Opinión - Bloomberg

Desafios do Partido Conservador no Reino Unido vão muito além da queda de Truss

Com a renúncia da primeira-ministra britânica no governo mais curto da história do país, a tarefa de seu sucessor será restaurar o senso de competência

Primeira-ministra britânica renunciou ao cargo nesta quinta-feira (20), após apenas seis semanas no poder
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Na semana passada, corria uma aposta sobre quem duraria mais: uma alface ou o governo de Liz Truss. Nesta quinta-feira (20), a alface foi declarada vencedora em live nas redes sociais. Seis dias depois de demitir o ministro das Finanças Kwasi Kwarteng – junto com todo o seu programa econômico –, Truss disse ao rei e, depois, ao público que está renunciando. “Não consigo honrar os compromissos para os quais fui eleita.”

Truss provou ser inapta para o cargo, assim como alertado por seus muitos detratores quando membros do Partido Conservador a elegeram em detrimento de Rishi Sunak para liderar o país há 44 dias. Mas enquanto o partido elege seu quarto primeiro-ministro desde que David Cameron renunciou na esteira do Brexit, existe alguma confiança de que desta vez eles farão melhor?

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Seria preciso muito para fazer pior. Os defensores de Truss tentaram argumentar que seus primeiros erros se deveram a uma visão econômica ambiciosa, mas mal articulada, e cuja implementação foi desajeitada. Mas uma confusão de declarações políticas, demissões e renúncias, tudo isso nas últimas 24 horas, demonstrou certa disfunção em Downing Street.

Truss perdeu sua secretária do Interior, Suella Braverman, na quarta-feira (19) devido a uma violação do código ministerial ao usar seu e-mail particular, mas claramente também houve uma discussão política sobre imigração. Então, houve o caos no Parlamento por causa de um embargo do Partido Trabalhista para forçar uma votação sobre fracking - ou fraturamento hidráulico, método para extração de substâncias do solo.

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Os deputados conservadores estavam divididos entre apoiar seu próprio compromisso de proibir o método e uma ordem do governo para apoiarem a decisão de voltarem atrás nas políticas. Houve relatos de intimidação e uso da força. A confusão fez com que a líder da bancada Wendy Morton e seu deputado renunciassem e, em seguida, suspendessem a renúncia.

Mesmo aqueles que normalmente encarnam o famoso mantra keep calm caíram na descrença e no desespero. O desabafo do deputado Charles Walker viralizou. “Todo este caso é imperdoável; é uma lamentável reflexão do Partido Conservador em todos os níveis”, disse ele à BBC. “Estou farto de pessoas sem talento votando em causas não porque são do interesse nacional, mas porque é de seu próprio interesse pessoal alcançar uma posição ministerial.

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A frustração de Walker com a incompetência e o arrivismo indica problemas no Partido Conservador que se estendem além dos problemas com Truss. As discussões sobre o Brexit levaram inegavelmente a um esvaziamento do partido que governa desde 2010. Boris Johnson se desfez de muitos ministros e legisladores experientes. Truss seguiu Johnson, ignorando os céticos até que as represálias do mercado a forçaram a nomear Jeremy Hunt como seu ministro das Finanças.

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A experiência dos últimos anos sugere que toda a abordagem para selecionar ministros e avaliar as escolhas favorece aqueles que afirmam conseguir prever resultados e controlar eventos em detrimento daqueles que reconhecem a complexidade e o preço da escolha. Posições ideológicas também costumavam gerar um debate sério.

As consequências de questionar a ortodoxia são brutais. Sunak, ferrenho apoiador do Brexit original, foi ignorado por este grupo por reclamar das recomendações econômicas de Truss. Aqueles que acreditam nas políticas liberais clássicas – incluindo governos menores e impostos mais baixos – deveriam ficar furiosos; graças à má administração de Truss, eles receberam a pecha de libertários radicais, suas ideias foram ridicularizadas, e suas vozes, abafadas por, quem sabe, uma geração inteira.

Se há uma última chance para os conservadores, certamente é esta. Truss anunciou que uma nova eleição de liderança será concluída em uma semana, o que sugere que o partido tentará se unificar em torno de um candidato, em vez de dois, como as regras do partido exigem se não houver um único candidato consensual. O período é excepcionalmente curto para escolher um líder, mas o partido teve uma eleição há poucos meses, então os candidatos já foram bem analisados.

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A aposta é em Sunak – ainda ressentido pelos apoiadores de Johnson – e Penny Mordaunt, popular entre os parlamentares e o público e com ótimo desempenho parlamentar, mas com menos experiência governamental de peso.

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Hunt aparentemente se retirou da corrida e deve continuar como chanceler. Outros concorrentes da última eleição, incluindo Braverman ou até mesmo Johnson, recentemente expulso do partido, podem ameaçar a atrasar ainda mais as coisas e, assim, espera-se um intenso quid pro quo nos próximos dias.

É difícil não melhorar a situação, mas quem substituir Truss terá um tempo muito curto para resgatar um senso de competência, coerência e missão de governo. A primeira tarefa deve ser dar o tom. Isso significa finalmente acabar com o pensamento simplista que levou ao impasse ideológico recente.

Para ter sucesso novamente, o Partido Conservador precisa facilitar mais conversas entre suas diferentes alas e ver isso representado no governo.

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Embora a redução da carga tributária deva continuar sendo um plano para o futuro, quando as finanças públicas assim permitirem, o governo precisará ser criativo sobre as formas de incentivar o investimento e o crescimento.

Isso deve significar uma discussão aberta sobre imigração, considerando o apertado mercado de trabalho britânico, e a resolução de tensões com a Europa sobre a Irlanda do Norte para uma colaboração mais estreita e a reconstrução dos laços comerciais. Lidar com a realidade do Brexit significa, pelo menos, reconhecer seus custos econômicos.

O próximo primeiro-ministro pode ter mais do que os 44 dias de Truss – o governo mais curto da história britânica – para deixar sua marca. Mas, a menos que os conservadores consigam articular uma visão convincente do que eles representam, os eleitores não os apoiarão nas próximas eleições.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Therese Raphael é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre saúde e política britânica. Foi editora da página editorial do Wall Street Journal Europe.

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