Lula presidente: este é o principal desafio que o governo terá que resolver

Presidente a partir de 2023 terá que revisar o teto de gastos para acomodar despesas e recuperar a confiança nas contas públicas, passo necessário para a queda dos juros

Palácio do Planalto, em Brasília, sede do governo federal: 2023 deve apresentar mais desafios na economia para o presidente da República
30 de Outubro, 2022 | 06:39 AM

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Bloomberg Línea — O primeiro desafio do próximo presidente, independentemente do candidato vitorioso nas urnas neste domingo (30), será revisar a regra do teto de gastos. De acordo com economistas ouvidos pela Bloomberg Línea, a reforma é necessária para que o governo consiga acomodar despesas que hoje não cabem no Orçamento com o desenho atual. Ao mesmo tempo, uma nova regra fiscal ajudaria a restabelecer a confiança de investidores e empresas na sustentabilidade da dívida pública e ajudaria o Banco Central a ter condições de reduzir os juros, tudo culminando em crescimento sustentado do país.

Nas projeções do mercado segundo o Boletim Focus, o Brasil cresce 2,76% neste ano, mas essa expansão perde fôlego em 2023 e o PIB deve avançar 0,63%. Nos dois anos de pandemia mais aguda, um período de exceção em todo o mundo, a economia brasileira caiu 3,9% em 2020 e cresceu 4,6% em 2021. E, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, o PIB avançou 1,2% em 2019.

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A regra do teto limita o aumento das despesas do governo à taxa de inflação do ano anterior. Com isso, gastos que já são dados como certos no ano que vem estourariam esse limite.

Entre eles está o aumento permanente do Auxílio Brasil para R$ 600, com custo extra de cerca de R$ 52 bilhões. O benefício pago pelo programa de transferência de renda que substituiu o Bolsa Família foi elevado de R$ 400 para R$ 600 em julho pelo Congresso, mas o aumento tem duração apenas até o fim do ano.

Tanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometem manter o Auxílio Brasil em R$ 600 se forem eleitos. Lula promete ainda dar um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos em cada família. E Bolsonaro sugere pagar um 13º para mulheres beneficiárias do programa. As duas medidas tendem a elevar ainda mais o custo do programa social.

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Além disso, há outras promessas de campanha que pressionam o teto de gastos, como conceder reajustes do salário mínimo acima da inflação (Lula e Bolsonaro, embora o presidente não tenha feito isso em seus quatro anos de governo), corrigir a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (Lula e Bolsonaro, idem para o atual presidente), aumentar os salários de funcionários públicos federais, que estão congelados há quatro anos e tiveram perdas com a inflação (Bolsonaro), entre outras medidas.

Somado a esses gastos extras, o governo prevê manter a isenção de impostos sobre o diesel e a gasolina no ano que vem. A renúncia fiscal teria um custo de cerca de R$ 50 bilhões. Disputas judiciais com os Estados e o aumento dos gastos com precatórios são outra fonte de pressão sobre os gastos.

Um levantamento dos economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), calcula que pode haver um impacto de R$ 382,7 bilhões de despesas extras no ano que vem, o equivalente a 3,7% do PIB, em razão dessas e de outras despesas adicionais que podem vir a ocorrer - com alta probabilidade hoje.

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Diante da pressão por gastos, a maior parte dos economistas concorda que será necessário definir um “waiver” fiscal em 2023, isto é, uma licença para o governo gastar acima do limite imposto pelo teto. O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC Henrique Meirelles - que declarou apoio a Lula e participa de discussões com a campanha do presidente - avalia que essa licença seria de R$ 100 bilhões.

Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, acredita que o valor de R$ 100 bilhões é o mínimo necessário para cobrir as despesas extra-teto.

“Vai ser entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões para começo de conversa. Sabemos que não vai ficar só no programa social. Vai ter que acomodar salário mínimo, precatório, salário de funcionalismo que não está muito claro quanto vai ter de aumento”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

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“Esse é o primeiro grande desafio: rearrumar a casa fiscal. Trazer tranquilidade para o equilíbrio fiscal e aí o país consegue pensar em outras coisas”, afirmou o economista.

Vale disse que outra prioridade é fazer uma reforma tributária, como forma de simplificar o pagamento de impostos e melhorar o ambiente de negócios do país. Ele afirmou que seria importante o governo avançar com um projeto já no primeiro semestre do ano que vem, ao mesmo tempo em que faz uma revisão da regra do teto de gastos.

“Por mais que já tenha um desenho, uma reforma tributária é muito mais complexa, porque envolve diversos setores, diversos estados. É uma reforma tributária que vai despender muito mais tempo político do que a mudança na regra do teto”, disse.

Desaceleração da economia

O aumento das despesas do governo ocorre em um momento de desaceleração da economia. Apesar do desempenho positivo recente do Produto Interno Bruto (PIB), a maior parte dos economistas prevê um ritmo menor de crescimento em 2023. A expectativa de economistas é que o próximo governo não vai contar com uma forte arrecadação de impostos como houve em 2021 e 2022.

“Tão grave quanto esses novos gastos é o governo superestimar a capacidade de arrecadação do ano que vem. Como o país está vindo de dois anos de arrecadação muito forte, parte dessa euforia está sendo extrapolada para 2023, quando sabemos que será um ano de crescimento fraco”, disse Luciano Sobral, economista da gestora Neo Investimentos. “Todas essas discussões foram adiadas para depois das eleições. Mas esse é um problema esperando na esquina para aparecer”, avaliou.

O aumento das taxas de juros no mundo – e principalmente nos Estados Unidos – deve provocar uma desaceleração global e ameaça até causar uma recessão na maior economia do mundo, provavelmente no próximo ano, com efeitos para o Brasil.

A China, que é o principal destino das exportações brasileiras, também passa por dificuldades. Os lockdowns adotados por Pequim para conter os surtos de covid-19 e a queda nos indicadores do setor imobiliário devem reduzir o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chinês para um dos níveis mais baixos nas últimas décadas.

“Esse crescimento mais fraco da China é ruim para as commodities porque traz o preço para baixo. Isso significa um câmbio mais valorizado no Brasil. O real, nesse sentido, tem mais um fator para se manter em um patamar mais elevado”, disse Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital.

São questões do cenário internacional que colocam em xeque a melhora recente da economia brasileira. Na primeira metade do ano, o PIB teve um crescimento bem mais acelerado do que se esperava. O avanço foi de 1,1% no primeiro trimestre e de 1,2% no segundo, o que tem feito economistas projetarem um crescimento maior em 2022. De acordo com o último Relatório Focus, do Banco Central, a expectativa do mercado é a de uma expansão de 2,76% do PIB neste ano.

O crescimento da economia é puxado principalmente pela retomada do setor de serviços – que representa cerca de 70% do PIB – e pelo maior consumo das famílias. Os serviços são beneficiados pela volta das atividades presenciais, que antes estavam reprimidas por causa das restrições para tentar conter o avanço da covid-19 – como restaurantes, bares, hotéis, viagens aéreas e comércio de rua, entre outros.

Também contribui para o maior crescimento a alta dos preços das commodities, o que beneficia as exportações e o setor agropecuário, e a liberação dos benefícios sociais aprovados pelo Congresso com apoio do governo Bolsonaro, como o Auxílio Brasil a R$ 600, o voucher para taxistas e caminhoneiros e também a expansão do vale-gás, que subsidia a compra do botijão para as famílias mais pobres.

No entanto a maior parte dos economistas avalia que esse impulso deve perder força no fim do ano ou no ano que vem, justamente por causa do cenário internacional e também em razão da alta das taxas de juros no Brasil, que afetam principalmente os setores que dependem de crédito, como construção civil e consumo de bens duráveis, que vão de automóveis a eletrodomésticos.

Nesta semana, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano e indicou que a taxa deve permanecer elevada por um período prolongado até que as expectativas de inflação estejam ancoradas à meta. Os efeitos das taxas elevadas devem ser sentidos durante todo o ano que vem na economia brasileira, reprimindo a demanda. A maior parte dos economistas do mercado financeiro projeta uma expansão para o PIB de apenas 0,63% em 2023, de acordo com o Focus.

“Por mais que o PIB esteja surpreendendo para cima, vamos ter um período mais desafiador, principalmente no ano que vem, com o efeito da política monetária restritiva”, diz Andrea Damico, sócia e economista-chefe da gestora Armor Capital. “Ainda não teve um efeito mais forte da política monetária na economia, mas vai acontecer. São 400 pontos base de aumento de juros acima do [patamar] neutro.”

Trégua da inflação

Se por um lado a desaceleração da economia é desafio, por outro a inflação deverá dar uma trégua no primeiro ano do novo governo. A alta dos preços foi a principal dor de cabeça nos últimos dois anos do governo Bolsonaro.

Depois de atingir um pico de 12,13% em abril, o IPCA acumulado em 12 meses ficou em 7,17% em setembro e caminha para fechar o ano em 5,6%, de acordo com as projeções do mercado. Para 2023, a expectativa é a de uma inflação de 4,94% – portanto, mais controlada mas ainda acima do teto da meta do Banco Central (4,75%).

A redução tem a ver com os cortes de impostos promovidos pelo governo sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, mas outros fatores também têm contribuído.

Um deles é a queda do preço internacional do petróleo, que tem levado a sucessivos cortes nos preços dos combustíveis pela Petrobras. O outro é uma redução das cotações de commodities como a soja, o milho e o trigo, depois de um pico no primeiro semestre.

Tanto no caso dos alimentos quanto do petróleo, a queda tem relação com a perspectiva de uma desaceleração da economia mundial. Além disso, os preços dos fretes marítimos caíram nos últimos meses, o que também alivia os custos para a indústria e reduz a pressão por aumentos de preços.

No entanto, reduzir a inflação daqui para frente deve ser um trabalho mais difícil para o Banco Central, uma vez que estímulos econômicos do governo e a melhora do mercado de trabalho, tendem a fortalecer a demanda.

“A desinflação que aconteceu até aqui e nos próximos meses é a parte mais fácil”, diz Maurício Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander Brasil. “A parte mais difícil é reduzir a inflação no momento em que a economia está sem nenhuma ociosidade e tem um movimento de volta dos gastos para serviços. Vai ser bem complicado e vai exigir uma postura monetária rígida, apertada, por bastante tempo.”

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Desemprego e renda

Outro fator positivo para a economia é a recuperação do mercado de trabalho. Depois de atingir um pico de 14,9% no período de janeiro a março de 2021, a taxa de desemprego recuou e chegou a 8,7% no trimestre encerrado em setembro.

O emprego formal voltou a subir, o que ajudou a elevar a renda dos trabalhadores. De acordo com o IBGE a massa de rendimentos do trabalhado chegou a R$ 266,7 bilhões em setembro, um avanço de 4,8% sobre o trimestre anterior e de 9,9% sobre o mesmo período do ano passado.

A expansão do emprego beneficia o consumo e a atividade econômica. Mas os economistas acreditam que daqui para frente a criação de novas vagas deve desacelerar, refletindo o crescimento econômico mais lento no ano que vem e o aperto monetário.

Estimular a geração empregos de melhor qualidade é, portanto, um dos desafios do próximo presidente para melhorar o poder de compra e a renda da população. Hoje, dos 99,3 milhões de brasileiros ocupados, 39,1 milhões (39,3%) trabalham na informalidade.

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.

Ana Siedschlag

Editora na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero e especializada em finanças e investimentos. Passou pelas redações da Forbes Brasil, Bloomberg Brasil e Investing.com.