Bloomberg Opinion — Uma boa novela prospera com reviravoltas; e a etapa final da corrida presidencial está à altura – um enredo repleto de acusações de pactos satânicos e canibalismo.
Com a aproximação do segundo turno, Jair Bolsonaro pode levar um choque de realidade. Sua lista de deslizes está crescendo, e os esforços para conquistar os eleitores indecisos parecem estar perdedo a força, ainda mais depois do confronto entre Roberto Jefferson e a Polícia Federal, no qual o ex-deputado atirou com um fuzil e arremessou granadas contra agentes para evitar ser levado sob custódia.
No entanto, como qualquer fã de novela sabe, nada é definitivo até o último episódio. Até mesmo os mortos podem voltar (e normalmente voltam). Seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está vencendo nas pesquisas, mas a disputa está acirrada, e fatores como a abstenção podem ser decisivos – os números, que já foram altos no primeiro turno, tendem a aumentar no segundo.
Uma coisa é certa: os últimos acontecimentos, que culminaram na avalanche de escândalos recentes, fez seu estrago. O assunto passou a ser esses erros de campanha, e não os planos necessários para aprimorar o Brasil.
A profunda polarização significa que, não importa quem ganhar, metade da população do maior país da América Latina ficará descontente. A violência política vem aumentando, e o Brasil tornou-se difícil de governar, e sua democracia, difícil de defender.
Neste segundo turno, Lula segue com a vantagem. Bolsonaro superou as expectativas no primeiro turno, mas seu oponente de esquerda ficou na frente e recebeu apoio de Simone Tebet e Ciro Gomes, que ficaram em terceiro e quarto lugares, respectivamente.
Lula lidera em Minas Gerais, estado que costuma indicar o vencedor – todo candidato que ganhou no estado venceu as eleições presidenciais desde 1989. A diferença entre os candidatos significa que o atual presidente deve cativar a grande maioria dos eleitores para garantir a vitória. Ele precisa do voto de mais mulheres e famílias mais pobres, grupos que não simpatizam com ele.
Para abordar isso, ele aposta em aliviar a inflação, fazer transferências mais generosas de renda e cortes de impostos, colocar sua esposa evangélica na campanha e aumentar os esforços para aumentar a rejeição do eleitor a Lula, amado por alguns por suas campanhas de redução da pobreza durante os anos 2000, mas odiado por outros por sua participação no escândalo de corrupção posterior.
Bolsonaro retratou a eleição como uma luta do bem contra o mal de forma tão extrema que a campanha de Lula teve que negar que o ex-presidente tivesse pacto com Satanás.
A combinação não está dando muito certo para Bolsonaro. As pesquisas permanecem estáveis, enquanto suas mesmas táticas negativas são usadas contra ele. As redes sociais foram inundadas com os comentários do presidente sobre as jovens imigrantes venezuelanas, vídeos de antigas visitas a templos de maçonaria e discussões sobre comer carne humana, nenhum das quais agrada sua base evangélica conservadora ou combina com a imagem de homem de família que o presidente, casado três vezes, tenta projetar.
Outro ponto alto foi o ocorrido no último domingo (23), quando o ex-deputado federal e apoiador de Bolsonaro Roberto Jefferson trocou tiros com a Polícia Federal após ser acusado de violar os termos de sua prisão domiciliar por publicar um vídeo no qual insultava uma ministra do Supremo Tribunal Federal, entre outras coisas. Em alguns, isso pode até gerar certa compaixão. Mas, para o resto das pessoas, é um presságio indesejável de um futuro político mais violento.
Bolsonaro pode acabar vencendo neste domingo (30). Se for o caso, será muito mais pelo sentimento antipetista do que pelo apoio direto. O sentimento anti-Lula o levou à linha de chegada. Isso significa que nada dessa toxicidade, populismo e retórica antidemocrática vai passar, principalmente se Bolsonaro se sentir incentivado a tomar medidas drásticas como expandir o STF, dando-lhe muito mais espaço para ameaçar o equilíbrio de poderes.
Se ele perder por pouco – o mais provável –, o problema é outro, mas também é complicado. Não por causa de esforços imediatos para tomar o poder – uma tentativa de golpe ainda é considerada um extremo dos resultados potenciais, mesmo que o filho de Bolsonaro, Flavio, já tenha declarado que seu pai é vítima da “maior fraude eleitoral já vista”. Em última análise, um golpe é uma aposta que não se enquadra no histórico avesso ao risco de Bolsonaro na política, considerando as penalidades que ele pode sofrer se falhar.
Ao contrário, porque ele sem dúvida questionará o sistema e alimentará a incerteza, amplificando a desinformação e as táticas de medo a um custo enorme para o país – mesmo sem um golpe, a Bloomberg Economics coloca o custo da turbulência pós-eleitoral em US$ 12 bilhões, valor com o qual o Brasil não pode arcar, enfraquecendo a moeda e as ações, ao mesmo tempo em que afeta o crescimento.
Esse discurso tóxico chegou para ficar. A política negativa do bolsonarismo persistirá, como aponta Mariana Borges Martins da Silva, que pesquisa política latino-americana no Nuffield College da Universidade de Oxford, alimentando posturas anti-sistema e o sentimento anti-elite que o antecede, oferecendo soluções fáceis para os complexos problemas do Brasil, apoiadas por uma classe média baixa à qual ele ofereceu voz na política.
Uma vitória de Lula frearia a missão autoritária, mas também não resolveria os problemas maiores que o país enfrenta. A campanha tóxica e o resultado desordenado desta eleição é um sintoma, não uma causa.
Seu histórico pragmático no governo e iniciativas como uma carta em que prometia responsabilidade fiscal e social nesta semana são encorajadores. Ele já acenou a muitas personalidades centristas de alto nível, que estarão no governo ou serão conselheiras. Mas este é um ambiente muito diferente do dos anos 2000, um cenário econômico muito mais difícil e uma legislatura fragmentada.
E se Lula vacilar no cargo, Bolsonaro – ou uma personificação mais capaz de sua política – estará à espreita.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Clara Ferreira Marques é colunista da Bloomberg Opinion e membro do conselho editorial e cobre relações exteriores e clima. Trabalhou para a Reuters em Hong Kong, Singapura, Índia, Reino Unido, Itália e Rússia.
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