Vender por dinheiro ou virar sócio? Negócio em educação expõe dilema de startups

David Peixoto, co-fundador da isaac, explica à Bloomberg Línea o negócio em que a Arco adquiriu os 75,1% da fintech que não possuía

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Bloomberg Línea — A compra de 75,1% da fintech isaac pela Arco Educação (ARCE) na semana passada foi vista pelo mercado como um down round da avaliação que a startup tinha recebido com rodadas de captação. Ou seja, uma operação que reduziu o seu valor. Não houve dinheiro envolvido, apenas troca de ações. O valuation equivalente da Isaac foi de cerca de US$ 180 milhões, segundo David Peixoto, co-fundador da startup.

O negócio chamou a atenção da indústria de startups e VCs por envolver duas das mais promissoras empresas do setor de educação, uma das quais, a Arco, já listada na Nasdaq.

A isaac havia anunciado uma rodada Série B de US$ 125 milhões em novembro de 2021, liderada pela General Atlantic. O investimento foi dividido em duas parcelas: US$ 43 milhões no momento e US$ 83 milhões no futuro, sem condições de exigência, porque a isaac não precisava de caixa.

É um capital que pode não mais ser necessário. Se a compra proposta pela Arco for aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a segunda parcela será cancelada a pedido da isaac. Mas, se não receber o aval, o dinheiro chegará conforme planejado anteriormente.

Com a transação, que garante à Arco 100% da fintech (ela já tinha 24,9%), os acionistas da isaac vão receber aproximadamente 10,4 milhões de ações da Arco, o equivalente a 15,8% da participação acionária da empresa listada na Nasdaq (1 milhão de ações em tesouraria e 9,4 milhões de novas ações da Arco).

O acordo representou uma diluição de 14,2% para os atuais acionistas da Arco. Não significou liquidez instantânea para os sócios da isaac, agora sujeitos a um período de lock-up (em que não podem vender suas ações) por três anos. Eles terão 1/3 de suas ações liberadas a cada ano.

A Arco estima que as receitas da isaac devem crescer cerca de 85% com margem EBITDA de -10% em 2023 e que a fintech deve consumir caixa até 2024. A startup tem posição líquida de caixa de R$ 245,5 milhões, o que a Arco considera “suficiente para financiar as operações da isaac, sem necessidade de captações adicionais”.

Para os analistas Daniel Federle e Victor Ricciuti, do Credit Suisse, no entanto, pagar com ações o excesso de caixa da isaac acaba implicando em um aumento de patrimônio a um baixo valor por ação da Arco - o papel está em patamar cerca de 80% menor em relação ao pico do começo de 2020.

Para o co-fundador da isaac, sob sua perspectiva, o valuation seria mais importante para ser observado se a transação envolvesse troca de ação por dinheiro e significasse abrir mão da empresa.

“Neste caso não houve nenhuma transação monetária, foi 100% troca de ações. É muito mais correto, na nossa leitura, olhar para o valor relativo das empresas.”

“Por exemplo, há dois meses, a Arco estava com avaliação 70% a mais do que tem hoje [a diferença chegou a 64% no último dia 30]. É estranho você imaginar que essa empresa perdeu tanto valor em 45 dias [veja gráfico abaixo], até porque o movimento macro já aconteceu, foi completamente por volatilidade”, disse Peixoto à Bloomberg Línea.

“Se tivéssemos anunciado a transação exatamente na mesma proporção um mês e meio atrás, teríamos uma percepção do mercado de alto potencial criado. Só que pegamos um momento de vale.”

A isaac é uma fintech que oferece “receita garantida” para escolas particulares de ensino fundamental e médio do Brasil. Por meio de um software, a startup faz a gestão do faturamento e cobranças de mensalidades, digitalizando pagamentos que, em boa parte das escolas brasileiras, ainda são feitos por boletos. Em agosto deste ano, a Isaac teve R$ 188 milhões em receita recorrente anual.

Antes do negócio, os sócios-fundadores da isaac tinham 35,7% da companhia. A Arco detinha 24,9% porque, em agosto de 2020, investiu na rodada Seed da startup e, em fevereiro do ano passado, na Série A. A General Atlantic tinha 21,1%; a Kaszek, 11,7%; o SoftBank, 4,5%; e outros acionistas, 1,9%.

A Kaszek afirmou à Bloomberg Línea que apoiou a decisão dos fundadores pelo acordo com a Arco e está otimista na combinação dos negócios no longo prazo.

O SoftBank não respondeu um pedido de comentário da Bloomberg Línea até o momento e a General Atlantic disse que não vai comentar.

O racional do negócio

Peixoto disse que, se o acordo tivesse sido em dinheiro, nenhum sócio teria vendido a startup. “Individualmente, a isaac foi avaliada a 25% do valor da Arco, uma empresa que tem quase 40% de margem e cresce mais de 30% ao ano”, disse. “Quando os juros estavam baixos, a Arco chegou a valer US$ 3 bilhões. Se tivéssemos feito a transação naquele momento, teríamos um valuation super expressivo.”

Daqui a dois meses, quando a transação for concluída, pode ser que o papel suba novamente e o valor implícito da isaac seja outro, segundo Peixoto.

Ele explicou que a decisão de juntar a empresa com a Arco não se deu por causa da dificuldade de captar em rodadas privadas, mas, sim, porque os negócios são complementares.

“A Arco é uma plataforma de conteúdo para as escolas, que ajuda na parte pedagógica da escola, que tem 9.000 instituições pelo Brasil. A isaac construiu uma plataforma que olha para a parte administrativa e financeira da escola. Temos o mesmo cliente com soluções complementares”, disse Peixoto.

Para as empresas, segundo ele, faz sentido juntar o lado pedagógico com o administrativo e o financeiro em uma plataforma integrada. Para a Isaac, que tem 900 escolas como clientes, o ganho de acesso à base da Arco é grande e com pouca redundância.

“Se eu posso usar essa base de relacionamento e a plataforma pedagógica que a Arco já tem construída há anos para oferecer os meus produtos isaac, tenho a possibilidade de multiplicar por 10 o meu crescimento com um canal de distribuição proprietário”, disse Peixoto.

Aposta no futuro

Foi acordada uma troca de ações porque “todo mundo queria fazer parte desse projeto das empresas combinadas para capturar o ganho que elas podem ter no futuro”.

“Foi um pedido nosso, de todos os acionistas, para que a transação fosse em troca de ação.”

Como uma empresa listada, a Arco tem sofrido com o aumento de juros, que afeta em particular as chamadas ações de crescimento - de empresas cuja expansão é mais acelerada -, e com a volatilidade do mercado de capitais.

“Para a Arco também era complicado fazer uma transação neste momento porque, no fim das contas, o preço do papel deles está abaixo do que é o justo. Avaliamos os ativos de forma independente, quanto seria o valor justo da Arco, quanto seria o valor justo do isaac, e no fim estabelecemos uma relação de troca, quanto que um representaria em proporção ao outro”, disse o empreendedor.

Peixoto será o segundo maior acionista da empresa combinada e vai participar da gestão da unidade da isaac na Arco, junto do sócio Ricardo Sales.

Os analistas do Credit Suisse disseram, em relatório, que enxergam a transação como “estrategicamente positiva”, mas “ligeiramente negativa do ponto de vista financeiro”.

“A isaac oferece produtos financeiros sinérgicos que devem fortalecer a oferta da Arco para escolas”, avaliou o Credit Suisse. Segundo o relatório, o caixa líquido da isaac contribui para aliviar a alavancagem da Arco, que tem pesado nos resultados de lucro líquido.

“O múltiplo de 2x da transação implica um pequeno desconto na avaliação atual da Arco. No entanto, a nosso ver, o timing não é o ideal para a aquisição de uma empresa com fluxo de caixa negativo”, disse o Credit Suisse.

Novo momento para startups

Vitor Magnani, presidente do Movimento Inovação Digital, associação que representa alguns unicórnios brasileiros, disse acreditar que este é um novo ciclo para empresas nativas digitais por causa do aumento de juros global, de oscilações econômicas pós-pandemia e da guerra na Ucrânia.

É um ambiente em que fundos de investimentos do mundo estão mais rigorosos para selecionar as startups que vão receber os recursos e em que o tamanho dos cheques diminui.

Assim, ele acredita que empresas tradicionais que não possuem determinada tecnologia, ou companhias digitais grandes, que pretendem acelerar seu crescimento, poderão comprar ativos e startups “por valores menores se comparado com os cinco anos anteriores”.

Roberto Kanter, economista e professor da Fundação Getulio Vargas, explicou que nem sempre o valuation de startups segue uma lógica clara. Por exemplo, se é pago R$ 1 milhão por 10% da empresa, ela teria um valuation de R$ 10 milhões. Contudo, se depois de um tempo, os outros 90% dessa companhia são adquiridos, dificilmente a parte compradora pagaria mais de R$ 9 milhões.

“Será pago, na verdade, o valor que ela vale. Se ela vendia R$ 1 milhão por ano, é muito provável que valesse R$ 4 milhões”, disse à Bloomberg Línea.

Portanto, a parte compradora não pagaria, neste exemplo, R$ 9 milhões pela empresa, mas, sim, mais R$ 3 milhões. “O valor de 100% é sempre menor do que o valor da parte. É uma lógica um pouco distorcida, mas a tendência é você pagar mais pela fração do que paga pelo todo.”

Ainda que exista um ajuste de mercado e que as fintechs hoje são avaliadas por menos que dois anos atrás, para Kanter, o caso da isaac teve mais a ver com o que efetivamente vale 100% da empresa.

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