Bloomberg Línea — Eleito pela terceira vez presidente do Brasil com 50,90% dos votos válidos no segundo turno neste domingo (30), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá um Brasil com um programa de governo que já foi anunciado em algumas áreas, mas que em outras ainda tem incertezas.
No primeiro caso está a proposta para o meio-ambiente, que será uma das prioridades e com a qual o governo pretende trabalhar com países desenvolvidos. É uma política oposta à atual do governo de Jair Bolsonaro, que considera o interesse estrangeiro uma intromissão e que alega que a proteção do meio ambiente não pode restringir o desenvolvimento do agronegócio.
Mas é no campo da economia que residem as principais incertezas. Apesar da cobrança do adversário, o presidente Bolsonaro, na campanha e de parte dos investidores, Lula não quis antecipar nomes de sua equipe econômica. Preferiu dizer que entregou superávits primários em seus dois mandatos entre 2003 e 2010 e que vai buscar aliar responsabilidade fiscal com a social, com a redução da desigualdade.
O ex-presidente terá que enfrentar um ambiente de inflação em desaceleração, mas ainda acima da meta na taxa em 12 meses, e de juros elevados, atualmente na casa de 13,75% ao ano. Para 2023, o mercado projeta inflação perto de 5%, acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central, de 4,75%.
Economistas esperam que o próximo governo tenha um cenário desafiador na gestão das contas públicas, em razão de uma equação que reúne arrecadação estacionada ou até em queda com a desaceleração da economia e aumento de despesas na casa de dezenas de bilhões de reais - para acomodar o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um possível reajuste do funcionalismo depois de anos.
Oficialmente, o plano de governo de Lula foi apresentado como um “programa de reconstrução e transformação do Brasil”, em proposta protocolada junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O documento destaca como primeiro compromisso do novo governo a “restauração das condições de vida da imensa maioria da população brasileira”. Para tal, propõe políticas que atendam famílias atingidas pela crise econômica e pelo aumento da fome. Entre os desafios de Lula estará compor uma base de apoio com um Congresso com mais aliados de Jair Bolsonaro (PL) e favoráveis a pautas de centro-direita.
Veja o que esperar do governo em 5 áreas-chave:
1. Economia
Entre as principais propostas do governo Lula para a economia estão conter a inflação, realizar uma reforma tributária, revogar o teto de gastos e revisar o atual regime fiscal brasileiro.
Para isso, o documento propõe “a retomada dos investimentos em infraestrutura e em habitação, a reindustrialização nacional em novas bases tecnológicas e ambientais; a reforma agrária e o estímulo à economia solidária, à economia criativa e à economia verde inclusiva, baseada na conservação, na restauração e no uso sustentável da nossa biodiversidade”, além de reforma tributária para que os pobres paguem menos e os ricos sejam mais taxados.
Há menção também sobre a atual legislação trabalhista, e a pretensão de se rever os pontos aprovados na última reforma. “Deve estender o apoio ao cooperativismo, ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas”, diz o programa.
2. Educação
Em seu plano de governo, Lula defendeu recuperar o investimento em educação, da básica ao ensino superior, para “minar a defasagem causada pela pandemia”. Há também a pretensão de conceder mais bolsas científicas para graduação e pós-graduação e dar continuidade à política de cotas.
Além disso, em discurso, Lula afirmou que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) “vai voltar com força”. Ele também fez sinalizações a um impulso no ProUni, o Programa Universidade Para Todos, que facilita o acesso de pessoas de baixa renda ao Ensino Superior.
3. Meio ambiente
O plano de governo da chapa Lula-Alckmin aponta para o combate do uso considerado “predatório” dos recursos naturais e o estímulo de atividades econômicas com menor impacto ecológico. Para tal, o documento afirma que será necessário recuperar as capacidades estatais, o planejamento e a participação social fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai.
O plano também cita o aumento da competitividade brasileira entre as prioridades do novo governo, que cita “medidas efetivas” em áreas que vão de desburocratização e de redução do custo do capital à pesquisa científica e tecnológica, defesa do meio ambiente e aproveitamento industrial e comercial de “nossos diferenciais competitivos como, por exemplo, a biodiversidade da Amazônia”.
Segundo a Bloomberg News, Lula deve indicar um secretário especial para o clima para ajudar a reconstruir a imagem do Brasil no exterior sobre questões ambientais, de acordo com pessoas que trabalham em sua campanha.
A pessoa teria uma posição semelhante à de John Kerry, nos Estados Unidos, que pode estabelecer metas mais ousadas para o Brasil ao negociar com os Estados Unidos e Europa.
4. Política externa
No que diz respeito à política externa, o plano de governo cita que a defesa da soberania nacional “exige recuperar a política externa ativa e altiva que nos alçou à condição de protagonista global”; e defende a reconstrução da cooperação internacional Sul-Sul com América Latina e África, além da ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais.
“Fortalecer novamente o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics”, diz o documento.
Há também a intenção de retomar e ampliar as políticas públicas para a população brasileira no exterior a partir de acordos bilaterais, e da integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe como formas de manter a segurança regional e de promover o desenvolvimento da região.
5. Papel do Estado
Em comícios durante a campanha, Lula chegou a dizer que privatizar a Petrobras (PETR3; PETR4) seria “uma estupidez” e que ainda não era possível dizer se as privatizações seriam revistas. De fato, seu plano de governo se opõe fortemente à privatização da Petrobras e dos Correios.
“Será necessário proteger o patrimônio do país e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram [...] seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social, produtivo e ambiental do país”, diz o plano de governo.
O documento cita também o fortalecimento dos bancos públicos, como Banco do Brasil (BBAS3), Caixa Econômica Federal, Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Banco do Nordeste, Banco da Amazônia (BASA) e a FINEP, Financiadora de Estudos e Projetos. Há ainda a expectativa de que Lula retome os investimentos do BNDES após a redução de orçamento na gestão Bolsonaro.
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