Bloomberg Opinion — Durante boa parte do ano, os consumidores dos Estados Unidos se esforçaram para enfrentar o choque recorrente dos preços nos supermercados, pagando relutantemente pelas marcas de renome e às vezes mudando para opções mais baratas em vez de ir para casa de mãos vazias. Mas a rebelião dos consumidores contra a inflação está chegando, e os gastos devem passar por uma frenagem.
O percentual de consumidores incomodados com os preços que desistiram das compras em vez de concluí-las subiu de 8,7% em agosto para 9,9% em setembro, de acordo com os dados da pesquisa da Morning Consult realizada com 2,2 mil adultos americanos, ponderados de forma a refletir as categorias de produtos no índice de preços ao consumidor. Muitos consumidores continuaram fazendo trocas por produtos mais econômicos.
Os números sugerem que o quarto trimestre pode ser um ponto de inflexão para os gastos dos consumidores. Nos últimos meses, uma média ponderada dos índices de Sensibilidade a Preços e Substituibilidade invertidos – juntamente denominados Barômetro do Poder de Compra do Consumidor – ajudou a prever os movimentos nas vendas reais no varejo e os gastos reais de consumo pessoal. Neste caso, os números indicam novos declínios ajustados pela inflação a partir de outubro.
A economia de consumo dos EUA passou a parecer vulnerável desde que o Federal Reserve começou a aumentar as taxas de juros para conter a inflação mais alta dos últimos 40 anos. No entanto, os gastos das famílias têm desafiado os pessimistas.
Brian Moynihan, CEO do Bank of America (BAC), disse na segunda-feira (17) que os consumidores “continuam resistentes com, níveis de gastos altos, mas crescendo mais lentamente, e ainda mantiveram altos níveis de depósitos”. Eles acumularam economias durante a pandemia e agora possuem o orçamento para assumir novas dívidas se necessário. Os salários reais dos trabalhadores realmente diminuíram, mas o mercado de trabalho continua tão movimentado que a maioria das pessoas não teme pelo seu sustento.
O resultado final é que as pessoas estão começando a economizar mais. Por exemplo, as vendas de restaurantes por cliente parecem estar com dificuldades para acompanhar a inflação da área no índice de preços ao consumidor, de acordo com dados mensais de transações da Bloomberg Second Measure. Após um frenesi pela reabertura após o primeiro ano da pandemia, o crescimento das vendas normalizou no início deste ano e agora pode estar caindo em uma base real, já que os consumidores estão optando por comer em casa.
Um pouco mais surpreendentes são os sinais de que os gastos nos supermercados podem não estar acompanhando o ritmo da inflação.
Os custos também estão aumentando para as empresas, portanto as margens de lucro naturalmente diminuirão se elas não conseguirem repassar os custos mais altos aos consumidores. No entanto, os analistas de Wall Street continuaram emitindo perspectivas otimistas para as empresas do S&P 500 (SPX), incluindo as empresas vulneráveis de consumo discricionário. As estimativas consensuais dos analistas sugerem que os lucros trimestrais se estagnarão.
Então quer dizer que os consumidores e Wall Street terão uma surpresa ruim nos próximos meses e trimestres?
Scott Brave, o chefe da análise econômica que criou o Barômetro do Poder de Compra do Consumidor da Morning Consult com a analista econômica Kayla Bruun, acredita que os dados podem estar de fato sinalizando um ponto de inflexão. “Se esta tendência continuar como vimos nos últimos dois meses, o crescimento dos gastos pessoais chegará ao ponto em que vamos falar não apenas de crescimento lento, mas de possíveis quedas”, disse em entrevista por telefone. “É um sinal de alerta”. Ele observou que a aversão ao choque dos preços que inicialmente afetava principalmente os hábitos das famílias de baixa renda está agora aparecendo em todas as faixas de renda.
O processo não é totalmente inconsistente com o “soft landing” – talvez algum tipo de desaceleração ou recessão superficial – desde que o consumo continue em sua trajetória atual e a inflação se modere, dando ao Fed margem de manobra para encerrar o aumento das taxas de juros. Mas segundo Brave, o risco é que a economia de consumo pode estar começando a parecer instável o suficiente a ponto de ter dificuldades para resistir a outro choque.
Em última análise, é impossível saber de onde esse choque pode vir, mas com a guerra na Ucrânia, o crescimento desacelerando na Europa e na China, e os mercados financeiros tensos em todo o mundo, qualquer um que esteja apostando na resiliência do consumidor deve se preparar para o pior.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Jonathan Levin trabalhou como jornalista da Bloomberg na América Latina e nos EUA, cobrindo finanças, mercados e fusões e aquisições. Mais recentemente, ele atuou como chefe da sucursal da empresa em Miami. Ele é analista financeiro certificado pelo CFA Institute.
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