Nova era dos carros elétricos cria disputa bilionária por investimentos

Em busca de projetos de novas fábricas que já superam US$ 50 bilhões no total, estados americanos concedem incentivos para atrair gigantes do setor automotivo

Ford f-150 Lightning
Por Gabrielle Coppola
22 de Outubro, 2022 | 08:06 AM
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Bloomberg — A governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, não ficou feliz. A Ford Motor (F), uma empresa cujo próprio nome é sinônimo de Detroit, acabava de anunciar que havia escolhido dois estados do sul, Tennessee e Kentucky, como locais para um projeto de veículos elétricos de US$ 11 bilhões.

Os dois estados haviam conquistado a Ford com incentivos enormes, e Whitmer sabia que Michigan precisava fazer mais para competir. Ela então pediu aos legisladores em uma carta em outubro de 2021 que colocassem “mais instrumentos em nossa caixa de ferramentas econômicas para atrair investimentos privados”.

Dois meses depois, os legisladores entregaram a ela um fundo de US$ 1 bilhão para subsídios corporativos. E um mês depois disso, Whitmer mergulhou fundo para obter um acordo gigante da General Motors (GM): uma fábrica de caminhões elétricos e uma fábrica de baterias de US$ 6,6 bilhões.

A generosidade de Michigan - e de Tennessee e Kentucky - foi possibilitada em parte por centenas de bilhões de dólares em ajuda federal injetada nos estados americanos como parte do Plano de Resgate do presidente Joe Biden.

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O dinheiro destinava-se a suavizar o golpe de um apocalipse fiscal induzido pela pandemia que nunca aconteceu. Em vez disso, deixou os estados cheios de dinheiro, acentuando uma concorrência feroz para ganhar os empregos automotivos do futuro e melhorando os resultados de empresas como Ford, GM e Panasonic Holdings, fornecedora de baterias da Tesla (TSLA) de Elon Musk.

Grandes empresas do setor automotivo aceleram investimentos para explorar nova era de carros elétricos (EV, na sigla em inglês)

Existe o risco de que o dinheiro distribuído em meio ao frenesi do desenvolvimento de carros elétricos não tenha destinação produtiva, como a fábrica de televisão altamente subsidiada do Foxconn Technology Group em Wisconsin que nunca se materializou.

Para combater esse risco, autoridades estaduais e locais que ajudam a financiar esse boom de carros elétricos dizem que buscaram proteções para impedir que os contribuintes sejam prejudicados. Mas os riscos estão ficando maiores: o custo por emprego permanente para alguns projetos é agora oito vezes a média vista há menos de uma década contando outros setores.

O hub da Ford no Tennessee custará cerca de US$ 414.000 para cada trabalho direto, Michigan está contribuindo com US$ 450.000 por trabalho da GM, enquanto a Geórgia se comprometeu a renunciar uma receita que equivale a US$ 212.000 por trabalho para ganhar megaprojetos da Rivian Automotive e da Hyundai Motor nos últimos dois anos , segundo dados compilados pela Bloomberg News.

O custo médio por emprego que contou com incentivos econômicos nos Estados Unidos foi de cerca de US$ 52.000 em 2015, medido em dólares de hoje, de acordo com um estudo de Tim Bartik, economista da W.E. Upjohn Institute for Employment Research em Kalamazoo, Michigan.

Competição e subsídio sem precedentes

Os estados competem entre si para atrair empresas desde pelo menos a Grande Depressão de 1929. Mas a escala e a ferocidade disso agora – para fábricas de veículos elétricos, fábricas de semicondutores e outros megaprojetos – são algo sem precedentes.

“Nunca vi o mesmo tipo de aumento de subsídios em todos os EUA acontecendo ao mesmo tempo”, disse Michael Farren, pesquisador sênior do Centro Mercatus da Universidade George Mason e crítico dos incentivos corporativos. “Está bem claro que há um fator de motivação externo, e esse fator é o fundo de ajuda do Plano de Resgate Americano.”

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As empresas que recebem incentivos economizaram em média 30% em impostos estaduais e municipais a partir de 2015, uma taxa que triplicou desde 1990, segundo o estudo da Bartik. O mesmo estudo descobriu que os incentivos não se correlacionam fortemente com os níveis de desemprego atuais ou passados dos estados, ou com o crescimento econômico futuro.

Para os céticos, que são muitos na academia e nos círculos políticos, esses subsídios são um mau uso dos recursos estatais que, de outra forma, poderiam ser destinados a hospitais ou escolas.

Os incentivos criam um efeito de corrida para o fundo, em que os governos locais tentam furiosamente se igualar em doações que geram recompensas não comprovadas. Há também uma questão de saber se as fábricas de veículos elétricos e de baterias empregarão tantas pessoas ou pagarão tão bem quanto os carros com motor de combustão, sem entrar no mérito aqui do combate ao aquecimento global.

“Os estados justificaram enormes pacotes de subsídios para as montadoras, em parte para capturar os empregos mais numerosos de upstream, mas esses empregos claramente vão encolher muito”, disse Greg Leroy, diretor executivo da Good Jobs First, que escreveu um relatório sobre o assunto.

Planos de US$ 50 bi em investimentos

Os US$ 350 bilhões que o Congresso reservou para estados e municípios em maio de 2021 coincidem com uma transformação da indústria automobilística que ocorre uma vez a cada século, à medida que as montadoras se preparam para aposentar o motor de combustão em favor da bateria.

Embora existam limites estritos sobre como os governos locais podem usar o dinheiro do alívio da Covid, a ajuda ajudou a liberar dinheiro para incentivos corporativos.

Linha de produção do Hummer elétrico em Detroit, na chamada Factory ZERO, que recebeu há alguns anos o maior investimento da GM em uma única planta, de US$ 2,2 bilhões

As divulgações financeiras variam de acordo com o estado, e alguns retêm dados a pedido de uma empresa ou para se manterem competitivos em relação a outros estados. Isso torna o quadro completo dos incentivos corporativos incompleto.

O que se sabe é que as montadoras globais e fabricantes de baterias estabelecidos anunciaram planos de investir pelo menos US$ 50 bilhões em pelo menos 10 estados para construir fábricas de montagem e baterias de veículos elétricos desde o início de 2021.

Os estados assumiram compromissos totalizando pelo menos US$ 10,8 bilhões para atrair esses investimentos, de acordo com uma contagem de incentivos divulgados publicamente pela Bloomberg News e pela Good Jobs First. Esse número quase certamente subestima o número real.

O hub de veículos elétricos que a Ford e o parceiro de baterias SK Innovation escolheram para instalar no Tennessee é um bom exemplo de como o custo total de um pacote de incentivos normalmente não é divulgado ao público.

A Blue Oval City, um local de 10 quilômetros quadrados a uma hora de carro a nordeste de Memphis, abrigará uma fábrica de montagem da nova picape F-150 elétrica e uma fábrica de baterias que, juntas, prometem criar 5.800 empregos. A construção vai gerar 33.000 empregos temporários; uma vez concluídas, as plantas gêmeas e seus fornecedores darão suporte a 27.000 posições diretas ou indiretas e adicionarão US$ 3,5 bilhões anualmente à economia do Tennessee, disseram autoridades estaduais.

Quando o projeto foi anunciado, as autoridades estaduais divulgaram uma doação em dinheiro de US$ 500 milhões a ser aprovada pela legislatura; reportagens da imprensa local mais tarde estimaram o custo em US$ 884 milhões.

Documentos contratuais obtidos pela Bloomberg News mostram que o valor do pacote é de pelo menos US$ 2,4 bilhões, que inclui incentivos fiscais, terras doadas, melhorias de infraestrutura e subsídios salariais de curto prazo do governo federal. Mas mesmo esse número pode não ser preciso - exclui um subsídio de eletricidade fornecido pela Tennessee Valley Authority, uma concessionária federal.

Autoridades do Tennessee disseram que o cálculo de incentivos da Bloomberg News é “enganoso” porque alguns investimentos em infraestrutura foram feitos anos antes e alguns dos custos de treinamento da força de trabalho são estimativas. Eles também argumentam que a nova receita do imposto predial, mesmo com alíquota reduzida, é mais do que os governos locais obteriam sem o projeto.

“A Blue Oval City será transformadora para o oeste do Tennessee”, disse Lindsey Tipton, porta-voz do departamento de desenvolvimento econômico do estado. “Para projetos futuros, ofereceremos subsídios, mas a um custo por trabalho muito menor e mais alinhado com um pacote de incentivos típico de nosso departamento.”

A Ford disse que sua decisão foi influenciada por muitos fatores além dos incentivos financeiros.

“As parcerias público-privadas são essenciais para que os Estados Unidos sejam líderes na transição global para veículos elétricos”, afirmou a empresa em comunicado.

Mesmo os estados que tentaram se afastar dos incentivos cederam à pressão para competir por empregos, disse Dennis Cuneo, ex-executivo da Toyota Motor (TM) e consultor local que ajudou as montadoras a escolher locais.

“Incentivos são como agentes livres [jogadores que ficam disponíveis no mercado para fechar contratos] no beisebol - ninguém gosta, mas você tem que contratar se quiser vencer”, disse ele.

Geórgia: incentivos são investimentos que fazemos

A Geórgia, que emergiu como grande vencedora na atual rodada de investimentos, conseguiu dois negócios de US$ 5 bilhões em veículos elétricos da Rivian e da Hyundai que prometem criar mais de 15.000 empregos. O estado ofereceu incentivos no valor de US$ 3,3 bilhões para ganhar os projetos.

O chefe econômico do estado, Pat Wilson, disse que a Geórgia compete ajudando as empresas a se moverem rapidamente com locais prontos para escavar e burocracia limitada, em vez de colocar mais dinheiro na mesa. Ele chamou o cálculo de incentivos por emprego da Bloomberg News de “terrivelmente enganoso” porque inclui incentivos fiscais na lei estadual que não são discricionários.

“Eu vejo os incentivos que colocamos na mesa de outra forma: como a Geórgia sendo um investidor parcial nesses projetos”, disse Wilson em entrevista. “Sabemos que a folha de pagamento para esses empregos e os benefícios que fornecem vão se espalhar e beneficiar a saúde de comunidades e famílias em todo o estado.”

- Com colaboração de Sean O’Kane, Mark Niquette, Keith Naughton e Rob Golum.

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