Bloomberg Opinion — Olhando de perto para a tela de seu computador, Jordan Wright escolhe habilmente uma forma praticamente indiscernível sobre um fundo de imagens superexpostas.
É um processo semelhante aos testes automatizados que ensinam os computadores a distinguir os humanos das máquinas, pedindo a alguém que identifique semáforos ou automóveis em uma imagem conhecida como Captcha.
Só que no caso de Wright, a forma é de um Tupolev Tu-160, um bombardeiro estratégico supersônico, estacionado em uma base russa. A forma – uma das centenas que ele retira das imagens de satélite todos os dias – está treinando um algoritmo para que uma agência de inteligência dos Estados Unidos possa localizar e identificar o poder de fogo de Moscou de maneira rápida e automatizada.
Isso se tornou uma tarefa fácil para o jovem de 25 anos, que se descreve como parte do espectro do autismo. No primeiro semestre, Wright começou a trabalhar na Enabled Intelligence, uma startup do estado da Virginia que trabalha em grande parte para a inteligência dos EUA e outras agências federais. Fundada em 2020, a empresa é especializada em identificar, treinar e testar os dados digitais sensíveis dos quais depende a inteligência artificial.
Peter Kant, CEO da Enabled Intelligence, disse que estava inspirado a começar a empresa depois de ler sobre um programa israelense que recrutava pessoas com autismo para o trabalho de ciberinteligência. O trabalho repetitivo e detalhado de treinar algoritmos de inteligência artificial baseia-se no reconhecimento de padrões, na resolução de quebra-cabeças e no foco profundo que às vezes é um ponto forte específico de trabalhadores autistas, disse ele.
O principal tipo de atividade da Enabled Intelligence, conhecido como data annotation, é geralmente realizado por forças de trabalho tecnicamente qualificadas, mas muito mais baratas, que vivem em países como China, Quênia e Malásia. Isso não é uma opção para as agências governamentais dos EUA cujos dados são sensíveis ou confidenciais, disse Kant, acrescentando que mais da metade de sua força de trabalho de 25 trabalhadores são “neurodiversos”.
“Posso facilmente dizer que esta é a melhor oportunidade que tive”, disse Wright, que cresceu com uma paixão pela aviação militar, desistiu da faculdade e desde então passou longos períodos de desemprego entre empregos mal remunerados. Seu último trabalho era empacotar alimentos congelados.
Durante décadas, trabalhadores com deficiências de desenvolvimento, principalmente autismo, enfrentaram discriminação e níveis desproporcionalmente altos de desemprego. Um grande déficit de empregos em cibersegurança, juntamente com um novo impulso de aceitação e flexibilidade no local de trabalho – em parte estimulado pela pandemia de covid-19 – começou a trazer o foco para as habilidades das pessoas que pensam e trabalham de maneira diferente.
A Enabled Intelligence ajustou suas regras de trabalho para acomodar seus funcionários, abandonando currículos e entrevistas e adotando avaliações online e horários de trabalho mais tardios para aqueles que têm dificuldades para chegar cedo. A empresa criou três novas áreas para material confidencial e espera garantir autorizações governamentais para grande parte de sua força de trabalho neurodiversa – algo que a comunidade de inteligência do país teve dificuldades para acomodar no passado. O salário começa em US$ 20 por hora, seguindo padrões do setor, e a empresa oferece plano de saúde, licença remunerada e progressão de carreira. A Enabled Intelligence espera obter receitas de US$ 2 milhões este ano e dobrar esse valor no próximo ano, além de duplicar seu quadro de funcionários.
A comunidade de inteligência dos EUA foi lenta em agarrar a oportunidade, dizem os críticos, ficando aquém da meta federal de 12% de representação da força de trabalho de pessoas com deficiência, de acordo com as últimas estatísticas divulgadas este mês. Até este ano, a comunidade ficou regularmente aquém da meta federal de 2% para pessoas com deficiências, que inclui aquelas com autismo.
“Em outros países, é um costume”, disse Teresa Thomas, líder do programa de capacitação de talentos neurodiversos do MITRE, que opera centros de pesquisa e desenvolvimento com financiamento federal. Ela cita programas bem estabelecidos na Dinamarca, Israel, Reino Unido e Austrália, onde um estado recentemente nomeou um ministro do autismo.
Thomas liderou recentemente um novo programa piloto federal de mão de obra neurodiversa para estabelecer um modelo para que o governo dos EUA contrate e apoie trabalhadores autistas, mas até agora apenas uma das 18 agências de inteligência do país participou – a Agência Nacional de Informação Geoespacial, conhecida como NGA. Agora, a agência de ciberdefesa do governo federal, a Agência de Cibersegurança e Segurança de Infraestrutura, pretende realizar um programa piloto semelhante.
Stephanie La Rue, chefe de diversidade, igualdade e inclusão para o Escritório do Diretor de Inteligência Nacional, disse à Bloomberg que a comunidade de inteligência dos EUA precisa reconhecer que deve empregar pessoas com deficiência.
“É como virar o Titanic”, disse La Rue, acrescentando que o piloto de quatro pessoas da NGA seria revisto e compartilhado com a comunidade de inteligência mais ampla como uma “prática promissora”. “A mudança vai ser incremental”.
Pesquisas indicaram que os oficiais de inteligência neurodiversos no espectro do autismo demonstram a capacidade de analisar grandes conjuntos de dados e identificar padrões e tendências “a taxas que excedem em muito as pessoas que não são autistas” e são menos propensos a preconceitos cognitivos, disse La Rue. No entanto, garantir uma autorização para acessar informações confidenciais ainda pode ser um desafio, de acordo com alguns observadores.
Mas predomina o otimismo. A Enabled Intelligence tem um mural no qual foram fixadas 18 respostas anônimas para a pergunta “o que neurodiversidade significa para você?”
“Difícil. Desafiador. Impediu que eu fizesse muitas coisas”, diz uma delas. Mas entre outras respostas, uma delas declara: “SUPERPODERES”.
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