Bolsonaro é subestimado há 2 anos, diz instituto mais perto de acertar votação

Andrei Roman, CEO do AtlasIntel, que previu que o presidente poderia chegar a 42,1% do total, assume erros e aponta por que outras pesquisas ficaram distantes do resultado

Institutos de pesquisa subestimam força eleitoral de Bolsonaro há dois anos, disse Andrei Roman, fundador e CEO do Atlas Intelligence
04 de Outubro, 2022 | 08:27 AM

Bloomberg Línea — Conforme os resultados das eleições deste ano foram divulgados na noite de domingo (2), uma pergunta ecoava entre analistas políticos e brasileiros em geral: “por que os institutos erraram tanto?”.

Na disputa presidencial, institutos de pesquisa como Datafolha, Ipec (ex-Ibope) e Quaest projetavam a possibilidade de vitória do ex-presidente Lula (PT) no primeiro turno, com algo entre 49% e 51% dos votos válidos, contra 36% a 38% do presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas o candidato à reeleição recebeu 43,20% dos votos válidos e Lula ficou com 48,43%, levando a eleição ao segundo turno.

Embora o desempenho de Lula, com a margem de erro, tenha ficado em linha com o projetado por Datafolha, Quaest e outros institutos, nenhuma pesquisa detectou o real tamanho de Bolsonaro perante o eleitorado. Entre os mais conhecidos, a que chegou mais perto foi a da Quaest, com 40%.

Mas houve uma exceção: a pesquisa da AtlasIntel. Na sexta-feira (30), o instituto divulgou pesquisa, financiada pela consultoria Arko Advice, que mostrou Lula com 50,3% dos votos válidos, e Bolsonaro, com 41,1% (de 40,1% a 42,1% na margem de erro da pesquisa).

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Foi a pesquisa que mais se aproximou do resultado de Bolsonaro nas urnas.

Segundo o CEO do Atlas, Andrei Roman, isso não aconteceu por acaso: ele atribuiu a proximidade do resultado ao modelo do instituto, que diz ser mais fiel à real estratificação de renda da sociedade.

“Nossa pesquisa é calibrada pela Pnad Contínua e, na nossa opinião, isso é muito importante, porque diferentes perfis de renda têm diferentes perfis de voto”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

A Pnad Contínua é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada mensalmente pelo IBGE para medir a taxa de ocupação e de desocupação (a taxa de desemprego) dos brasileiros e a renda das famílias.

Roman, que é Ph.D. em Government pela Harvard University e cientista político, disse que isso leva a diferenças importantes. Por exemplo, entrevistados que ganham até dois salários mínimos nas pesquisas da Atlas representam 35% da amostra. Nas do Datafolha e do Ipec, respondem por 55%, disse.

Como Lula é o candidato preferido do eleitor de baixa renda, as pesquisas desses institutos acabam superdimensionando a força eleitoral do petista, e subdimensionando a de Bolsonaro, em relação à realidade das urnas.

No caso do atual presidente da República, disse Roman, o que nenhum instituto captou nas pesquisas foi “uma força estrutural de Bolsonaro, subestimada ao longo de dois anos de pesquisas”. Houve ainda o efeito do chamado “voto envergonhado” nas sondagens realizadas de forma presencial.

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Leia a seguir a entrevista com o CEO da AtlasIntel:

Por que a Atlas foi mais eficiente em detectar o movimento de alta de Bolsonaro?

Não foi um movimento de alta. Foi uma força estrutural de Bolsonaro que foi subestimada ao longo de dois anos de pesquisas. Teve pesquisa do Datafolha mostrando Bolsonaro com 22% [em dezembro de 2021]. Para nós, isso nunca aconteceu, o mínimo que ele chegou foi a 30%. As pesquisas [de Atlas e Datafolha] convergiram no movimento do Bolsonaro, mas eles [Datafolha] ficaram abaixo dos nossos números.

E o que explica essa diferença de resultados?

São dois elementos. O primeiro é a calibragem da nossa amostra por renda. Nossa pesquisa é calibrada pela Pnad Contínua e, na nossa opinião, isso é muito importante, porque diferentes perfis de renda têm diferentes perfis de voto. Calibrar bem os eleitores que ganham até dois salários mínimos faz toda a diferença. Por exemplo, na nossa pesquisa, o grupo que ganha dois salários representa 35% da amostra. No Datafolha e no Ipec, estava em 55%. É uma diferença de 20 pontos que superestima esse grupo em 80% em algumas pesquisas. E isso vai aumentar o desempenho do Lula.

A primeira vez que observamos isso foi em abril de 2021, quando o Datafolha fez a primeira pesquisa presencial depois da pandemia e mostrou um declínio enorme no desempenho do Bolsonaro. Para nós isso não aconteceu e aí fomos estudar. Mandamos uma nota metodológica para os nossos clientes explicando que o Datafolha fez um ajuste muito para cima na população mais pobre e que, por isso, houve o pulo.

E qual é o outro fator que explica o erro das pesquisas?

Existe também um residual de diferença explicado pelo fenômeno do eleitor envergonhado. Alguns eleitores se sentem reticentes em declarar voto em uma entrevista presencial ou diante da figura do entrevistador. E nós temos alguns dados que comprovam essa tese.

Por exemplo: a empresa Futura cruzou dados e comparou as respostas de homens entrevistados por homens e de homens entrevistados por mulheres. Eles notaram que os votos em Bolsonaro dos homens entrevistados por outros homens estavam mais de dez pontos acima que os dos homens entrevistados por mulheres. Ou seja, isso tem um impacto em como as pessoas declaram a intenção de voto.

As nossas pesquisas não têm isso, porque são feitas pela internet. É uma situação de anonimato.

Como são feitas essas pesquisas pela internet da Atlas?

Cada vez que uma pessoa navega na internet - não em redes sociais, mas em sites de notícias, blogs, vídeos no YouTube, buscas no Google, o comportamento padrão - há uma chance de ela se deparar com um anúncio aleatório. Se a pessoa clicar nesse anúncio, vai ser direcionada para o nosso questionário, que tem uma série de medidas de segurança, como identificador único - só uma pessoa pode responder aquele questionário por meio daquele link -, que não permite compartilhar o link nas redes sociais ou no WhatsApp. E aí recebemos essas respostas de maneira automática e compilamos.

Mas se o anúncio é distribuído aleatoriamente, como fazem as estratificações?

Fazemos uma calibragem pós-estratificação. Por exemplo, perguntamos a renda e a classificamos em cinco grupos, de zero a acima de R$ 10 mil. A pessoa que responde vai receber um peso na pesquisa de acordo com essas características: se a pessoa está super representada em um quesito e sub representada em outro, um algoritmo interativo de peso vai cuidar disso e avaliar como aumenta ou diminui o peso de cada pesquisado. No final desse processo, vamos ter uma amostra ponderada, que tem todas as pessoas que responderam de acordo com o peso individual.

E qual o balanço do desempenho das pesquisas no primeiro turno?

Das dez pesquisas divulgadas na véspera [da eleição], nos destacamos em sete: uma nacional e seis estaduais. Houve um efeito de mobilização relativa de eleitores bolsonaristas em três estados, onde a nossa pesquisa acabou errando.

Quais foram essas pesquisas?

Na pesquisa nacional, houve um voto útil de última hora, que nós conseguimos pegar porque vimos uma queda muito expressiva do Ciro.

Nos estados, nosso melhor desempenho foi no Ceará - fomos os únicos que captamos a virada do Elmano [de Freitas]; na Bahia, onde identificamos a liderança do Jerônimo [Rodrigues], que quase ganhou no primeiro turno contra o ACM Neto; e acertamos em Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, não chegamos tão perto, mas estávamos mais próximo que as outras pesquisas.

Já em São Paulo, não apuramos corretamente a força do Tarcísio [de Freitas] - por mais que a Atlas tenha chegado mais próxima [do resultado] que os outros, não o colocamos em primeiro lugar. E foi a única pesquisa que mostrou a força do astronauta [o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Marcos Pontes, eleito senador].

No Rio de Janeiro, não antecipamos a vitória do Cláudio Castro no primeiro turno. E, no Rio Grande do Sul, nós demos Eduardo Leite empatado com Onyx [Lorenzoni]. Não dá para dizer que acertamos.

Nesses três estados em que fomos piores, entendemos que o desempenho se deve a uma mobilização do eleitorado bolsonarista e a uma desmobilização do eleitorado de centro. Porque, não tendo um candidato de centro, o eleitor moderado não teve estímulo para comparecer às urnas.

Um dos argumentos em defesa das pesquisas é que elas não são previsões de resultado, mas registros de momento, da intenção, e não do comportamento. É errado comparar pesquisa com resultado da votação?

Essa desculpa é muito ruim. Se fosse assim, nós não fazíamos pesquisa. Qual o sentido de uma pesquisa que não serve para prever resultado?

E como vocês conseguiram acertar as previsões?

Não diria que acertamos. Na nossa pesquisa [presidencial] mais próxima, dávamos Lula com quase 50% [dos votos válidos] e ele terminou com 48%. Superestimamos em dois pontos. Mas nessa comparação [com os demais institutos], o que ficou muito nítido foi o erro com o Bolsonaro.

Os fatores que citei explicam isso melhor: por perfil de renda existe uma volatilidade maior de preferência entre Bolsonaro, Simone Tebet e Ciro nos públicos sub-representados. No caso de Lula, existe uma uniformidade maior. Portanto, se você muda a representatividade de renda, não altera tanto [a intenção de voto] no Lula, mas mexe no Bolsonaro.

Existe ainda uma tese de que haveria um voto envergonhado em Lula, ou que estaria do mesmo jeito nos dois. Mas o que nós vimos foi exatamente o oposto.

E qual a sua previsão para o segundo turno?

Nós achamos que vai dar 53% a 47% ou 54% a 46% para o Lula.

- Matéria atualizada nos trechos em que o CEO da AtlasIntel comenta sobre o uso da estratificação de renda com dados da Pnad Contínua por outros institutos.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.