Vale do Silício na América Latina? Projeto de US$ 500 mi quer tornar realidade

Investimento em Colonia, no Uruguai, visa ser um bairro satélite de Buenos Aires para atrair jovens e empresas de tecnologias

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Bloomberg Línea — Entre o Rio da Prata e a cidade uruguaia de Colonia está a praia El Calabrés. Ali, ao final de uma estrada de cascalho em meio a dunas e arbustos, um grupo de empresários argentinos e uruguaios prometem construir um projeto imobiliário de US$ 500 milhões que eles apresentam como o Vale do Silício uruguaio.

A uma hora de barco de Buenos Aires e duas horas de carro de Montevidéu, os promotores do negócio liderados pelo argentino Eduardo Bastitta, também CEO da Plaza Logística, visam atrair jovens argentinos e empresas principalmente de tecnologia para se estabelecerem em uma nova “cidade inteligente”.

O projeto deseja se tornar um bairro satélite de Buenos Aires, mas a rede de obras e negócios relacionados a serem realizados para transformá-lo em realidade parece muito mais desafiadora. Confira as sete questões a serem resolvidas.

1. Investimento

O projeto, de nome +Colonia, consiste em um empreendimento imobiliário multi-distrital. Os empresários visam desenvolver uma cidade inteligente de moradias e edifícios para empresas de tecnologia em um local a leste de Colonia del Sacramento.

Inicialmente, um primeiro distrito contendo sete edifícios exigirá um investimento de cerca de US$ 100 milhões. Nos primeiros cinco anos, os promotores do projeto prometem construir até cinco distritos com um investimento de US$ 500 milhões.

Segundo os investidores, serão 700 unidades para moradia e 5 mil metros quadrados de escritórios.

O custo do metro quadrado ficará entre US$ 2,2 mil e US$ 3,3 mil, e haverá unidades de 30 metros quadrados a partir de US$ 69 mil, segundo o empresário. As maiores unidades terão três e quatro ambientes.

2. Prazos e licenças ambientais

As obras no primeiro distrito, chamado Gênesis, começarão assim que o +Colonia tiver as licenças ambientais do governo uruguaio. Bastitta disse em uma coletiva de imprensa que o Poder Executivo pediu “ampliações” de alguns estudos e estimou que as obras começariam no início de 2023, com os primeiros prédios prontos para entrega em 2025.

O ministro do Meio Ambiente do Uruguai, Adrián Peña, disse à Bloomberg Línea que o projeto foi classificado como um projeto do tipo B. De acordo com o website da Diretoria Nacional de Qualidade e Avaliação Ambiental (Dinacea), essa categoria abrange projetos que podem ter impactos ambientais significativos moderados, cujos efeitos negativos podem ser eliminados ou minimizados “através da adoção de medidas conhecidas e de facilmente aplicáveis”.

Peña também afirmou que algumas etapas do processo administrativo ainda não tinham sido concluídas. Uma vez feita a classificação do projeto, o procedimento continua com um pedido formal, um manifesto incluindo um relatório ambiental, uma eventual audiência pública se a Dinacea assim solicitar, e finalmente o governo adotaria a resolução.

3. Financiamento

O financiamento será orientado pela demanda, disse o responsável pelo projeto. Portanto, ele será obtido 80% com a pré-venda de unidades e 20% com capital próprio dos investidores.

Em seu discurso durante o lançamento, Bastitta destacou que as características do projeto exigirão que os bancos se adaptem a algumas características. “Temos uma necessidade urgente de crédito para incentivar a acessibilidade de um público jovem que não tem muitas economias. E uma dificuldade adicional é fornecer esses créditos”, disse.

Mais tarde, na conferência de imprensa, ele observou que um dos “grandes desafios” da relação com os bancos será o empréstimo a não residentes e recém-chegados. Ele também disse que, como uma cidade projetada para jovens sem grandes economias, a chave do sucesso será o acesso ao mercado de crédito.

4. Uma longa história

O terreno de 515 hectares com sete quilômetros de costa foi adquirido há 35 anos por Carlos Bastitta, pai do CEO da Plaza Logística e responsável pelo +Colonia. Anteriormente, havia iniciativas privadas para criar novos empreendimentos neste local adjacente ao Porto de Colonia, mas elas não prosperaram.

Por que, então, este projeto vai dar certo? A Bloomberg Línea consultou o governador de Colonia, Carlos Moreira.

“Há um importante grupo empresarial por trás do projeto, portanto, é necessário dinheiro. Não se trata apenas de ter uma ideia. Tenho a impressão, pelas pessoas que estão responsáveis, de que há uma base muito sólida para que isto comece a ser implementado o mais rápido possível, assim que receberem a licença ambiental”, respondeu ele. O governador também se mostrou confiante de que a licença será outorgada “o mais rápido possível”.

Moreira deixou claro que este não é um bairro privado e que as áreas comuns serão para uso público. Ele também enfatizou que a área da praia também será de livre acesso.

Os empresários que trabalham na iniciativa apontam que a chave para o sucesso do projeto está na cidade de Buenos Aires. A viabilidade dependerá de quantos argentinos, principalmente os jovens, o empreendimento conseguirá atrair para viver na cidade ou quantos deles estarão dispostos a pegar uma balsa todos os dias para atravessar o Rio de la Plata.

5. Para quem?

A criação de um novo centro urbano também implica um desafio populacional. O crescimento populacional do Uruguai está estagnado, ao passo que a cidade de Colonia, em particular, tem cerca de 60 mil habitantes. Os promotores do +Colonia focam em jovens argentinos e uruguaios do interior ansiosos para serem treinados em novas tecnologias.

“Há muitos argentinos que estarão vivendo perto do projeto. Há pesquisas que dizem que os jovens querem deixar o país, mas ao serem questionados se têm planos, a maioria diz que não por causa da família e dos amigos. Bem, estamos criando uma opção para que não precisem deixar o país para ter experiência”, disse Bastitta.

A primeira etapa será para 3 mil pessoas. Os incorporadores querem que 30 mil pessoas morem no local, gerar até 6 mil postos de trabalho e instalar 50 empresas.

O empresário comentou que a ideia é criar uma “conexão” entre as cidades, para gerar um fluxo natural de pessoas. Em relação a Buenos Aires, ele afirmou que dentro dos propósitos há também a possibilidade de incorporar distritos empresariais próximos à área portuária da capital argentina para facilitar a conexão dos funcionários com as quaisquer instalações do outro lado do Rio da Prata.

Mesmo assim, segundo ele, o Uruguai tem vantagens sobre a Argentina no que diz respeito ao acesso ao crédito.

O projeto +Colonia, que na Argentina é apoiado pela Eidico e Argencons, e no Uruguai pela Zonamerica, já anunciou algumas das empresas de tecnologia que estão dispostas a trabalhar na cidade. Entre eles estão a fintech Pomelo, a AuthO e a Agrotoken.

Haverá distritos corporativos, que podem ser adquiridos por uma única empresa para seus escritórios ou para que seus funcionários possam morar; distritos temáticos, por exemplo, para empresas e funcionários do setor fintech; e distritos genéricos, para o público em geral.

Além de residências e escritórios, a incorporação imobiliária incluirá empresas, lojas e instituições de ensino. Cada cidadão terá uma ficha que lhe permitirá votar nas decisões relativas ao uso do espaço público.

6. Transporte: a balsa

Os promotores do +Colonia também apontam o serviço de balsa entre Buenos Aires e Colonia como uma das chaves para o sucesso. O transporte é oferecido pelas empresas Buquebus e Colonia Express, e a urbanização implicaria tanto em um maior uso quanto em mudanças na aparência das embarcações. Anualmente, a frequência de uso é de 6 milhões de assentos.

Bastitta disse que, por exemplo, as embarcações teriam que adaptar seus espaços internos. Também mencionou que os primeiros 3 mil compradores terão entre 360 e 1.080 passagens gratuitas – dependendo do imóvel que comprarem – para fazerem o trajeto.

“O +Colonia tem uma complementaridade muito forte com um dos principais desenvolvimentos mundiais em tecnologia e talento. Não queremos que os jovens venham da Argentina para viver em +Colonia. Queremos que eles vivam entre as duas margens do rio”, disse Bastitta.

7. Impostos

O empresário argentino que lidera o +Colonia e a Plaza Logística considerou que o Uruguai tem “diferentes regimes fiscais muito atraentes”, e entre eles destacou a zona franca como “o mais atrativo”. Entretanto, ele também destacou uma lei de software para promover as exportações de serviços.

Mas do seu ponto de vista, ele afirmou “tem um regime faltando. Mais do que um regime excepcional e muito focado em algo específico, deve ser um regime amplo de promoção das atividades de exportação de serviços. Em particular visando promover a imigração”, disse.

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