Bloomberg Opinion — Nos Estados Unidos, especialistas preveem que uma onda de eleitoras indignadas com a recente decisão da Suprema Corte sobre o fim do direito ao aborto em nível nacional ajudará os democratas a manter o controle do Senado, e quem sabe até da Câmara. Eles podem até estar certos, mas um olhar mais atento sobre a direita na Europa deveria ser um sinal para estrategistas democratas.
Em toda a Europa e no Reino Unido, as mulheres e as minorias estão chegando cada vez mais ao topo dos partidos de extrema-direita.
A próxima primeira-ministra italiana será Giorgia Meloni, líder do Irmãos de Itália, partido com raízes fascistas. A primeira-ministra britânica, Liz Truss, se imagina como uma versão ainda mais dura de Margaret Thatcher, embora até agora com pouco sucesso. O partido Rassemblement National, de Marine Le Pen, é agora o maior grupo de oposição na Assembleia Nacional da França.
O gabinete de Truss também conta com uma quantidade impressionante de funcionários de ascendência sul-asiática ou africana, incluindo o ex-ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, cujos pais se mudaram de Gana para o Reino Unido. O gabinete do Partido Trabalhista, por sua vez, inclui apenas uma pessoa não branca: David Lammy, que supervisiona os Assuntos Estrangeiros e do Commonwealth.
Como nos EUA, os partidos de esquerda na Europa e no Reino Unido se orgulham de defender grupos minoritários. Então, por que tantos políticos notáveis desses grupos gravitam para a direita?
Em parte, eles parecem ter sido atraídos pelas mensagens populistas da direita. Eles acreditam que representam o povo comum e são hostis, pelo menos em sua retórica, às elites urbanas e instruídas.
Meloni cresceu em uma área com predominência da classe trabalhadora em Roma. Seu pai abandonou a família e posteriormente foi condenado à prisão. Truss se orgulha de sua educação escolar pública, ao contrário de muitos políticos conservadores britânicos (mas não Thatcher) que frequentavam escolas particulares caras. Embora Le Pen venha de uma família política abastada, ela passou muito tempo no norte industrial da França, onde afirma se sentir mais em casa.
Mulheres e minorias que ingressam na política de direita também tendem a insistir na ideia de que trabalharam duro para superar as barreiras sociais e esperam que outros façam o mesmo. Essas afirmações são, por vezes, não muito sinceras.
Truss é filha de um professor de matemática. O único obstáculo social que Le Pen teve que superar foi a mancha das tendências fascistas de seu pai. E Kwarteng estudou em Eton, Cambridge e Harvard. Ainda assim, este não é um ponto de vista desconhecido. Muitas vezes, os imigrantes e outras minorias que têm sucesso gostam de atribuir sua ascensão ao mérito pessoal e ao trabalho árduo. Mas podem apresentar uma tolerância limitada para pessoas que não trilharam o mesmo caminho.
Os imigrantes mais velhos também nem sempre são receptivos aos recém-chegados. Uma vez que as pessoas saem da pobreza relativa em áreas fortemente imigradas para subúrbios mais ricos e seus filhos se juntam às classes médias altas, suas políticas muitas vezes mudam para a direita. Não foi à toa que muitos asiáticos do sul do continente votaram a favor do Brexit, atraídos pela oposição dos conservadores a uma política de imigração mais generosa.
As exceções a essa regra, pelo menos nos EUA, foram os judeu-americanos, que na maioria das vezes permaneceram democratas. Isso se deve provavelmente a uma desconfiança instintiva de qualquer indício de nativismo, crença que não foi muito gentil para os judeus. Mas até os judeus foram pouco gentis com os recém-chegados no passado, notadamente aos judeus mais pobres e menos instruídos da Europa Oriental, que eles temiam que causassem problemas aos cidadãos mais estabelecidos.
Tudo isso representa um desafio para os partidos de esquerda que contam com o apoio de mulheres e de pessoas não brancas. Uma importante parte do problema é ideológica. Os progressistas tendem a tratar as minorias como vítimas sociais e econômicas que precisam ser auxiliadas pelo Estado. O pensamento é que as pessoas menos privilegiadas precisam de tratamento preferencial para serem bem sucedidas.
Como os partidos progressistas dependem cada vez mais de elites urbanas altamente instruídas e menos de sindicatos e trabalhadores industriais, esse tipo de pensamento se tornou mais predominante. Os líderes sindicais lutaram pelos direitos e por melhores condições para trabalhadores. A ideologia de esquerda hoje está mais preocupada em combater o preconceito contra as minorias raciais e sexuais.
É claro que combater o preconceito é algo bom. E dar às vítimas de racismo melhores oportunidades na educação e em outras áreas da vida é louvável. Mas há um risco político de que as minorias reajam mal ao que é visto como condescendência. As pessoas não gostam necessariamente de ser tratadas como vítimas. O tratamento preferencial pode ser ressentido quando resulta da culpa entre os mais privilegiados.
Isto, além do conservadorismo social sobre questões sexuais e religiosas, é um motivo pelo qual cada vez mais latinos e até negros nos EUA votaram em Donald Trump, pelo qual o gabinete conservador britânico está cheio de mulheres e pessoas não brancas, e pelo qual as mulheres lideram a extrema direita na Itália e na França. A esquerda não pode mais tomar como certo o apoio de minorias. Se não aprenderem esta lição, a extrema-direita está fadada a ficar mais forte.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Ian Buruma é professor de direitos humanos na Bard College. Seu livro mais recente é “The Churchill Complex”.
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