Desafios do Partido Conservador no Reino Unido vão muito além da queda de Truss

Com a renúncia da primeira-ministra britânica no governo mais curto da história do país, a tarefa de seu sucessor será restaurar o senso de competência

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Bloomberg Opinion — Na semana passada, corria uma aposta sobre quem duraria mais: uma alface ou o governo de Liz Truss. Nesta quinta-feira (20), a alface foi declarada vencedora em live nas redes sociais. Seis dias depois de demitir o ministro das Finanças Kwasi Kwarteng – junto com todo o seu programa econômico –, Truss disse ao rei e, depois, ao público que está renunciando. “Não consigo honrar os compromissos para os quais fui eleita.”

Truss provou ser inapta para o cargo, assim como alertado por seus muitos detratores quando membros do Partido Conservador a elegeram em detrimento de Rishi Sunak para liderar o país há 44 dias. Mas enquanto o partido elege seu quarto primeiro-ministro desde que David Cameron renunciou na esteira do Brexit, existe alguma confiança de que desta vez eles farão melhor?

Seria preciso muito para fazer pior. Os defensores de Truss tentaram argumentar que seus primeiros erros se deveram a uma visão econômica ambiciosa, mas mal articulada, e cuja implementação foi desajeitada. Mas uma confusão de declarações políticas, demissões e renúncias, tudo isso nas últimas 24 horas, demonstrou certa disfunção em Downing Street.

Truss perdeu sua secretária do Interior, Suella Braverman, na quarta-feira (19) devido a uma violação do código ministerial ao usar seu e-mail particular, mas claramente também houve uma discussão política sobre imigração. Então, houve o caos no Parlamento por causa de um embargo do Partido Trabalhista para forçar uma votação sobre fracking - ou fraturamento hidráulico, método para extração de substâncias do solo.

Os deputados conservadores estavam divididos entre apoiar seu próprio compromisso de proibir o método e uma ordem do governo para apoiarem a decisão de voltarem atrás nas políticas. Houve relatos de intimidação e uso da força. A confusão fez com que a líder da bancada Wendy Morton e seu deputado renunciassem e, em seguida, suspendessem a renúncia.

Mesmo aqueles que normalmente encarnam o famoso mantra keep calm caíram na descrença e no desespero. O desabafo do deputado Charles Walker viralizou. “Todo este caso é imperdoável; é uma lamentável reflexão do Partido Conservador em todos os níveis”, disse ele à BBC. “Estou farto de pessoas sem talento votando em causas não porque são do interesse nacional, mas porque é de seu próprio interesse pessoal alcançar uma posição ministerial.

A frustração de Walker com a incompetência e o arrivismo indica problemas no Partido Conservador que se estendem além dos problemas com Truss. As discussões sobre o Brexit levaram inegavelmente a um esvaziamento do partido que governa desde 2010. Boris Johnson se desfez de muitos ministros e legisladores experientes. Truss seguiu Johnson, ignorando os céticos até que as represálias do mercado a forçaram a nomear Jeremy Hunt como seu ministro das Finanças.

A experiência dos últimos anos sugere que toda a abordagem para selecionar ministros e avaliar as escolhas favorece aqueles que afirmam conseguir prever resultados e controlar eventos em detrimento daqueles que reconhecem a complexidade e o preço da escolha. Posições ideológicas também costumavam gerar um debate sério.

As consequências de questionar a ortodoxia são brutais. Sunak, ferrenho apoiador do Brexit original, foi ignorado por este grupo por reclamar das recomendações econômicas de Truss. Aqueles que acreditam nas políticas liberais clássicas – incluindo governos menores e impostos mais baixos – deveriam ficar furiosos; graças à má administração de Truss, eles receberam a pecha de libertários radicais, suas ideias foram ridicularizadas, e suas vozes, abafadas por, quem sabe, uma geração inteira.

Se há uma última chance para os conservadores, certamente é esta. Truss anunciou que uma nova eleição de liderança será concluída em uma semana, o que sugere que o partido tentará se unificar em torno de um candidato, em vez de dois, como as regras do partido exigem se não houver um único candidato consensual. O período é excepcionalmente curto para escolher um líder, mas o partido teve uma eleição há poucos meses, então os candidatos já foram bem analisados.

A aposta é em Sunak – ainda ressentido pelos apoiadores de Johnson – e Penny Mordaunt, popular entre os parlamentares e o público e com ótimo desempenho parlamentar, mas com menos experiência governamental de peso.

Hunt aparentemente se retirou da corrida e deve continuar como chanceler. Outros concorrentes da última eleição, incluindo Braverman ou até mesmo Johnson, recentemente expulso do partido, podem ameaçar a atrasar ainda mais as coisas e, assim, espera-se um intenso quid pro quo nos próximos dias.

É difícil não melhorar a situação, mas quem substituir Truss terá um tempo muito curto para resgatar um senso de competência, coerência e missão de governo. A primeira tarefa deve ser dar o tom. Isso significa finalmente acabar com o pensamento simplista que levou ao impasse ideológico recente.

Para ter sucesso novamente, o Partido Conservador precisa facilitar mais conversas entre suas diferentes alas e ver isso representado no governo.

Embora a redução da carga tributária deva continuar sendo um plano para o futuro, quando as finanças públicas assim permitirem, o governo precisará ser criativo sobre as formas de incentivar o investimento e o crescimento.

Isso deve significar uma discussão aberta sobre imigração, considerando o apertado mercado de trabalho britânico, e a resolução de tensões com a Europa sobre a Irlanda do Norte para uma colaboração mais estreita e a reconstrução dos laços comerciais. Lidar com a realidade do Brexit significa, pelo menos, reconhecer seus custos econômicos.

O próximo primeiro-ministro pode ter mais do que os 44 dias de Truss – o governo mais curto da história britânica – para deixar sua marca. Mas, a menos que os conservadores consigam articular uma visão convincente do que eles representam, os eleitores não os apoiarão nas próximas eleições.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Therese Raphael é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre saúde e política britânica. Foi editora da página editorial do Wall Street Journal Europe.

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