Bloomberg Línea — O ex-presidente Lula (PT) chega às eleições deste domingo (2) como franco favorito. À frente em todas as pesquisas de intenção de voto pelo menos desde o início do ano passado, ele agora busca um terceiro mandato como presidente, depois de ter governado o Brasil por duas vezes, entre 2003 e 2010.
Aos 76 anos (completa 77 no próximo dia 27) e depois de ter sido preso e enfrentado quase 30 processos por suspeita de corrupção, a figura política de Lula mais uma vez voltou a se impor, a despeito das críticas e dos apontamentos de opositores de que a sua vida pública estava acabada.
Lula deixou o governo em 2010, mas não antes sem eleger a sua sucessora, Dilma Rousseff. Na ocasião, contava com 83% de aprovação, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em dezembro daquele ano. Um feito inédito para qualquer mandatário do país até os dias de hoje (a aprovação de Bolsonaro em pesquisa divulgada nesta semana chegou a 31%, a três meses do fim do primeiro mandato).
Não espanta, portanto, que sua figura atraia mais votos do que o próprio programa do PT.
De líder sindical à premiação em Davos
Lula foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Antes disso, foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, um dos mais tradicionais do país, e, durante os anos 1970, se credenciou como liderança sindical. Em abril de 1980, ja no PT, foi preso pelo regime militar com base na antiga Lei de Segurança Nacional por ter liderado uma greve de metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP) que já durava 17 dias. Foi solto um mês depois e nunca chegou a ser processado na Justiça por isso.
Quando foi eleito pela primeira vez, em 2002, vinha de três derrotas consecutivas em eleições presidenciais (em 1989 para Fernando Collor; em 1994 e 1998 para Fernando Henrique Cardoso). Para acalmar o mercado financeiro e mandar o recado de que se comprometeria com a responsabilidade fiscal e com os contratos firmados pelos governos anteriores, divulgou sua famosa Carta aos Brasileiros na campanha.
Duas décadas depois, Lula diz que agora não precisa de nenhum sinal como esse ao mercado, pois governou o país por oito anos e, segundo ele, não entregou déficit primário, reduziu o desemprego e conseguiu manter a inflação dentro da meta - além de ter ampliado para mais de US$ 350 bilhões as reservas internacionais e de ter quitado os empréstimos do Brasil junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Chegou a ir ao Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em encontro anual que reúne autoridades, executivos e investidores de algumas das maiores corporações do mundo. Em seu último ano de governo, ganhou o prêmio de Estadista Global concedido pelo Fórum (WEF, na sigla em inglês) por seus resultados como chefe de estado em áreas como o combate à pobreza e a defesa do meio ambiente.
Essas credenciais, costuma dizer o ex-presidente, o dispensam de qualquer ato simbólico em defesa da estabilidade econômica.
Crises: do mensalão ao colapso do subprime
Durante seus dois governos, enfrentou algumas crises. A primeira, já no primeiro mandato, foi a denúncia do mensalão: um esquema de desvio de dinheiro de estatais para subornar parlamentares para que apoiassem as políticas do governo no Congresso. Lula nunca foi acusado nesse caso, mas o Supremo Tribunal Federal condenou diversas lideranças petistas, incluindo José Dirceu, Antonio Palocci, José Genoíno e João Paulo Cunha, o que desarticulou o comando do partido e chegou a enfraquecer o governo.
Mesmo assim, foi reeleito em 2006 - derrotando o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, hoje no PSB e seu candidato a vice, mas na época uma das principais lideranças do PSDB.
Dois anos depois, veio a crise financeira mundial de 2008, que derrubou os mercados financeiros de diversos países, especialmente nos Estados Unidos, origem de tudo com o colapso do subprime no mercado imobiliário. Houve falta de liquidez e quebra de empresas, o que provocou desaceleração na economia mundial, inclusive no Brasil - ainda que Lula tenha chamado os efeitos da crisede “marolinha”.
De todo modo, no ano seguinte à queda do PIB em 2009, o país cresceu 7,5% no ano de eleição para presidente, o melhor resultado em duas décadas e meia. Resultado: o petista deixou o comando do país com aprovação recorde e conseguiu fazer sua sucessora - Dilma -, derrotando, mais uma vez, uma liderança histórica do PSDB, o hoje candidato a deputado José Serra.
Câncer e Operação Lava Jato
Após deixar a Presidência, em 2011, enfrentou um câncer na laringe, fez sessões de quimioterapia e radioterapia e foi considerado curado em 2012. Nos anos seguintes, enfrentou o que talvez tenha sido a maior crise de sua vida política: a Operação Lava Jato.
A operação foi montada pelo Ministério Público Federal no Paraná para investigar um esquema de fraude em licitações para superfaturar contratos de empreiteiras com a Petrobras (PETR3, PETR4). Parte do dinheiro obtido com o superfaturamento, segundo o MPF, foi usado para subornar políticos e financiar partidos.
Procuradores acusavam Lula de ser o líder e o maior beneficiário do esquema. Chegou a ser condenado a 9 anos e seis meses de prisão, em decisão de primeira instância em 2017 pelo então juiz Sergio Moro, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do apartamento triplex no Guarujá (SP).
A sentença foi alvo de contestação no meio jurídico: o principal motivo apontado pelo então magistrado foram “atos de ofício indeterminados” que teriam beneficiado as empreiteiras OAS e Odebrecht, pois não havia provas documentais demonstrando o envolvimento do ex-presidente, mas um “conjunto indiciário”. Lula pode recorrer em liberdade.
A condenação foi confirmada posteriormente pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Lula foi preso em abril de 2018, depois que o Supremo Tribunal Federal autorizou a chamada execução antecipada da pena, anterior ao fim do processo penal, em que ainda cabem recursos ao réu.
O ex-presidente ficou preso por 580 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e nesse período foi proibido de dar entrevistas e impedido de se candidatar a presidente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - era o líder das pesquisas com ampla vantagem. No fim, o seu candidato a vice, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), concorreu em seu lugar, mas perdeu para Jair Bolsonaro (PL).
Lula foi solto em novembro de 2019, depois que o Supremo mudou sua decisão sobre a execução antecipada da pena. Em março de 2021, o STF anulou suas condenações pelo ex-juiz Sergio Moro - o tribunal entendeu que o caso não poderia ter tramitado em Curitiba e que o juiz era suspeito para conduzir o caso por ter orientado os movimentos da acusação. Em janeiro deste ano, a Justiça do Distrito Federal arquivou o caso por prescrição.
Moro, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro por mais de um ano, concorre ao Senado pelo União Brasil do Paraná e apoia a reeleição do presidente, embora tenha rompido com ele ao deixar o governo, acusando o presidente de ter interferido de forma ilegal em investigações e na Polícia Federal.
Seu partido lançou a candidatura da senadora Soraya Thronicke à Presidência de República e Moro em segundo lugar nas pesquisas, atrás de Álvaro Dias (Podemos).
De volta como ficha limpa
Desde que teve suas condenações de Curitiba anuladas, Lula foi absolvido em 26 processos e hoje concorre como “ficha limpa”, como são chamados os candidatos que não têm pendências judiciais.
Seu favoritismo nas eleições de 2022 se deve ao fato de ter conseguido se colocar como o candidato mais capaz de vencer Bolsonaro nas urnas.
Embora esteja em segundo lugar nas pesquisas com chances de ir ao segundo turno, o atual presidente tem rejeição considerada alta, de mais de 50% nas principais pesquisas, e é considerado culpado por parte dos brasileiros pela piora no cenário econômico e nos indicadores sociais do país.
Bolsonaro também enfrenta rejeição por causa de sua gestão ao longo da pandemia, com atrasos na compra de vacinas e no início da campanha de vacinação em - em comparação a outros países equivalentes.
Mas Lula, durante a campanha, falou pouco de suas propostas em um eventual terceiro mandato. Tratou mais de ideias abstratas, como rediscutir a reforma trabalhista aprovada durante o governo Michel Temer (MDB), que assumiu em 2016 depois que Dilma foi derrubada em um processo de impeachment, ou apoiar uma reforma que “desonere a produtividade e onere o patrimônio”.
Ao longo do período eleitoral, deixou gradualmente que assessores e integrantes da campanha falassem de assuntos específicos, como o teto de gastos. A proposta do PT sobre o assunto é substituir o teto por outro regime fiscal, da forma semelhante ao que defende Bolsonaro e Paulo Guedes.
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