Como Bolsonaro e Lula reorganizaram as estratégias na reta final de campanha

Presidente tentou minimizar efeitos do ataque de Roberto Jefferson a policiais, enquanto ex-presidente apostou no maior colégio eleitoral do país

Ambos os candidatos cometeram erros durante a campanha e eles podem influenciar o resultado final das urnas
Por Daniel Carvalho
29 de Outubro, 2022 | 01:10 PM

Bloomberg — O presidente Jair Bolsonaro ficou na defensiva após os recentes erros da campanha, e um violento confronto entre a Polícia Federal e o ex-deputado Roberto Jefferson, um de seus apoiadores mais vocais, deu munição ao adversário de esquerda antes do acirrado segundo turno neste domingo (30).

Foram tantos reveses nos últimos dez dias que a euforia entre a equipe de campanha de Bolsonaro provocada por seu desempenho mais forte do que o previsto no primeiro turno da votação já se dissipou, segundo um conselheiro presidencial familiarizado com a situação.

Os erros também se traduziram em perda do impulso para o candidato. As principais pesquisas publicadas nesta semana mostraram que o presidente está estagnado com cerca de 47% dos votos válidos, e Luiz Inácio Lula da Silva, com cerca de 53%. Mas o líder da esquerda enfrenta um risco maior devido à abstenção de seus eleitores, segundo pesquisa da Quaest publicada na quarta-feira (26).

Na campanha de Bolsonaro, gerentes preocupados estão dividindo seu tempo entre o controle de danos e o planejamento de estratégias ofensivas contra Lula, disse o conselheiro, pedindo anonimato por discutir assuntos internos.

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Sua principal preocupação, acrescentou o conselheiro, é proteger a imagem do presidente em segmentos da população que ele tem dificuldades para conquistar: as mulheres e os pobres.

Bolsonaro tentou cativar eleitores de baixa renda no início desta semana com uma viagem à Bahia. Na quarta-feira (26), o presidente visitou Minas Gerais, onde obteve o apoio do governador reeleito Romeu Zema e de vários prefeitos que estão trabalhando para reverter a liderança de Lula no estado.

No fim da semana, ele viajou ao Rio de Janeiro para se preparar para o debate organizado pela TV Globo na sexta-feira (28).

Lula, por sua vez, deixou de lado as visitas programadas a áreas distantes do país e permanecerá em São Paulo, estado que abriga mais de 20% do eleitorado nacional e onde sofreu uma inesperada derrota no primeiro turno.

Em vez de participar de comícios e grandes eventos públicos, Lula está trabalhando para aumentar sua presença online por meio de lives, bem como entrevistas a podcasts e rádios locais, de acordo com dois assessores familiarizados com o plano.

A estratégia, amplamente utilizada por Bolsonaro desde sua campanha de 2018, é considerada eficaz para se comunicar com brasileiros que estão além do alcance de grupos de redes sociais que apoiam o ex-presidente.

Entre tiros e granadas

Embora a campanha de Lula tenha cometido alguns erros durante a campanha eleitoral – subestimando o antipetismo em São Paulo e recusando-se a detalhar planos econômicos, por exemplo –, foi Bolsonaro e sua equipe que cometeram um número surpreendente de erros na reta final da corrida.

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Tudo começou há duas semanas com o vídeo no qual Bolsonaro fala de uma visita a um grupo de venezuelanas “de 14 ou 15 anos” em um bairro pobre de Brasília, sugerindo que eram prostitutas. A retaliação foi tão intensa que o presidente foi forçado a abordar o assunto em várias ocasiões, dizendo que suas palavras haviam sido “tiradas do contexto por má-fé”.

Depois, algumas propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de sua equipe para liberar recursos orçamentários para gastos sociais surgiram nesta semana, arriscando a ira dos eleitores de classe média que mais se beneficiam das regras atuais para o Imposto de Renda (IR).

Guedes e Bolsonaro foram rápidos em negar os planos, que incluíam o fim dos aumentos de pensão e dos salários do setor público vinculados à inflação e a eliminação das deduções do IR relacionadas aos gastos com saúde e educação. Guedes chegou a dizer que a divulgação dessas ideias teria sido obra de membros do PT “infiltrados” no governo.

No entanto nada foi tão prejudicial para Bolsonaro quanto o chocante confronto entre a Polícia Federal e Roberto Jefferson, defensor declarado do presidente, no último fim de semana.

Jefferson já estava sob prisão domiciliar por fazer ameaças contra o Supremo Tribunal Federal (STF), alvo habitual do atual presidente e de seus aliados. No domingo (23), ele atirou com rifle e lançou granadas contra a polícia, que tinha ordens de detê-lo por violar os termos de seu confinamento.

Dois policiais ficaram feridos.

Roberto Jefferson, apoiador de Jair Bolsonaro: ataque a tiros e granada a policiais a uma semana do segundo turno

Desde então, Bolsonaro vem tentando se distanciar de Jefferson, afirmando que eles não são amigos e que qualquer um que atira contra a polícia é criminoso. No entanto os mercados locais anteciparam o impacto negativo da notícia sobre as chances de reeleição do presidente e também ficaram preocupados com as perspectivas de violência pós-eleições no país.

Lula passou a usar o episódio para alegar que a postura armamentista e retórica belicosa do presidente teria incentivado o confronto.

Partidários regionais

Com Lula em São Paulo, aliados fundamentais foram representá-lo pessoalmente em regiões-chave: a senadora Simone Tebet (MDB-MS), que declarou apoio a Lula após ficar em terceiro lugar no primeiro turno, recebeu a missão de neutralizar a incursão de Bolsonaro em Minas Gerais.

Três senadores aliados eleitos pelo Nordeste foram para a região para participar de comícios e eventos em nome do ex-presidente.

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por sua vez, se concentraria em eventos públicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, ao passo que o ex-governador de São Paulo e candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin recebeu a missão de virar votos em outros lugares do estado e também em algumas cidades de Minas Gerais.

Bolsonaro adotou uma estratégia semelhante, enviando seu candidato a vice, o general Walter Braga Netto, para viagens solo pelo país. A primeira-dama Michelle Bolsonaro também tem sua própria agenda, que consiste principalmente em reunir-se com mulheres, em uma tentativa de reduzir o alto índice de rejeição do presidente entre as eleitoras.

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