Bloomberg Línea — A área que compreende a América Latina e o Caribe é uma das mais pobres do mundo, como mostram os números de organizações internacionais. Dados do Banco Mundial estimam que em 2022 cerca de 66 milhões de pessoas terminarão o ano vivendo na pobreza, o que equivale a 11,2% da população dos países pesquisados. Entretanto, se tomarmos a pobreza total, que inclui a indigência, podemos ver que até o final deste ano haverá 170 milhões de pessoas (28,8%) entre os 590 milhões de pessoas que vivem nos territórios analisados, que enfrentarão uma situação de privação. De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), o número é de 33%.
Há um fato que agrava a situação: os números mencionados não incluem a Venezuela, um país que está passando por uma grave crise humanitária e poderia acrescentar um número ainda mais preocupante. Sem dados oficiais, é difícil determinar ao certo quantas das 28,44 milhões de pessoas que vivem na Venezuela são pobres.
No entanto, existem estudos privados que permitem avaliar a situação e ter noção de sua gravidade. Entre elas está a Pesquisa das Condições de Vida (Encovi) da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), que indica que a pobreza na Venezuela era de 94,5% em 2021. . E a pobreza extrema foi de 76,6%. Entretanto, Luis Pedro España, pesquisador da universidade, disse à Bloomberg Línea que é muito provável que o número total da pobreza venha a apresentar um declínio acentuado em 2022, para cerca de 70%.
Pobreza na América Latina
Os países da América Latina e do Caribe para os quais o Banco Mundial tem dados de pobreza são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai. ai. Além do caso da Venezuela, a maioria dos países caribenhos também não fornece números atualizados.
A organização internacional realiza sua pesquisa de pobreza com base em uma unidade de medida chamada Paridade de Poder de Compra (PPC), que assume que um dólar americano tem o mesmo poder de compra em todos os países. Desde 2022, a referência usada são os valores de PPC em 2017.
Com base nisso, os dados recebidos pela Bloomberg Línea mostram que até 2022, estima-se que 66 milhões de pessoas viverão com menos de US$ 3,65 PPC por dia (pobreza extrema) e 170 milhões de pessoas viverão com menos de US$ 6,85 PPC por dia (pobres). O segundo dado engloba o primeiro.
Estes números implicariam uma melhoria em relação a 2021, pois no ano passado havia 70 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 3,65 (de acordo com a PPC de 2017) e cerca de 177 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de US$ 6,85 PPC.
Análise metodológica
A linha usada pelo Banco Mundial para medir quantas pessoas vivem na mais extrema pobreza envolve contar aqueles indivíduos que devem subsistir com menos de US$ 2,15 por dia (em paridade de poder de compra). Entretanto, um especialista na área apontou que o limite para a América Latina deveria ser mais alto, por isso foi decidido considerar como pobreza extrema a subsistência com o próximo degrau.
Leopoldo Tornarolli, pesquisador sênior do Centro de Estudos Distributivos, Trabalhistas e Sociais (Cedlas), explicou que a medida atual de US$ 2,15 PPC é o que no início deste século era chamado de viver com “um dólar por dia”, enquanto que a PPC atual de US$ 3,65 por dia é equivalente ao que na época era chamado de viver com “dois dólares por dia”.
Após este primeiro esclarecimento metodológico, Tornarolli explicou que “para um país da América Latina (região de renda média) a linha de US$ 3,65 PPC marcaria a pobreza extrema e a linha de US$ 6,85 PPC, a linha de pobreza”. E continuou: “a linha de US$ 2,15 é considerada como pobreza extrema para as regiões de baixa renda (principalmente a África)”.
É importante ressaltar que a opinião de Tornarolli é mais que embasada sobre o assunto, pois alguns dos dados que o Banco Mundial utiliza a Cedlas como fonte.
Características demográficas
Embora os dados demográficos para aqueles que vivem com menos de US$ 3,65 PPC por dia não estivessem disponíveis, a Bloomberg Línea acessou uma base que permite colocar em evidência aqueles que vivem com menos de US$ 2,15 por dia na América Latina. Ou seja, o mínimo, mesmo pelos padrões dos países africanos mais pobres.
E estas são algumas das conclusões a que chegamos sobre os casos mais extremos de pobreza na América Latina.
- Considerando dados de 2021, 52,7% das pessoas que vivem com menos de US$ 2,15 PPCP na América Latina vivem em áreas urbanas e 47,3% em áreas rurais. Isto representa uma forte inversão na tendência, já que até 2019, 47,7% das pessoas nesta situação na região viviam em áreas urbanas.
- Por outro lado, 52,1% das pessoas que vivem com US$ 2,15 PPC por dia são mulheres e 47,9% são homens.
- 57,2% das pessoas que vivem nesses níveis de indigência têm entre 15 e 64 anos de idade. 39,4% têm entre 0 e 14 anos de idade e 3,4% têm mais de 65 anos de idade.
- Das pessoas com a menor renda diária em toda a região, 45% vivem nos países da América Central, México e Haiti; 38% vivem no Brasil; 15,9% na região andina (Bolívia, Colômbia, Equador e Peru) e 1% no Cone Sul (Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai). Este último pode ser devido ao fato de que o país com a maior população do Cone Sul (Argentina) tem uma renda mínima universal para crianças que permite que as pessoas em extrema pobreza estejam um pouco acima do mínimo estabelecido pelo Banco Mundial para definir pobreza extrema.
Em 2019, 5,2% da população (30 milhões de pessoas) viviam com menos de US$ 2,15 PPC por dia, e esse número caiu para 5% em 2020. Como explicar a queda durante os lockdowns da covid-19?
Fontes do Banco Mundial disseram à Bloomberg Línea que “em 2020, o número de pessoas vivendo com menos de US$ 2,15 PPC por dia aumentou na maioria dos países da América Latina e do Caribe. No entanto, o Brasil implementou o Auxílio Emergencial que beneficiou quase 67 milhões de pessoas e tirou milhões de pessoas da pobreza extrema”. Como resultado, o número diminuiu.
Em 2021, uma reviravolta levou o número a 5,6%.
Pobreza
Para ter uma fonte que contrasta com os dados fornecidos pelo Banco Mundial, a Bloomberg Línea entrou em contato com a Cepal, uma agência das Nações Unidas responsável pela promoção do desenvolvimento econômico e social na região. A entidade mede a pobreza com base na renda da população.
Os últimos números publicados pela Cepal, em junho de 2022, estimam que até este ano a pobreza extrema atingirá 14,5% da população e a pobreza total atingirá 33% da população. A agência cobre os mesmos países que o Banco Mundial, com exceção do Haiti.
Xavier Mancero, chefe da Unidade de Estatísticas Sociais da Divisão de Estatísticas da Cepal, contou à Bloomberg Línea alguns dos destaques do último relatório da organização:
- A pandemia deteriorou significativamente a situação. Em 2020, a pobreza havia atingido 33% da população, incluindo 13,1% vivendo em extrema pobreza.
- A taxa de pobreza estava em um nível semelhante ao do final dos anos 2000, enquanto a pobreza extrema subiu para níveis vistos 20 anos antes.
- A deterioração dos indicadores ocorreu como resultado de uma forte queda na renda, parcialmente compensada pelas transferências de renda recebidas pelas famílias, sem as quais os números da pobreza teriam atingido níveis ainda mais altos.
- Por outro lado, as projeções de pobreza para este ano consideram um cenário de baixo crescimento econômico e inflação crescente, especialmente para os alimentos. Este contexto está relacionado com a guerra na Ucrânia, principalmente o aumento dos preços de alguns alimentos.
- A Cepal prevê que a incidência da pobreza regional aumentaria novamente para 33% (tinha caído para 32,1%), ou seja, voltaria a níveis semelhantes aos observados em 2020, durante a pandemia. A extrema pobreza, por sua vez, deve manter sua tendência ascendente, que vem aumentando de forma constante nos últimos anos.
- Segundo o Segundo o Panorama Social da América Latina de 2021 da Cepal, os números até 2020 mostram que as mulheres de 25 a 59 anos têm taxas de pobreza mais altas do que os homens na mesma faixa etária em todos os países da região.
“Os resultados relativos ao desempenho econômico limitado previsto para 2022 e o aumento da inflação geram um contexto adverso para as condições de vida da população e sua possibilidade de adquirir bens e serviços essenciais”, detalha um estudo recente da Cepal.
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