrompido. As cargas que deveriam chegar aos seus destinos deixam de ser entregues. É um problema em cadeia, que impacta diretamente o consumidor final. Com o desabastecimento dos produtos no mercado, a tendência é de que os preços comecem a subir”, explica o executivo.

Os bloqueios foram registrados em importantes estados exportadores brasileiros, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Goiás. Em alguns locais, pneus chegaram a ser queimados pelos manifestantes para bloquear as vias.

A legalidade dos protestos virou assunto da corte máxima do Judiciário brasileiro. A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou, durante a madrugada, e confirmou decisão proferida na noite de ontem (31), pelo ministro Alexandre de Moraes, determinando a liberação de rodovias federais bloqueadas.

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Moraes ordenou à PRF (Polícia Rodoviária Federal) e às polícias militares estaduais que “tomem todas as medidas necessárias e suficientes” para a “imediata desobstrução de todas as vias públicas que, ilicitamente, estejam com seu trânsito interrompido”, informou a Agência Brasil. Ele atendeu a pedido da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que alegou inclusive risco de desabastecimento em algumas cadeias industriais.

A BBM Logística, um dos maiores operadores logísticos do modal rodoviário do Mercosul, confirmou o risco de desabastecimento. Desde o domingo, a companhia acompanha a mobilização dos manifestantes por meio do seu sistema de monitoramento e gestão de risco das estradas do país. Os cinco estados mais afetados são Santa Catarina (68 pontos de bloqueio), Rio Grande do Sul (36), São Paulo (34), Rio de Janeiro (23) e Mato Grosso (20 pontos), informou a BBM, em nota.

“Ainda é difícil termos um mapeamento do nível de comprometimento por setores e destinos e para falarmos em desabastecimento. Porém, estamos entrando em um período crítico. Se a liberação das estradas não acontecer ainda hoje, a situação deve se agravar, principalmente nos destinatários que estão com níveis baixos de estoque”, avaliou André Prado, CEO da BBM Logística, que também é vice-presidente de Operadores e Serviços Logísticos da Abralog (Associação Brasileira de Logística).

Confira trechos de notas oficiais divulgadas pelas entidades sobre os bloqueios:

Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear)

“Caso o cenário atual se mantenha, ao longo do feriado o setor poderá sofrer com desabastecimento de combustível. O transporte aéreo também pode ser impactado pela dificuldade de chegada de profissionais, tripulantes e passageiros aos aeroportos, inviabilizando a operação e prejudicando, ainda, atividades essenciais como o transporte gratuito de órgãos para transplantes e o envio de cargas.”

“A associação se coloca à disposição das autoridades para auxiliar nas medidas necessárias para minimizar eventuais transtornos. Aos passageiros, a Abear recomenda fortemente que busquem se deslocar com antecedência e atentem para a situação das vias de acesso aos aeroportos.”

Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim)

“Empresas de diversos segmentos de produção, como gases medicinais, insumos industriais, fertilizantes e outros, veem a situação com muita preocupação. Especificamente no setor de saúde, as manifestações estão colocando em risco o transporte de Oxigênio Líquido Medicinal, destinado a clínicas e hospitais, locais nos quais é utilizado para a manutenção e preservação da vida de pacientes em UTI’s ou CTI’s em estado crítico, ou que estejam sofrendo de crise respiratória.”

“Faz-se necessária a urgente liberação da circulação sem bloqueios no país para que tanto o oxigênio quanto os demais produtos essenciais à vida do brasileiro sigam chegando ao seu destino”.

Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística

“Como entidade nacional que congrega as empresas de transporte rodoviário de cargas, não apoiamos o movimento de caminhoneiros autônomos de paralisação e bloqueio de rodovias em diversos estados do país. Manifestamos-se veementemente contra movimento grevista, de natureza política, que fere o direito de ir e vir de todos os cidadãos, criando obstáculos à circulação de veículos que prestam serviços essenciais ao abastecimento da população, em especial de gêneros de primeira necessidade, como medicamentos e alimentos.”

“Espera-se que prevaleça o bom senso e o interesse maior de todo o povo brasileiro e de todos os agentes econômicos e produtivos, a imediata da normalidade das atividades econômicas, a livre circulação de pessoas e bens fundamental ao desenvolvimento do país.”

Confederação Nacional do Transporte (CNT)

“Como entidade de representação das empresas de transporte no Brasil, acompanhamos as paralisações em algumas rodovias do país e se posiciona contrariamente a esse tipo de intervenção. A entidade respeita o direito de manifestação de todo cidadão, entretanto defende que ele seja exercido sem prejudicar o direito de ir e vir das pessoas.”

Além de transtornos econômicos, paralisações geram dificuldades para locomoção de pessoas, inclusive enfermas, além de dificultar o acesso do transporte de produtos de primeira necessidade da população, como alimentos, medicamentos e combustíveis. A CNT tem convicção de que as autoridades garantirão a circulação de pessoas e de bens por todo o país com segurança, entendendo que qualquer tipo de bloqueio não contribui para as atividades do setor transportador e, consequentemente, para o desenvolvimento do Brasil.”

Associação Brasileira de Supermercados (Abras)

“O presidente da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), João Galassi, pediu apoio ao presidente Jair Bolsonaro a respeito das dificuldades de abastecimento que já começam a enfrentar os supermercadistas em função da paralisação dos caminhoneiros nas estradas do país.”

-- Reportagem atualizada às 16h57.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.