Bloomberg Opinion — Sete meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, estamos diante de um sério paradoxo: as coisas vão de mal a pior para as tropas do presidente Vladimir Putin, mas ele continua extremamente popular em seu país. Mas o que significa essa popularidade esmagadora em uma nação praticamente sem oposição política, pouca imprensa livre e uma mentalidade de cerco?
Para obter uma resposta, recorri às pessoas por trás de algumas dessas pesquisas: Denis Volkov, diretor do Centro Levada em Moscou – que pesquisa a opinião pública russa mensalmente desde antes de Putin assumir a presidência – e seu frequente colaborador Andrei Kolesnikov, um membro sênior do Centro Carnegie Endowment for International Peace de Moscou. Esta entrevista foi editada para fins de tamanho e clareza:
Tobin Harshaw: Recentemente, Putin anunciou que a Rússia estava anexando quatro territórios na Ucrânia. Como isso foi recebido pelos russos?
Andrei Kolesnikov: A motivação era dupla: eleitoral, projetada para causar alegria pelo fato de a Rússia estar recuperando seu antigo território, e militar, que deveria apoiar o eleitoral. Mas não há alegria. É um banho de sangue.
Putin está forçando os russos a compartilhar com ele a responsabilidade pela guerra [com] a mobilização de 300 mil soldados. Por isso, mesmo se os números de apoio a Putin caírem formalmente e a guerra aliviar apenas ligeiramente, a desconfiança do regime aumentará.
Você acredita que consegue obter uma perspectiva precisa do sentimento público, ou as pessoas que podem estar descontentes com as ações de Putin estão intimidadas demais?
Denis Volkov: O clima social ficou mais tenso. Mas até agora as taxas de resposta, que calculamos em cada pesquisa segundo as recomendações da Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública, não mudaram muito desde fevereiro. Além disso, nossas pesquisas adicionais não respaldam as afirmações de que as pessoas que não aprovam a liderança do país são mais propensas a se recusar a responder a uma pesquisa, ou que as pesquisas representam apenas pessoas que estão preparadas para se engajar e responder perguntas. Portanto, acredito que as pesquisas de opinião pública na Rússia ainda são informativas.
Tentamos complementar as pesquisas com dados qualitativos dos grupos focais. Isso nos ajuda a ouvir a linguagem que as pessoas usam, as explicações que elas fazem. Além disso, regularmente fazemos perguntas abertas em nossas pesquisas para obter as reações das pessoas, e não apenas para fazê-las escolher entre opções predeterminadas. Isso torna nossa pesquisa mais completa e adaptável às mudanças da situação.
Os dados da nova pesquisa de setembro sobre a opinião dos russos em relação à guerra mostram alguma mudança desde a invasão: aqueles que “definitivamente” ou “principalmente” apoiam caiu de 81% para 75%, e aqueles que “definitivamente” ou “principalmente” não apoiam subiram de 14% para 20%. Ainda assim, a maioria esmagadora favorece a invasão, seria então a mudança significativa?
Andrei Kolesnikov: Ao analisar as grandes pesquisas, é uma boa ideia observar os detalhes. Menos da metade dos russos definitivamente apoiam a operação. Uma média de 30% são hesitantes e conformistas sem opinião própria e muitas vezes têm medo de expressá-la diante de um autoritarismo muito rigoroso. Mas eles também estão descontentes.
Cerca de 20% dos entrevistados não apoiam a operação e reclamam abertamente. E em setembro, havia um pouco mais deles. Dentro de cada um destes grupos há muitos subgrupos e várias motivações. Portanto, a situação é mais complicada do que parece.
As opiniões mudaram por causa da contraofensiva ucraniana e da ordem de Putin de mobilizar mais tropas?
Denis Volkov: A contraofensiva ucraniana foi perceptível, mas a mobilização anunciada em 21 de setembro teve um efeito muito mais significativo sobre a opinião pública. A mobilização tirou a sociedade russa de um coma. Durante seis meses, os russos se acostumaram mais ou menos à guerra, pois ela se tornou uma guerra distante, travada pelo governo com a ajuda de soldados profissionais. Muitos se convenceram de que isso não iria afetá-los diretamente.
A notícia da mobilização foi um balde de água fria, e vemos um aumento significativo do pessimismo e da incerteza sobre o futuro à medida que as pessoas percebem que a guerra está muito mais próxima do que achavam. Mesmo assim, o efeito sobre a avaliação das autoridades foi limitado. A taxa de aprovação de Putin caiu de 83% para 77% e a aprovação do governo de 68% para 63%.
O apoio à operação militar não mudou muito, mas o número de pessoas apoiando as negociações de paz subiu de 44% para 48%, mudando ligeiramente a balança rumo ao favorecimento das conversas.
Como você observa em um artigo do qual você é coautor, a esperança de que se oporiam à guerra foi frustrada. Por quê?
Andrei Kolesnikov: Antes de mais nada, passividade e indiferença: “o presidente sabe o que faz, sua opinião é minha opinião; não quero guerra, mas Putin estava sem saída – a Otan estava pressionando”.
Para muitos entrevistados, é claro, havia o medo e a falta de vontade de revelar suas opiniões, mas não se deve exagerar a proporção dessas pessoas entre aqueles que apoiam Putin.
Também há um grupo considerável de apoiadores ideologizados; nacionalistas e imperialistas que possuem – às vezes conscientemente, às vezes intuitivamente – um pensamento ultraconservador.
E também aqueles que estão simplesmente acostumados a Putin e nem imaginam quem mais poderia ser o líder da Rússia. Putin está no poder de fato há 23 anos – uma geração inteira nasceu e foi criada durante seu governo.
Você observa que apenas 9%-10% dos entrevistados dizem estar “preparados para comparecer a um protesto”. Você pode explicar por quê?
Denis Volkov: O preço de um protesto aberto é muito alto. A proibição de realizar eventos de massa introduzida durante a pandemia ainda não foi encerrada; por este motivo, as autoridades se recusam a conceder permissão para qualquer protesto antiguerra. A participação em protestos não sancionados é passível de multas e penas de prisão por delitos repetidos. O incitamento de outros a participar de protestos não sancionados e “o descrédito das Forças Armadas russas” também foram criminalizados.
Ao mesmo tempo, as pessoas consideram os protestos fúteis e inúteis. O sentimento dominante é que as autoridades farão o que quiserem de qualquer maneira. E ainda assim, algumas pessoas saem para protestar – jovens por coragem e imprudência; mães e esposas por desespero e medo por seus entes queridos.
Você vê algum cenário em que Putin é destituído?
Andrei Kolesnikov: No momento, não há nenhum cenário para a partida de Putin. É claro que ele foi longe demais com a loucura militarista, e substituiu a mobilização pública pela mobilização militar, o que causa frustração e insatisfação na população. Mas agora todo o poder está concentrado em suas mãos. As elites estão desunidas, não confiam umas nas outras, estão sob sanções – e tudo o que podem fazer é ficar perto de Putin.
É improvável que a Rússia siga o caminho da Primavera Árabe de 2011. O poder de Putin vai degenerar, a mobilização vai minar a confiança até certo ponto; se ele puder acabar com a guerra ao minimizar prejuízos e declarar a de vitória, a opinião pública vai aceitar isto com alívio e mecanicamente continuar a apoiá-lo. Putin precisa oferecer algo para as eleições de 2024, e deve ser algo pacífico e material, considerando dados os problemas iminentes com a economia, em vez de uma solução puramente militar.
Putin anunciou a mobilização das tropas e fez uma ameaça nuclear explícita em um discurso televisionado. Pareciam ações de um homem que finalmente admitiu que ele está perdendo feio. Até que ponto o povo russo o apoiará rumo ao apocalipse nuclear?
Andrei Kolesnikov: Nos últimos anos, o medo de uma guerra mundial ficou em segundo lugar na lista de medos dos russos (atrás apenas de “doenças em entes queridos”). Em janeiro de 2022, 65% dos russos disseram temer uma guerra mundial. Em comparação, mesmo após a anexação da Crimeia em 2015, 32% dos entrevistados disseram ter medo de uma guerra mundial. A chantagem nuclear de Putin deveria inspirar as massas, deixando-as orgulhosas de sua força. Mas aqui, como com a mobilização militar, ele pode ter cruzado o limite, e a guerra nuclear será mais temida do que ele próprio. E isso também minaria até certo ponto as bases de seu regime excessivamente belicoso.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Tobin Harshaw é editor da Bloomberg Opinion e escreve sobre segurança nacional e assuntos militares. Anteriormente, foi editor da página editorial do New York Times e editor de cartas do jornal.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Ray Dalio, lenda do mercado, deixa o controle da Bridgewater após 47 anos
© 2022 Bloomberg L.P.