Lula foi eleito, mas os desafios começam agora

Lula está de volta, mas as dificuldades, desde um Brasil profundamente dividido ao tenso regime fiscal, não devem ser subestimadas

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Bloomberg Opinion — “Tentaram me enterrar vivo, mas estou aqui.”

Em seu discurso após o segundo turno deste domingo (30), o ex-presidente Lula, agora prestes a entrar para seu terceiro mandado, estava com a voz mais rouca que o normal. Foi uma campanha cansativa, sombria e por vezes violenta, mas suas palavras foram certeiras, calmas, gratas e pregavam o progresso econômico e a reconciliação. Ele prometeu governar para todos os brasileiros. “A ninguém interessa viver num país dividido e em permanente estado de guerra”, disse.

O presidente Jair Bolsonaro, primeiro a perder uma corrida pela reeleição desde que a prática se tornou constitucional em 1997, não se pronunciou. Às 22h de Brasília, as luzes do Palácio do Planalto se apagaram.

Após meses de esforços da campanha de Bolsonaro, além de tumultos de última hora como as alegações sobre as inserções de rádio e as blitze da Polícia Rodoviária Federal no domingo, o resultado foi um alívio. Assim como a rapidez com que os aliados de Bolsonaro, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, se pronunciaram de forma a aceitar o resultado, além de líderes internacionais, como o presidente Joe Biden, que parabenizaram Lula – reduzindo o espaço para contestações por parte do presidente.

Mas não se enganem. A vitória de Lula sobre Bolsonaro foi a mais acirrada da história brasileira moderna – menos de dois pontos percentuais – e o mapa eleitoral revela um país profundamente dividido entre um Nordeste pró-Lula e um Sudeste pró-Bolsonaro.

São diferenças ideológicas, raciais, religiosas e sociais. Lula perdeu em estados populosos, como São Paulo, e de 26 estados e o Distrito Federal, ele liderou em apenas 13. A rejeição do líder de esquerda segue forte, resultado das investigações de corrupção em seu governo. Enquanto muitos comemoravam nas ruas no domingo, metade do país estava descontente.

No entanto, como a posse ocorre apenas no dia 1º de janeiro de 2023, ainda há muito tempo para contratempos.

Contra esse pano de fundo, o ato de equilíbrio para Lula não é nada invejável, sendo mais desafiador do que quando foi eleito pela primeira vez, há duas décadas. Tendo crescido em meio à pobreza, na época ele surfou na onda do aumento dos preços das commodities para melhorar drasticamente a vida dos brasileiros mais pobres, reduzindo a pobreza extrema e a desigualdade com um programa inovador de transferência de renda. Ele prometeu repetir a façanha, ao mesmo tempo em que recupera a economia e enfrenta os danos causados ao meio ambiente.

Mas não estamos no início dos anos 2000. Não há boom de commodities, a estratégia covid zero da China está afetando o preço do aço e do minério de ferro. Na verdade, o mundo está caminhando para uma recessão, e as receitas do governo serão menores em 2023.

Há muito em jogo.

A impressionante habilidade política e o carisma de Lula lhe permitiram construir uma coalizão ampla o suficiente para assegurar um triunfo eleitoral contra a máquina de Bolsonaro – mas ele terá que construir muito mais relações agora.

Na verdade, as eleições deste domingo constataram quem era menos odiado, não quem era o favorito. Não foi uma aprovação esmagadora de Lula ou mesmo da democracia. Se Lula fracassar e a economia vacilar, ele trará Bolsonaro de volta, ou pior: uma alternativa de extrema-direita mais forte e mais eficaz.

Primeiro e acima de tudo, seu desafio é tranquilizar investidores preocupados, que provavelmente ficarão aliviados com a ausência de tumultos, mas cautelosos com o que vem em seguida. O histórico econômico de Lula é pragmático, mas ele ofereceu poucos detalhes além de uma carta na qual prometia combinar suas promessas sociais com responsabilidade fiscal – um eco do que ele escreveu aos brasileiros em 2002.

Ele precisa dar mais clareza sobre como irá equilibrar as necessidades e as dívidas, começando com a nomeação de um ministro da Fazenda que seja conhecido e confiável a investidores, como, por exemplo, o ex-presidente do banco central e ex-ministro Henrique Meirelles, um dos líderes para o cargo.

Lula está em um bom lugar para reparar a credibilidade internacional do Brasil, começando pelos compromissos em torno do clima, considerando a escala de sua destruição. Reconstituir as agências de monitoramento e proteção do meio ambiente e dos povos indígenas seria um começo.

Então ele precisa decidir como avançar na reconciliação nacional, em um esforço orquestrado para enfraquecer alguns dos elementos mais tóxicos do bolsonarismo, sem necessariamente investigar todos eles. Mesmo Bolsonaro – a pessoa – tendo sido derrotado, o movimento populista de extrema-direita que ele representa não o foi, e seus apoiadores vocais ganharam as eleições em governos estaduais ou assentos no Senado.

Isso requer um diálogo urgente com os grupos evangélicos conservadores e, crucialmente, com os militares, que ainda não deram seu veredicto sobre a votação. Lula precisará pressionar pelo apoio, para então redefinir as relações entre civis e militares enquanto manda lentamente os generais de volta para o quartel. Isso significa escorar as instituições democráticas.

Não menos importante, para garantir qualquer nível de sucesso legislativo com um parlamento fragmentado, Lula precisa construir um governo com a “frente ampla”, apoiando-se em aliados como Simone Tebet, que tem ligações com o lobby agrícola (uma fonte fundamental de apoio para Bolsonaro), além de partidos de centro no Congresso. Ele deve agir rapidamente.

Por tudo isso, o próximo passo a ser observado será a movimentação de Bolsonaro. Tem sido um ano conturbado de alegações ultrajantes, fake news e violência. No sábado (29), na véspera do segundo turno, Carla Zambelli, deputada bolsonarista, sacou uma arma e perseguiu um jovem negro em São Paulo após alegar ter sido insultada. Isso foi um mau presságio. O silêncio do presidente é um presságio melhor.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Clara Ferreira Marques é colunista da Bloomberg Opinion e membro do conselho editorial e cobre relações exteriores e clima. Trabalhou para a Reuters em Hong Kong, Singapura, Índia, Reino Unido, Itália e Rússia.

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