Como o setor tech tem driblado a falta de mão-de-obra qualificada

Brasil pode ter um déficit anual de 106 mil trabalhadores de tecnologia entre 2021 e 2025; país forma 53 mil novos profissionais por ano

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Bloomberg Línea — Pelo menos 797 mil novas vagas de trabalho no setor de tecnologias serão criadas no Brasil até 2025. Destas, estima-se que 532 mil não serão preenchidas. O motivo? Faltam profissionais.

Os números fazem parte das projeções da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais, a Brasscom. Mas este problema não é exclusividade do Brasil, uma vez que a transformação digital em ritmo acelerado tem tornando alguns trabalhos obsoletos ao longo do tempo - e claro, gerado novos.

Nos Estados Unidos, um estudo da The Computing Technology Industry Association, CompTIA, mostrou que o número de pessoas que trabalham com tecnologia nos próximos 10 anos pode crescer cerca do dobro da taxa emprego da economia americana.

No Brasil, um relatório da Brasscom de dezembro do ano passado estima que as empresas de tecnologia demandem 797 mil talentos de 2021 a 2025, com uma média de 159 mil empregos por ano. No entanto, diante do número de formandos aquém da demanda, a projeção é de um déficit anual de 106 mil talentos, ou 530 mil em cinco anos.

“É como se tivéssemos mais oportunidades do que gente para encaixar nessas oportunidades”, diz Rajesh Ganesan, presidente global da ManageEngine, divisão da indiana Zoho Corporation, que atua também no Brasil. “Estamos vendo um apagão dos funcionários de TI aqui no Brasil, embora exista um padrão ao redor do mundo. Em geral, tem ficado cada vez mais difícil para as empresas encontrar e reter talentos.”

Para Ganesan, o fato da localização não ser mais um impeditivo na hora de contratar tem aumentado a disputa por empresas de tecnologia do mundo todo, que agora competem basicamente pelos mesmos profissionais - porém, em diferentes moedas e modalidades de trabalho. “Não há mais barreiras. Estes profissionais podem escolher exatamente o que querem”, diz.

E este é um dos gargalos quando se trata de Brasil. “Existem pessoas hoje no Brasil trabalhando para empresas da Grã Bretanha e ganhando em libras, com custos em reais. Ou seja, é difícil concorrer”, diz Régis Ataídes, diretor de desenvolvimento de negócios da Siemens Software. Para ele, outro agravante para o mercado local é que a formação e capacitação de profissionais na área ainda é baixíssima.

O drible

Atualmente, apenas 53 mil pessoas são formadas por ano com perfil tecnológico no país, de acordo com o último levantamento da Brasscom.

“Temos um déficit estrutural de formação acelerado por uma pandemia. Além disso, a maioria das pessoas continuam estudando a mesma coisa que se estudava na década de cinquenta”, diz Matheus Goyas, que é CEO da Trybe, uma edtech que forma profissionais em TI e que já capacitou mais de 1.500 pessoas desde agosto de 2019, quando foi lançada.

A startup captou em uma rodada Série B US$ 27 milhões em outubro de 2021, dos fundos Base Partners e Untitled, com participação da Endeavor Scale Up Ventures, XP, Global Founders Capital, Verde, Luxor e Hans Tungm da GGV Capital, e US$ 21 milhões em suas rodadas seed e series A, em 2020, que contaram com Atlantico, Canary, Maya Capital, e outros.

Goyas conta que os alunos da Trybe têm uma média de 29 anos de idade e, em sua maioria, estão em transição de carreira. “Temos alunos em idades mais avançadas, reconstruindo suas carreiras ou iniciando outras”, diz. A formação oferecida pela edtech leva 12 meses e custa R$ 24.000,00.

Ataídes, da Siemens Software, diz que a projeção de crescimento de funcionários do setor nos próximos quatro para a empresa é de duas vezes e meia do número atual - o qual a empresa não revela. “Precisamos de gente. Não adianta fechar os olhos e achar que publicar uma vaga é suficiente para contratar”, diz.

Ele conta ainda que a empresa tem somado esforços para capacitar internamente seus funcionários na região, e que “todos os funcionários Siemens ao redor do mundo têm horas a cumprir de capacitação”.

Também está nos planos da empresa expandir o programa de capacitação para além das universidades, onde já se faz presente através de programas, softwares e workshops, para cursos técnicos, educação básica e a população mais vulnerável. “Nós trouxemos esse assunto novamente para a pauta porque o que estamos fazendo ainda não é suficiente para a demanda que temos”, diz.

Um levantamento da ManageEngine sobre o futuro do TI, que entrevistou 3.300 tomadores de decisão de organizações do setor privado em todo o mundo e no Brasil, mostrou que a falta de treinamento aparece como a principal barreira (49%) para o aproveitamento, nas empresas, das tecnologias atualmente em uso, seguida da falta de conhecimento técnico básico (48%).

Mas muito disso tudo ser uma novidade, há 17 anos, a empresa indiana iniciou seu programa de capacitação de estudantes em escolas do país, sendo que hoje 15% da força de trabalho da organização é decorrente destes programas. Uma vez que o curso é finalizado, os alunos podem se juntar à empresa ou procurar por um outro trabalho.

“Acreditamos é uma forma de retribuição à sociedade, mas é claro que há um interesse nisso. No fim, é tudo sobre pessoas, e as empresas têm responsabilidade nisso”, diz Ganesan, que afirma que “definitivamente” está nos planos da empresa replicar o mesmo modelo de capacitação em escolas da América Latina, em países como o México, Colômbia e Brasil.

“As empresas finalmente começaram a entender que precisam criar seus próprios talentos - e mantê-los”.

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