Estes são os desafios econômicos que aguardam o próximo governo

Seja Bolsonaro ou Lula, presidente da República terá que lidar com efeitos da desaceleração da economia mundial e maior pressão por gastos públicos

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Bloomberg Línea — O presidente do Brasil a partir de 1º de janeiro de 2023 irá comandar um país com uma economia recuperada da crise da covid-19, mas com uma série de desafios que devem dificultar o seu governo.

Do lado da atividade, a principal dúvida de economistas do mercado financeiro ouvidos pela Bloomberg Línea é se o Brasil vai conseguir manter o ritmo acelerado de recuperação dos últimos meses diante de um cenário global mais nebuloso e adverso.

O aumento das taxas de juros no mundo – e principalmente nos Estados Unidos – tende a provocar uma desaceleração global e ameaça até causar uma recessão na maior economia mundial.

A China, que é o principal destino das exportações brasileiras, também passa por dificuldades. Os lockdowns adotados por Pequim para conter os surtos de covid-19 e a queda nos resultados do setor imobiliário devem reduzir o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chinês para um dos níveis mais baixos nas últimas décadas.

O banco suíço UBS, por exemplo, projeta um crescimento para a China de apenas 2,6% em 2022 e de 4,7% no ano que vem. Só em duas ocasiões a China registrou crescimento anual abaixo de 5% desde a década de 90: no ano de 1990 (3,9%) e em 2020 (2,2%), no auge da pandemia, de acordo com dados do Banco Mundial.

“Esse crescimento mais fraco da China é ruim para as commodities porque traz o preço para baixo. Isso significa um câmbio mais valorizado no Brasil. O real, nesse sentido, tem mais um fator para se manter em um patamar mais elevado”, diz Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital.

São questões do cenário internacional que colocam em xeque a melhora recente da economia brasileira. Na primeira metade do ano, o PIB teve um crescimento bem mais acelerado do que se esperava. O avanço foi de 1,1% no primeiro trimestre e de 1,2% no segundo, o que tem feito economistas projetarem um crescimento maior em 2022. De acordo com o último Relatório Focus, do Banco Central, a expectativa do mercado é a de uma expansão de 2,67% do PIB neste ano.

Os dados mais recentes mostram que a atividade econômica continua em forte expansão. A alta é puxada principalmente pela retomada do setor de serviços – que representa cerca de 70% do PIB – e pelo maior consumo das famílias.

Os serviços são beneficiados pela volta das atividades presenciais, que antes estavam reprimidas por causa das restrições para tentar conter o avanço da covid-19 – como restaurantes, bares, hotéis, viagens aéreas e comércio de rua, entre outros. De acordo com o IBC-Br, Índice de Atividade Econômica do Banco Central, a economia teve uma expansão de 1,17% no mês de julho. Na comparação anual, o aumento foi de 3,87%.

Também contribui para o maior crescimento a liberação dos benefícios sociais aprovados pelo Congresso com apoio do governo Bolsonaro, como o Auxílio Brasil a R$ 600, o voucher para taxistas e caminhoneiros e também a expansão do vale-gás, que subsidia a compra do botijão para as famílias mais pobres.

“Depois de dois anos de notícias ruins, com pandemia, choque de oferta, um descasamento da demanda, nos últimos três meses, tivemos dados muito mais positivos, de inflação, crescimento e do lado fiscal. E parece que não é só uma tendência de curto prazo”, afirma Tatiana Nogueira, economista sênior da XP.

No entanto a maior parte dos economistas avalia que esse impulso deve perder força no fim do ano ou no ano que vem, justamente por causa do cenário internacional e também em razão da alta das taxas de juros no Brasil, que afetam principalmente os setores que dependem de crédito, como construção civil e consumo de bens duráveis, que vão de automóveis a eletrodomésticos.

A expectativa é que o Banco Central só deve começar a reduzir a Selic, que hoje está em 13,75% ao ano, a partir da metade de 2023, e os efeitos das taxas elevadas devem ser sentidos durante todo o ano que vem. Assim, a maior parte dos economistas do mercado financeiro projeta uma expansão para o PIB de apenas 0,5% em 2023, de acordo com o Focus, seja qual for o presidente.

“Por mais que o PIB esteja surpreendendo para cima, vamos ter um período mais desafiador, principalmente no ano que vem, com o efeito da política monetária restritiva”, diz Andrea Damico, sócia e economista-chefe da gestora Armor Capital. “Ainda não teve um efeito mais forte da política monetária na economia, mas vai acontecer. São 400 pontos base de aumento de juros acima do [patamar] neutro.”

Contas públicas

Diante de um cenário de desaceleração da economia, a expectativa de economistas é que o próximo governo não deve contar com um cenário favorável para as contas públicas como houve em 2022.

A alta dos preços e a expansão da economia fizeram a arrecadação de impostos bater recordes nos últimos meses, melhorando o equilíbrio com as despesas do governo. De janeiro a agosto, o setor público consolidado acumula um superávit primário de 1,89% do PIB, de acordo com os dados do Banco Central.

A melhora das contas públicas favoreceu a trajetória da dívida pública bruta brasileira, que caiu do equivalente a 89% do PIB em outubro de 2021 para 77,5% em agosto.

A pressão por aumentos de gastos do governo, no entanto, pode colocar essa melhora à prova. Tanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometem manter o Auxílio Brasil a R$ 600 por mês no ano que vem se forem eleitos.

Além disso, há a expectativa de que o próximo governo reajuste os salários dos funcionários públicos federais, que estão congelados há quatro anos e tiveram perdas com a inflação. Somado a isso, é possível que o governo estenda a isenção de PIS/Cofins sobre combustíveis no ano que vem e mantenha os cortes na alíquota do IPI. Disputas judiciais com os Estados e o aumento dos gastos com precatórios são outra fonte de pressão sobre os gastos.

Um levantamento dos economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), apontou o risco de um impacto de R$ 382,7 bilhões, o equivalente a 3,7% do PIB, sobre as contas públicas em razão dessas e de outras despesas adicionais que podem vir a ocorrer.

“Tão grave quanto esses novos gastos é o governo superestimar a capacidade de arrecadação do ano que vem. Como o país está vindo de dois anos de arrecadação muito forte, parte dessa euforia está sendo extrapolada para 2023, quando sabemos que será um ano de crescimento fraco”, diz Luciano Sobral, economista da gestora Neo Investimentos. “Todas essas discussões foram adiadas para depois das eleições. Mas esse é um problema esperando na esquina para aparecer”, resume Sobral.

Lula e Bolsonaro também prometem rever a regra do teto de gastos – que limita o crescimento das despesas do governo à inflação do ano anterior – para acomodar os gastos extras, mas as propostas sobre qual deve ser o novo arcabouço fiscal ainda não são claras.

A maior parte dos economistas concorda que é preciso fazer uma revisão das regras fiscais. Mas a incerteza sobre a estabilidade das contas públicas no futuro preocupa o mercado financeiro.

“Temos gastos que não conseguem ser acomodados dentro do teto, e o que o próximo governo vai colocar dentro do teto é uma incógnita para ambos os lados [Lula ou Bolsonaro]. Há espaço para populismo nos dois casos”, diz Tatiana Nogueira, da XP.

Inflação

Se por um lado a desaceleração da economia é desafio, por outro a inflação deverá dar uma trégua no primeiro ano do novo governo. A alta dos preços foi a principal dor de cabeça nos últimos dois anos do governo Bolsonaro.

Depois de atingir um pico de 12,13% em abril, o IPCA acumulado em 12 meses ficou em 8,73% em agosto e caminha para fechar o ano abaixo de 6%, de acordo com as projeções do mercado. Para 2023, a expectativa é a de uma inflação de 5% – portanto, mais controlada mas ainda acima do teto da meta do Banco Central (4,75%).

A redução tem a ver com os cortes de impostos promovidos pelo governo sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, mas outros fatores também têm contribuído.

Um deles é a queda do preço internacional do petróleo, que tem levado a sucessivos cortes nos preços dos combustíveis pela Petrobras. O outro é uma redução das cotações de commodities como a soja, o milho e o trigo, depois de um pico no primeiro semestre.

Tanto no caso dos alimentos quanto do petróleo, a queda tem relação com a perspectiva de uma desaceleração da economia mundial. Além disso, os preços dos fretes marítimos caíram nos últimos meses, o que também alivia os custos para a indústria e reduz a pressão por aumentos de preços.

Desemprego e renda

A melhora da trajetória da inflação é bem-vinda, mas a alta dos preços nos últimos anos provocou um efeito negativo sobre o poder de compra das famílias que tende a levar tempo para se recuperar.

Mesmo com a queda brusca da taxa de desemprego, que passou de 14,9% em março de 2021 para 8,9% no trimestre encerrado em agosto – a menor desde julho de 2015 –, o rendimento médio por trabalhador (hoje em R$ 2.713) está no menor patamar desde 2013.

Estimular a geração empregos de melhor qualidade é, portanto, um dos desafios do próximo presidente para melhorar o poder de compra e a renda da população. Hoje, dos 99 milhões de brasileiros ocupados, 39,3 milhões (39,7%) trabalham na informalidade.

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