Bloomberg Línea — O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acaba de ser eleito presidente da República neste domingo (30). Com 98,81% das seções totalizadas, ele foi declarado vencedor pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ele recebeu 59,563 milhões de votos, o equivalente a 50,83% dos votos válidos, derrotando o presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorria à reeleição e recebeu 57,627 milhões de votos, ou 49,17% dos votos válidos. Foi a menor diferença no segundo turno desde que o sistema eleitoral atual entrou em vigor em 1989.
Lula voltará à Presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2023, ou seja, 12 anos depois de deixar o comando do país no começo de 2011. Ele passou a faixa para Dilma Rousseff depois de cumprir dois mandatos completos, entre 2003 e 2010. Aos 77 anos, que completou na última quinta-feira (27), ele se tornará o presidente mais velho a tomar posse, superando Michel Temer, que assumiu em 2016 com 75 anos.
O candidato do PT já havia sido o mais votado no primeiro turno, quando recebeu 57,2 milhões de votos, ou 48,43% dos votos válidos. Com a vitória neste domingo, ele manteve a tradição das eleições desde 1989: nenhum dos candidatos mais votados no primeiro turno perdeu no segundo. O favoritismo do ex-presidente vinha sendo registrado pelas pesquisas eleitorais desde o dia seguinte ao primeiro turno.
Com o resultado deste domingo, Bolsonaro torna-se o primeiro presidente do Brasil a não se reeleger desde a mudança na Constituição em 1997 que passou a autorizar a reeleição para cargos do Executivo. No ano seguinte, Fernando Henrique Cardoso foi reeleito, derrotando Lula.
Quinto mandato do PT
É a quinta eleição vencida pelo PT desde 2002 - a única que o partido perdeu nesse período foi a de 2018, quando Bolsonaro foi eleito, derrotando Fernando Haddad (PT).
Naquele, no entanto, Lula foi proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de concorrer porque havia sido condenado por corrupção em segunda instância da Justiça Federal, em matéria que causou contestações, uma vez que, nos termos da Lei da Ficha Limpa, ele poderia concorrer, mas não assumir.
A vitória de Lula neste domingo representa a redenção para o PT: além de vencer o candidato que derrotou o partido na última eleição, o partido volta ao poder seis anos depois do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, por impeachment. Ela foi substituída naquele ano por seu vice-presidente Michel Temer, do MDB, partido que apoiou a candidatura de Lula nas eleições deste ano.
Campanha acirrada
No segundo turno, a campanha foi “muito acirrada”, como admitiu o próprio Lula em entrevista recente.
Também foi uma campanha sem precedentes em termos de campanhas de informações falsas. O TSE, responsável por fiscalizar o pleito, chegou a conceder 70 pedidos de direito de resposta a Lula por causa de informações falsas divulgadas pela campanha de Bolsonaro, conforme dados da defesa do petista compilados até 18 de outubro.
Entre esses pedidos estavam 164 inserções da campanha do ex-presidente na programação da Jovem Pan, que, segundo o TSE, vinha conferindo tratamento desigual aos dois candidatos, o que é ilegal, uma vez que a emissora tem uma concessão pública de rádio.
Uso da máquina pública
Candidato à reeleição, Bolsonaro não mediu esforços na reta final para usar a máquina pública para ajudar a sua campanha e ampliar as suas chances. Dois meses antes do início oficial do período eleitoral, em agosto, o governo conseguiu aprovar junto ao Congresso uma mudança na Constituição para que pudesse fazer gastos orçamentários fora do teto de gastos no ano eleitoral - além disso, a Constituição veda a contratação de gastos em ano eleitoral, mas a decretação de Estado de Emergência permitiu a exceção.
Com a mudança aprovada pelo Congresso, o governo aumentou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até 31 de dezembro, criou um benefício para caminhoneiros e taxistas, criou um subsídio para compra de gás de cozinha, liberou o saque do FGTS, permitiu o uso de depósitos futuros do FGTS para compra de casas populares e aumentou o subsídio de um programa de moradias, entre outros programas.
Reportagem do UOL calculou que esses programas injetaram R$ 21 bilhões na economia em menos de dois meses, para estimular o consumo e melhorar os índices do desempenho econômico.
Segundo economistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico, os programas lançados pelo governo devem custar pelo menos R$ 110 bilhões até o fim deste ano. Para economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o rombo é estimado em R$ 400 bilhões.
Histórico
Lula já foi presidente por dois mandatos consecutivos, de 2003 a 2006 e de 2007 a 2010.
Durante esse período, enfrentou desafios como a crise financeira mundial de 2008 e as denúncias de corrupção do mensalão - que acabaram levando à prisão de algumas das principais lideranças petistas, como José Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha e Antonio Palocci, condenados pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção.
Os dois mandatos de Lula foram marcados pela criação de programas sociais que se tornaram referência no Brasil e no mundo, com reconhecimento de especialistas em políticas públicas.
Entre eles o Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do mundo, que acabou referendado por políticos de todos os partidos; o Fies, de escolarização de jovens; o Prouni, de inserção de pessoas de baixa renda no ensino superior; e o Minha Casa Minha Vida, de moradias populares.
Lula deixou o governo com mais de 80% de aprovação, feito inédito para todos os políticos eleitos desde a redemocratização, em 1985.
Depois de seu período como presidente, enfrentou mais acusações de corrupção e chegou a ser preso, acusado por procuradores do Ministério Público Federal no âmbito da Operação da Lava Jato.
A Lava Jato foi montada em Curitiba com o objetivo de investigar a formação de um cartel de empreiteiras para fraudar licitações da Petrobras e superfaturar contratos e apontava o ex-presidente como líder e maior beneficiário desse esquema - o que nunca foi provado.
Ele foi condenado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro, da Justiça Federal em Curitiba, no caso do apartamento tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia. A sentença foi depois confirmada em segunda instância. Lula chegou a ser preso em abril de 2018 com decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de permitir a execução antecipada da pena mesmo antes do trânsito em julgado da condenação.
Mas foi solto em novembro do ano seguinte, com uma mudança de posicionamento do STF sobre a antecipação do cumprimento de pena. Mais tarde, em março de 2021, o plenário do STF anulou as condenações de Lula com o entendimento de que o caso não era de competência da Justiça Federal em Curitiba e, mais tarde, apontou a suspeição do então juiz Sérgio Moro.
O que esperar: governo pragmático?
Com a vitória, Lula vai dar início às articulações para montar seu governo. Na reta final das eleições, ele recebeu o apoio de ampla gama de economistas e políticos, como os integrantes da equipe que elaborou o Plano Real, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-senador José Serra, os ex-presidentes do Banco Central Armínio Fraga e Henrique Meirelles, além de economistas ligados à pauta liberal.
Além disso, Lula conta com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) como seu candidato a vice. Alckmin ficou quase 30 anos no PSDB e chegou a concorrer a presidente contra o PT duas vezes. Nas eleições deste ano, integrou a chapa de Lula em uma estratégia de composição de chapa moderada, para além da esquerda e das pautas historicamente ligadas ao PT.
A expectativa é que Lula monte uma equipe mais “de centro” do que a vista em seus mandatos anteriores. O petista já disse algumas vezes que pretende se comprometer com a estabilidade da dívida e com a responsabilidade fiscal, embora a responsabilidade social seja também prioridade.
E também já disse que pretende apontar alguém com histórico político, e não apenas técnico, para comandar a economia, a exemplo do que fez em 2003 nomeando Antonio Palocci para a Fazenda.
A expectativa dos analistas para o terceiro mandato é que Lula seja mais pragmático. Embora ele possa contar com o crescimento da bancada de esquerda na Câmara, também enfrentará grandes bancadas de direita e conservadoras e parlamentares fiéis ao ex-presidente Bolsonaro.
Essa realidade indica para uma Câmara ainda mais fragmentada, o que vai impor desafios de negociação. Observadores como a casa de análises de risco político Eurasia acreditam que o governo enfrentará dificuldades para montar uma coalizão.
Segundo as contas do Departamento Intersindical de Análises Parlamentares (Diap), o Centrão, conjunto de partidos que hoje funcionam como base de sustentação a Bolsonaro, terá no mínimo 187 deputados na Câmara a partir do ano que vem. Juntando com a centro-direita, pode chegar a 380 votos. Já a esquerda terá entre 122 e 342 deputados, a depender da configuração.
Somado a isso há o chamado orçamento secreto. É um mecanismo de envio de dinheiro por parlamentares a estados e municípios em que eles não precisam se identificar nominalmente - apenas os relatores do Orçamento da União na Câmara e no Senado colocam os nomes nas ordens de pagamento.
Isso retira do Executivo o controle sobre o Orçamento, uma vez que os parlamentares enviam o dinheiro sem precisar se identificar. É algo que se tornou importante moeda de troca nos últimos dois anos - calcula-se que o chamado orçamento secreto tenha movimentado R$ 80 bilhões desde 2020.
Na análise do Diap, isso dará mais independência ao Legislativo em relação ao Executivo. E, como Lula não compartilha das mesmas pautas que a maioria do Congresso eleito, o governo deverá haver “um movimento moderado mais ao centro”.
Obstáculos
Essa dinâmica pode atrapalhar os planos do próximo governo de aprovar as reformas que considera prioritárias, como a revogação do teto de gastos e a sua substituição por outro regime fiscal ainda não definido. Há também o plano de reestruturação do sistema tributário para desonerar a produção e onerar o patrimônio, conforme disse Lula em debate na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O novo governo também enfrentará problemas de ordem orçamentária. Por exemplo, o Auxílio Brasil, a versão do governo Bolsonaro para o Bolsa Família: o pagamento de R$ 600 só vai até 31 de dezembro deste ano. A partir de janeiro, o valor volta para R$ 400, conforme a proposta de Orçamento da União enviada pelo governo ao Congresso. Portanto, o governo Lula já começa o ano com essa tarefa de articulação.
O futuro presidente também precisará enfrentar a falta de previsão orçamentária do governo Bolsonaro para outros programas sociais. Além do Auxílio Brasil, o governo propôs reduzir o orçamento do programa de habitações populares Casa Verde e Amarela em mais de 95% no ano que vem - o que significa a paralisação de 125 mil obras -, e propôs reduzir em mais de 50% o equivalente do Mais Médicos, o Farmácia Popular, de compra subsidiada de remédios, e programas para a saúde indígena.
Caso não consiga reverter o quadro, o governo terá de contar com o orçamento secreto para atingir os gastos mínimos constitucionais de investimento em saúde, por exemplo. Mas a modalidade, embora agrade os parlamentares, retira do Executivo o poder sobre o Orçamento, o que enfraquece a capacidade política do governo - o próprio Lula já criticou a política diversas vezes. Há uma ação contra o orçamento secreto em trâmite no Supremo Tribunal Federal, que deve ser julgada ainda neste ano.
Leia também
Eleição chega ao capítulo final sob risco de reviravolta e problemas sem solução
‘Terceiro turno’ pode levar Brasil a uma crise, diz professor de Harvard