Por que a maior roda-gigante da América Latina se tornou alvo de disputa em SP

Projeto do governo paulista com 91 metros de altura fica às margens do rio Pinheiros, em São Paulo, gerou questionamentos sobre exploração de publicidade

Simulação de como ficará a Roda Gigante São Paulo, às margens do Rio Pinheiros, na zona oeste de São Paulo; equipamento deve ser inaugurado em dezembro e terá gestão privada
16 de Outubro, 2022 | 08:28 AM

São Paulo — A cidade de São Paulo deve ganhar um novo ícone em sua paisagem urbana, a fim de ampliar as opções de lazer e fomentar o turismo na capital paulista. Recentemente, foi concluída a montagem do aro da roda-gigante de 91 metros de altura e 80 metros de diâmetro, com 42 cabines. Quando for inaugurada, o que é previsto para dezembro, a Roda SP será a maior da América Latina, segundo seus idealizadores.

O projeto apresentado pelo escritório Levisky Arquitetos faz parte do plano de revitalização do rio Pinheiros e já foi alvo de duas ações populares na Justiça e de questionamentos por parte de especialistas em urbanismo, que criticam, entre outros pontos, a entrega do equipamento para a gestão da iniciativa privada e o possível uso do espaço para ações de publicidade.

A empresa SPBW (São Paulo Big Wheel), vencedora da concorrência pública realizada pelo governo de São Paulo em 2020, ainda não divulgou o valor do ingresso a ser cobrado para um passeio de no mínimo 25 minutos. A roda-gigante está posicionada dentro do parque Candido Portinari, ao lado do Villa-Lobos, na zona oeste, ocupando uma área correspondente a 3% do parque.

Segundo o projeto, cada cabine comportará até 10 pessoas e terá ar-condicionado, monitoramento por câmeras, interfones, wi-fi, som e luzes. O equipamento pesa 700 mil quilos. O volume total de aço utilizado foi de 1.000 toneladas, com o insumo importado de países asiáticos.

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“As rodas-gigantes deixaram de ser simples brinquedos e passaram a ser atrações turísticas em diversas cidades do mundo. Acreditamos que a roda-gigante de São Paulo terá o mesmo impacto”, disse Marcelo Mugnaini, diretor de operações da Roda SP, à Bloomberg Línea.

Ele prevê que a estrutura deve receber entre 600 mil e 1 milhão de visitantes por ano, cerca de 10% do atual público frequentador dos parques estaduais vizinhos Candido Portinari e Villa-Lobos. Em comparação, a London Eye é uma das atrações mais visitadas da capital britânica, com cerca de 3,5 milhões de frequentadores por ano, segundo a SPBW.

Naming rights

Mugnaini afirma que o contrato firmado com o governo do Estado permite o patrocínio de empresas por meio de um acordo de naming rights. " O processo está em desenvolvimento e em breve vamos apresentar ao mercado”, afirma o executivo.

Exibir a marca de uma empresa nesse tipo de atração tem se tornado frequente no Brasil. O iFood, aplicativo de entrega de comida, já associou sua marca a uma roda-gigante instalada, no ano passado, no parque do Ibirapuera, em São Paulo, enquanto o Itaú Unibanco, maior banco privado do país, patrocinou o equipamento usado no festival de música Rock in Rio, na capital fluminense, neste ano.

A SPBW não divulgou os nomes das empresas interessadas em patrocinar a Roda SP.

Quando o projeto foi aprovado em 2020 na Comissão de Proteção da Paisagem Urbana (CPPU), da Prefeitura, havia a determinação de que o equipamento não poderia receber nenhum tipo de propaganda. O placar foi de seis votos a favor, um contra e duas abstenções.

Veja como foi a aprovação do projeto Roda SP em comissão da Prefeitura:

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A SPBW é uma sociedade de fim específico que tem entre seus sócios a Interparques Holding, empresa de Santa Catarina. Fundada em 2012, ela é a responsável pela FG Big Wheel, uma roda-gigante com 65 metros de altura de frente para o mar em Balneário Camboriú (Santa Catarina).

Além disso, o Interparques Holding criou e administra uma nova atração, o Alles Park, um parque temático localizado na cidade catarinense de Pomerode, em uma área de 5.000 metros quadrados.

Sobre o custo de manutenção da Roda SP, o diretor da SPBW disse que só terá os números reais com o funcionamento do empreendimento.

Segundo a empresa, no total, cerca de 200 trabalhadores estão envolvidos na construção e montagem. “A operação do empreendimento, quando pronto, também deve gerar 80 empregos diretos e outras 80 posições de trabalho indiretas”, disse Mugnaini.

Atrasos na construção

O início de operação havia sido inicialmente previsto para dezembro de 2021, mas houve atrasos no fornecimento do aço no mercado internacional, segundo a empresa.

A roda é do tipo estaiada, ou seja, unida por estais (cabos de suspensão), similar a uma roda de bicicleta. Segundo a SPBW, esse tipo de estrutura permite a construção de rodas gigantes de grandes diâmetros, com melhor integração à paisagem.

O parque Candido Portinari foi escolhido para abrigar o equipamento por estar localizado em um dos principais acessos da cidade, em uma área ampla e privilegiada com visão dos parques, do rio Pinheiros e da USP (Universidade de São Paulo), segundo a SPBW.

Segundo a empresa, a invenção da roda-gigante é atribuída a George Washington Gale Ferris Jr., um engenheiro americano, para a World’s Columbian Exposition em Chicago de 1893. Ele tinha a pretensão de rivalizar com a Torre Eiffel, ícone de Paris, proporcionando contemplação e diversão, uma experiência que simulasse a visão dos pássaros (visão panorâmica) de toda a cidade.

Críticas

A professora Viviane Manzione Rubio, doutora pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, votou contra o projeto na CPPU.

“A roda chega antes da despoluição do rio. Seria mais útil para a cidade implantar um parque linear, um instituto de pesquisas ambientais. Este projeto é deslocado, desconexo. É meio propaganda, me aflige em uma cidade que precisa de milhares de outros equipamentos antes de um de diversão”, afirmou.

Membros da comissão favoráveis ao empreendimento e a arquiteta Adriana Levisky, que defendeu o projeto, destacaram os esforços do governo paulista de despoluir o manancial e de revitalizar a região, com benefícios para segmentos do comércio e serviços, como gastronomia, turismo e mobilidade, além das contrapartidas sociais e educacionais, como visitas de alunos de escolas públicas ao parque.

“Acho o projeto interessante, pois nos dá a possibilidade de ter uma vista de cima para entender o traçado urbano, entender as construções da cidade”, disse a presidente da CPPU, Regina Monteiro, que votou a favor da Roda SP, mas sem que haja exploração comercial de publicidade.

Procurada pela reportagem para comentar esse ponto, a assessoria da SPBW enviou à Bloomberg Línea a seguinte resposta: “Entendemos que não é vetada a publicidade pela CPPU. O que precisamos é ter a aprovação de como ela será feita seguindo as regras. Senão, nenhuma empresa poderia divulgar o seu nome na fachada, certo? Inclusive a marca ficará no prédio, e não na roda em si”.

Concessão

A concorrência pública da Roda SP realizada pelo governo do Estado de São Paulo em 2020, que resultou na escolha da SPBW, foi anterior à concessão dos dois parques estaduais (Candido Portinaria e Villa-Lobos) para grupo privado Reserva Novos Parques Urbanos, que assumiu esses espaços neste ano com o compromisso de promover investimentos mínimos de R$ 46 milhões nos primeiros cinco anos, como o aumento da oferta de serviços, reformas, zeladoria, corte do mato, entre outras ações.

“No contrato com a nova administradora do parque foi estabelecida a manutenção do equipamento, bem como a destinação dos valores recebidos de outorga – R$ 170 mil em valores atualizados ou 10% da renda – para a conta centralizadora da concessão na qual todas as receitas da área são divididas. Conforme previsto em edital, do total, 3% desta outorga é destinada ao poder concedente”, informou a SPBW.

Por ter sido lançado no início da pandemia da covid-19, o projeto acabou virando alvo de uma ação popular, movida por um deputado estadual, sustentando que não havia interesse público no equipamento e que a Roda SP provocaria aglomerações (época da pandemia), entre outros pontos criticados.

Outro questionamento também foi feito no Judiciário paulista. A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo informou, por meio de sua assessoria, ter ciência das duas ações populares e que uma delas já foi derrubada na Justiça, descartando o risco de revés ao projeto.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.