Entre Lula e Bolsonaro, Minas Gerais se torna o fiel da balança da eleição

Desde 1989, quem ganhou no estado, o segundo maior colégio eleitoral com 20 milhões de votos, levou também a corrida pela Presidência

Minas Gerais se torna campo decisivo de batalha eleitoral entre Lula e Bolsonaro, que concentram suas viagens ao estado na reta final do segundo turno
23 de Outubro, 2022 | 08:02 AM

Bloomberg Línea — A importância de Minas Gerais para eleições presidenciais é conhecida há tempos. Pelo menos desde a eleição de 1989, o candidato mais votado no estado também ganhou a corrida pela Presidência. O mesmo aconteceu no Amazonas e no Amapá, mas Minas é o segundo maior colégio eleitoral do país depois de São Paulo e concentra cerca de 20 milhões de eleitores, mais de 10% do eleitorado nacional.

No primeiro turno, Minas reproduziu o resultado nacional “quase na vírgula”, como diz o jargão dos pesquisadores. Na votação em todo o Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi para o segundo turno com 48,43% dos votos válidos, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), com 43,2%.

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Em Minas Gerais, Lula teve 48,29% dos votos válidos, e Bolsonaro, 43,6%.

Não é por acaso, portanto, que as campanhas decidiram concentrar seus esforços em Minas nesta reta final do segundo turno.

A disputa no estado está apertada. Segundo pesquisa do AtlasIntel divulgada em 16 de outubro (a última disponível para o estado), o petista tem 50,2% das intenções de voto, e Bolsonaro, 47,7% - a pesquisa indica, no entanto, que o presidente está em viés de alta, enquanto Lula parece ter estacionado.

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Os dados são semelhantes ao de outro instituto, a Quaest, que tem realizado e divulgado pesquisas eleitorais financiadas pela corretora Genial Investimentos.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO da Quaest, Felipe Nunes, que é mineiro, disse que seu instituto já havia captado o movimento de disputa mais apertada: “Ninguém prestou atenção nisso, mas já vínhamos mostrando uma queda de Lula na reta final do primeiro turno. E essa tendência se manteve”.

Segundo pesquisa da Quaest divulgada na véspera do primeiro turno, Lula havia caído de 50% para 49% em votos válidos (excluindo brancos/nulos e indecisos). Em Minas, no entanto, Lula subiu de 43% para 45% das intenções de voto na última pesquisa do instituto naquele momento, divulgada em 26 de setembro.

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Lula e Bolsonaro em caravana por MG

Lula (PT) foi a Juiz de Fora, na região conhecida como Zona da Mata, e a Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, na última semana. Tem mais três visitas agendadas no estado, à região do Vale do Jequitinhonha, no norte do estado, ao Vale do Rio Doce e a Belo Horizonte e região metropolitana, segundo o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), coordenador da campanha petista em Minas.

A atenção maior na agenda de visitas, segundo o deputado, será dada a Ribeirão das Neves, na região metropolitana de BH, “uma região esquecida pelas políticas públicas”. Lá, Lula deve falar, ao lado de Geraldo Alckmin (PSB-SP), seu candidato a vice, e da senadora Simone Tebet (MDB-MS), candidata a presidente que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, da proposta de escola integral e de distribuição às famílias, além dos R$ 600 do Auxílio Brasil, R$ 150 para cada filho matriculado nas escolas.

Lula em evento de campanha em Araçuaí, na região mais ao norte de Minas Gerais, perto da cidade de Montes Claros

O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi ao estado quatro vezes nas últimas duas semanas, em palanques montados pelo governador Romeu Zema (Novo), reeleito no primeiro turno, junto a prefeitos mineiros e a empresários do estado. Zema não declarou apoio a nenhum dos candidatos no primeiro turno, mas, assim que sua reeleição foi confirmada, declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno.

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O presidente também tem participado de eventos organizados por pastores de igrejas evangélicas ao lado da primeira-dama, Michelle, ela própria evangélica da Igreja Batista Atitude.

Apesar do palanque qualificado, o deputado Reginaldo Lopes diz que “o apoio de Zema não resultou em nada”. Segundo ele, as pesquisas internas encomendadas pelo PT mostram crescimento de Lula no estado, indicando uma vitória em todo o país no dia 30 de outubro “por oito ou nove milhões de votos de diferença”. No primeiro turno, a vantagem de Lula sobre Bolsonaro foi de cerca de 6,2 milhões de votos.

A Bloomberg Línea buscou contato com a campanha de Bolsonaro para saber mais da estratégia em Minas Gerais, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Mini Brasil em um único estado

O cientista político e economista Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral e também mineiro, disse que Minas “tem uma mística” por sintetizar diversas características do Brasil.

“O estado que tem uma diversidade econômica, social e geográfica muito grande, que sintetiza o Brasil e reflete a preferência desses vários brasis”, afirmou. “Nos últimos tempos, isso tem ficado muito claro: o PT é muito forte no norte, que é mais próximo do Nordeste, e isso se refletiu de novo nessa eleição. Bolsonaro começa a ficar mais forte no sul de Minas, na divisa com São Paulo.”

Felipe Nunes explicou a geografia: “O Triângulo Mineiro, no oeste, é muito parecido com o Centro-Oeste, com o agronegócio; o norte de Minas, o Vale do Jequitinhonha, na divisa com a Bahia, é muito parecido com o Nordeste; o sul é mais industrializado; a Zona da Mata, onde fica Juiz de Fora, é muito ligada ao Rio de Janeiro; e Belo Horizonte e região metropolitana têm características próprias”.

“É um mini Brasil”, definiu.

Luzema

Os votos em Lula e Bolsonaro no último dia 2 de outubro se dividiram em Minas Gerais de certa forma como aconteceu no Brasil como um todo. Segundo reportagem do jornal O Globo com base em dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Lula venceu em 630 dos 853 municípios mineiros (73% do total), mas perdeu em quatro das nove cidades com 200 mil habitantes, incluindo a capital Belo Horizonte.

Felipe Nunes explicou que, em sua avaliação, Minas tem hoje três perfis eleitores:

  • Os que votaram em Lula para presidente e no ex-prefeito de BH, Alexandre Kalil (PSD), para governador. Estão mais concentrados no norte do estado e na região metropolitana de BH. “É o eleitor firme, que vota no Lula de qualquer jeito”;
  • Os que votaram em Bolsonaro para presidente e em Romeu Zema para governador, concentrados no Vale do Aço, na região noroeste, na região sul e no chamado “centro mineiro”. É o chamado voto “Bolsozema”;
  • Os que votaram em Lula para presidente e em Zema para governador. Esses eleitores estão na Zona da Mata e no Triângulo Mineiro, segundo Nunes. É o chamado voto “Luzema”.

Luzema vs. Bolsozema

Lula trabalha para manter esse eleitor fiel e mobilizado, pois sabe que a abstenção o prejudica mais. O cientista político e sociólogo Antônio Lavareda fez as contas em entrevista à CNN Brasil: a abstenção foi maior entre os eleitores de menor escolaridade (31,38%) e os analfabetos (52%), que tradicionalmente votam em Lula e no PT.

Esses eleitores também têm renda menor que os demais, o que poderia explicar o fato de não votarem - o gasto com transporte público pesa mais no orçamento dessas pessoas proporcionalmente, explicou Lavareda.

Já Bolsonaro trabalha para virar o voto viajando para diferentes regiões de Minas Gerais ao lado de Zema. O racional da campanha do presidente é que, se a pessoa votou no governador e ele agora apoia um candidato, também deve votar em Bolsonaro agora no segundo turno.

Bolsonaro em evento com políticos de Minas Gerais em Belo Horizonte

“É uma aposta arriscada, mas Bolsonaro não tem outra opção: está perdendo”, afirmou Carazza. “Zema pode ter papel estratégico, mas também pode ser que os mineiros tenham votado nele porque ele não apoiou Bolsonaro. Ele foi eleito em 2018 na esteira do bolsonarismo e nunca se afastou das pautas do presidente, mas o voto ‘Luzema’ é um voto com muito viés de renda, é um eleitor mais pobre que tradicionalmente vota no PT”, afirmou o professor.

Os precedentes, no entanto, não são favoráveis para Bolsonaro, disse Carazza. Antônio Anastasia (PSDB-MG) declarou apoio a José Serra quando foi eleito governador de Minas em 2010 e Serra foi derrotado por Dilma Rousseff (PT), que tinha apoio de Lula. Em 2006, Aécio Neves (PSDB), reeleito governador, declarou apoio a Geraldo Alckmin, então no PSDB, contra Lula, que foi reeleito presidente naquele ano.

“A gente nunca sabe direito qual é o poder de influência do governador”, resumiu Bruno Carazza. Felipe Nunes completou: “O eleitor mineiro é tradicional, conservador, mas é também desconfiado, que muda a depender da eleição”.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.