Bloomberg Línea — O desempenho do Partido Novo no primeiro turno das eleições, no último domingo (2), não passou despercebido pela Faria Lima. O partido, que compartilha grande afinidade ideológica com o mercado financeiro, retrocedeu em relação a quatro anos atrás: elegeu três deputados federais e cinco deputados estaduais. O destaque foi o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, reeleito em primeiro turno e já candidato potencial e natural a presidente em 2026.
Com esse resultado no Legislativo, o Novo sequer conseguiu atingir a cláusula de barreira. O mecanismo representa um índice mínimo de votos e candidatos eleitos que cada partido deve atingir nas eleições proporcionais.
Os partidos que não atingem a cláusula perdem alguns direitos políticos, como acesso ao fundão eleitoral (a principal fonte de renda dos partidos, mas que o Novo diz não usar) e estrutura partidária dentro da Câmara dos Deputados (liderança e espaço para reuniões do partido, por exemplo).
Para 2022, a cláusula de barreira exigia a eleição de no mínimo 11 deputados em pelo menos nove estados e um mínimo de 2% dos votos válidos para a Câmara distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 1% em cada um deles. Em 2018, o Novo elegeu oito deputados federais e 12 deputados estaduais.
Em sua curta história de pouco mais de uma década, o Novo nunca foi um partido grande, é preciso pontuar. O candidato a presidente pela legenda nas eleições deste ano, o cientista político Luiz Felipe D’Ávila, teve 559,6 mil votos, o que representou menos de 0,5% dos votos válidos. Em 2018, o candidato do partido foi João Amoêdo, que teve 2,6 milhões de votos, ou 2,5% dos votos válidos.
O desempenho na ocasião foi considerado satisfatório para uma legenda tão recente: o partido só fora autorizado a participar de eleições em 2015, quando conseguiu o registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Menos de um ano depois, nas eleições locais de 2016, conseguiu eleger quatro vereadores. Quatro anos depois, emplacou 25 vereadores e um prefeito (em Joinville, Santa Catarina).
Os resultados de 2018, portanto, indicavam uma trajetória de acelerado aumento da representação no Congresso e nas assembleias estaduais. Neste ano, a legenda pretendia dobrar sua bancada para 16 deputados federais, mas projetava que conseguiria no mínimo dez, muito além de três.
Afinal, o que explica tamanha queda?
O presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, colocou a responsabilidade pelo desempenho pelo antagonismo entre Bolsonaro e Lula. “Sabíamos que seria uma eleição difícil por causa da polarização. Optamos por tentar construir uma alternativa e isso teve um preço”, disse em nota à Bloomberg Línea.
Em grupos de WhatsApp, em eventos e até em manifestações públicas, gestores e investidores do mercado financeiro acabaram, de fato, restringindo as escolhas aos dois candidatos que agora disputam a presidência do segundo turno. Mesmo a candidata mais forte da chamada Terceira Via, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), não conseguiu furar essa polarização como em eleições passadas.
Mas o presidente do Novo disse que o funcionamento do partido “continuará o mesmo”, já que a agremiação não usa o dinheiro do fundão nem do Fundo Eleitoral (recursos públicos distribuídos todo ano aos partidos). A fonte de renda são mensalidades pagas pelos filiados. O Novo afirma que, desde as eleições, teve “mais de 300″ filiações, o que está “muito acima da média”, segundo Ribeiro.
Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, avaliou que a votação aquém do esperado pelo Novo reflete a dificuldade de mobilização dos seus potenciais eleitores. “A melhor forma de ver se um partido está mesmo arraigado em sua base eleitoral é o resultado das eleições.”
“E, do ponto de vista ideológico, o Novo acabou ficando meio à sombra do bolsonarismo. Não conseguiu moderar uma distinção de fato em relação ao bolsonarismo para além dessas questões de procedimento, como o uso do fundão [eleitoral]. Em questões mais substantivas, ficou [restrito] em um nicho muito específico, difícil de ser mobilizado”, resumiu o cientista político.
O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), um dos três deputados eleitos no último domingo, tem visão semelhante. “O que atingiu o Novo foi o que atingiu todo o espectro político que não estivesse 100% alinhado com Lula ou com Bolsonaro”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.
“Temos uma visão liberal muito clara, de defesa das liberdades individuais, mas somos independentes. Não fazemos alinhamento cego com o governo nem oposição cega ao governo.”
Ideias de um Estado liberal
Fundado em 2011, ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), o Novo nasceu com a defesa de ideais como a privatização das estatais, a redução do tamanho do Estado e de sua intervenção na economia e a rejeição ao financiamento público - com dinheiro dos contribuintes, portanto - do sistema eleitoral. Naquele momento, Dilma subia ao poder eleita com uma bandeira oposta, com o ex-presidente Lula com 87% de aprovação popular, segundo pesquisa do Datafolha de dezembro de 2010.
“O Novo tem um projeto que parece bastante ambicioso no discurso”, disse Cortez.
“É uma mistura da opção por não usar recursos legítimos, em uma estratégia de deslegitimar os instrumentos de acesso a poder para produzir política pública, com uma visão de criminalização da política profissional, para tentar dialogar com a crise de representação do sistema político.”
Para Cortez, no entanto, apesar de parecer legitimar uma bandeira de defesa do dinheiro público, esse discurso “é aristocrata, de natureza elitista, de que a política é para poucos, reservada para aqueles que têm condições materiais, e que criminaliza a política profissional”. Isso porque o Novo não usa o dinheiro do chamado “fundão eleitoral”, hoje a principal fonte de renda dos partidos.
Segundo Cortez, o Novo decidiu disputar o espaço do discurso antipolítica “em um mercado bastante disputado, porque é ocupado por partidos que estão usando esse dinheiro”.
A criação do partido, portanto, antecedeu bandeiras que ganharam força nas manifestações populares de 2013, que abriram caminho para a ascensão da direita e que serviram como discurso de Jair Bolsonaro cinco anos mais tarde, em 2018. “Menos Brasília, mais Brasil”, como dito naquela campanha, antes que o atual presidente se rendesse ao Centrão e ao jeito tradicional de negociar apoio no Congresso.
De olho em 2026
Além do Novo, outros cinco partidos não atingiram a cláusula de barreira: PTB, PSC, Pros, Solidariedade e Patriota. Segundo reportagem do Estado de S. Paulo, esses partidos estudam se fundir em um só para garantir deputados suficientes para receber verbas do fundão, de olho nas eleições de 2026. O Novo, no entanto, ainda rejeita a ideia.
Para Van Hattem, o momento é de “novo começo” para o Novo, com foco nas eleições municipais de 2024, quando os eleitores escolherão vereadores e prefeitos.
“Houve um erro de estratégia da direção nacional em 2020, na época do João Amoêdo [ex-presidente do Novo]. Foram criadas expectativas em uma série de pessoas que achavam que conseguiriam sair candidatas naquela eleição se atingissem uma série de critérios, mas, quando o caso chegou à diretiva nacional, essas candidaturas foram rejeitadas.”
“Ficou muito difícil mobilizar essas pessoas para fazer campanha neste ano, mas acredito que isso tenha ficado no passado. Agora estamos recuperando nossa credibilidade”, disse o deputado.
Ele defende que, para 2026, o partido se organize em torno da candidatura de Romeu Zema para presidente da República.
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