Bloomberg Línea — O presidente Jair Bolsonaro (PL) chega ao primeiro turno neste domingo (2) em uma situação inédita desde que a possibilidade de reeleição foi instituída no país em 1997, com aplicação prática já no ano seguinte: como atual chefe do Executivo que está atrás nas pesquisas de intenção de voto.
É uma situação distinta também da que passou quatro anos atrás, em 2018, quando chegou à véspera do primeiro turno com 40% das intenções de votos válidos e folgada vantagem de 15 pontos percentuais sobre o principal oponente, Fernando Haddad (PT), segundo pesquisa Datafolha daquele momento.
Encerrada a apuração em 2018, Bolsonaro apresentou um desempenho superior ao que apontou a pesquisa, com 46,03% dos votos válidos, enquanto Haddad ficou também acima do projetado, com 29,28%. Esse é, aliás, um dos fatos alegados pelo atual presidente para defender que estará mais próximo ou até à frente do ex-presidente Lula quando os votos forem contabilizados neste domingo.
Ainda assim, mesmo que se confirme que está atrás do ex-presidente Lula, Bolsonaro conta com trunfos como uma base de sustentação de eleitores fiéis, que permitiram que ele mantivesse um patamar da ordem de 25% a 30% das intenções de voto e de aprovação de seu governo mesmo nos momentos mais desafiadores da pandemia e de crise econômica ao longo do seu primeiro mandato.
A pandemia foi um divisor de águas de seu governo do ponto de vista de desafios a serem enfrentados e de erosão gradual de seu apoio popular, assim como ocorreu com outros governantes mundo afora. Ao mesmo tempo em que manteve uma base de apoio, ele viu a ampla parcela dos que o rejeitam se manter acima dos 50% dos brasileiros desde maio de 2021 pelo menos, segundo o Datafolha.
Durante todo esse tempo, Bolsonaro se mostrou fiel a muitas de suas bandeiras de campanha associadas ao pensamento conservador e de direita, como a defesa da família, da religião e do agronegócio, o antagonismo a qualquer governo de esquerda e a defesa da posse de armas pelos brasileiros.
No primeiro ano de governo, em 2019, e neste de campanha pela reeleição, também conseguiu fazer avançar algumas de suas principais propostas no campo do liberalismo econômico, encabeçado desde a campanha de 2018 pelo economista Paulo Guedes, ministro à frente dessa área estratégia.
Reforma da Previdência e privatização da Eletrobras
Conseguiu a aprovação da reforma da Previdência no seu começo de mandato, aprovou medidas caras a investidores, como a da autonomia do Banco Central, e se desfez de toda a participação na BR Distribuidora (hoje Vibra Energia). No campo das privatizações, o principal feito foi ter conseguido vender o controle da Eletrobras (ELET3, ELET4) neste ano, um projeto que historicamente enfrentou muita resistência no Congresso em todos os espectros ideológicos dada sua forte atuação regional.
Ao mesmo tempo, por outro lado, a aprovação dessas medidas, e a forma como isso ocorreu, evidenciou a metamorfose pela qual passou a relação do presidente com as forças tradicionais do Congresso: das críticas à chamada “velha política” ainda na campanha até uma colaboração hoje simbiótica de poder.
A reforma da Previdência em 2019, por exemplo, não saiu da forma como o ministro Paulo Guedes a entregou aos parlamentares e dependeu em ampla medida do esforço do então presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (hoje no PSDB, na época no DEM do Rio).
O auxílio emergencial pago durante a pandemia, que veio a se tornar talvez a principal bandeira social de seu governo, também é exemplo da transformação da relação com o Congresso. O governo inicialmente resistiu ao programa e depois aceitou o pagamento de R$ 200. Mas deputados do Centrão, articulados com a oposição, alteraram o projeto do governo e aprovaram um auxílio de R$ 600.
Depois da pandemia, o governo transformou o auxílio emergencial em Auxílio Brasil e reduziu o valor para R$ 400. Em agosto deste ano, às vésperas da eleição, o valor voltou aos R$ 600.
Na reta final de governo, em particular neste ano, o governo decidiu acelerar as despesas sociais: a aprovação de emendas constitucionais que alteraram o teto de gastos, principal âncora fiscal do país, reduziu a confiança de investidores na sustentabilidade da dívida pública, o que se refletiu no encarecimento do custo do capital do país, uma medida que, por fim, joga contra o crescimento econômico.
Além do aumento do valor do auxílio para R$ 600, defendido por especialistas do ponto de vista de assistência aos mais pobres, mas criticado por só ter sido viabilizado às vésperas das eleições - com o presidente da República atrás nas pesquisas -, o governo reduziu junto com o Congresso tributos para reduzir o preço de combustíveis e criou pagamentos para taxistas e caminhoneiros.
São medidas questionadas por políticos de fora da base de apoio ao governo, dado o fato de que a legislação eleitoral proíbe a criação de programas sociais em ano de eleições.
Mas, por outro lado, o impulso dos estímulos tem ajudado a reforçar a atividade no setor de serviços, em equação que tem levado o crescimento da economia em 2022 a superar as estimativas.
Embates com o STF e as urnas eletrônicas
Na pandemia, o presidente conseguiu em um primeiro momento até aumentar a sua popularidade, atingindo um patamar recorde em seu governo de 37% de aprovação entre os eleitores em dois momentos do segundo semestre de 2020, na esteira do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 para 67 milhões de brasileiros. Por outro lado, 32% (em agosto) a 34% (em dezembro) reprovavam o governo Bolsonaro.
Mas a combinação que veio a seguir em 2021 ajudou a minar a sua popularidade: houve a redução por parte do governo do contingente apto a receber o auxílio, a segunda onda da pandemia com fechamento de negócios, a escalada do número de mortos, o atraso no início da campanha de vacinação contra a Covid-19 na comparação com outros países e a disparada da inflação para acima de 10% ao ano.
Os índices de aprovação e reprovação se alternaram: o primeiro atingiu os níveis mais baixos do governo Bolsonaro, caindo para 22% tanto em setembro como em dezembro de 2021; ao mesmo tempo, os índices de reprovação atingiram recorde, com 53% dos brasileiros nessa condição nos dois momentos.
Nesse meio tempo, o presidente também assumiu embates com ministros do Supremo Tribunal Federal, questionando decisões, incitando levantes da população contra a instituição e fazendo insinuações de que poderia haver um golpe com hipotético apoio militar em nome do interesse dos brasileiros.
O questionamento às instituições democráticas incluiu colocar em xeque a confiabilidade das mesmas urnas eletrônicas que o elegeram não só presidente da República do Brasil há quatro anos como deputado federal tantas outras vezes - ele teve ao todo sete mandatos na Câmara, totalizando 27 anos. Entrou para o mundo da política em 1988 com a bandeira de defesa dos interesses de corporação dos militares, depois de ter servido ao Exército por cerca de 15 anos e ter chegado a capitão.
A força nas redes sociais
Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil há quatro anos em uma campanha que foi vista com ceticismo não só por analistas como pelo próprio establishment político. Foi uma disputa cercada de incertezas, dado que havia dúvidas sobre se o então líder com folga nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Lula, teria ou não condições de concorrer. Ele havia sido preso em abril daquele ano, em 2018, após condenação em segunda instância (mas ainda com direito a recurso) pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. No ano passado, as sentenças foram anuladas em decisão do STF.
Foi apenas no fim de agosto, a pouco mais de um mês do primeiro turno, que os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiram que Lula estava inelegível. Bolsonaro, que liderava as simulações de disputa sem o ex-presidente, passou a ser considerado um forte candidato à Presidência.
Mas ainda pesava a falta de apoio político - o seu então partido, o PSL, tinha só uma aliança, com o PRTB, e direito a apenas 8 segundos em tempo de TV na propaganda eleitoral. O PT tinha 2 minutos e 23 segundos, e o PSDB do candidato Geraldo Alckmkin, com a maior coligação, 5 minutos e 32 segundos.
Experientes analistas políticos diziam que seria muito difícil que o tucano não subisse nas pesquisas na reta final antes do primeiro turno. À sua frente estavam ainda Ciro Gomes e Marina Silva. Os três apareciam com ampla vantagem sobre Bolsonaro nas simulações de segundo turno.
Mas a um mês do primeiro turno aconteceu o episódio que, segundo muitos analistas, definiu a eleição: a facada que Bolsonaro sofreu durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG). O então candidato teve que se submeter a cirurgia e a tratamento médico, foi poupado de críticas de rivais em respeito a seu estado de saúde e teve aumento das intenções de voto dos brasileiros depois desse ataque. Ele passou ao segundo turno com ampla vantagem sobre Haddad, o único que derrotava nas pesquisas.
Bolsonaro também conseguiu superar a falta de verbas de campanha e de exposição na TV com uma arma dos “novos tempos”: o crescente acesso dos brasileiros a redes sociais como o Facebook e o Twitter, além de mensagens em grupos no WhatsApp, principal app de comunicação no país.
Hoje Bolsonaro conta com mais de 9 milhões de seguidores no Twitter, com 14 milhões no Facebook - rede em que realiza lives semanais às quintas-feiras - e 21,8 milhões no Instagram. O presidente por vezes antecipa decisões no Facebook, como foi o caso da demissão do então presidente da Petrobras Roberto Castello Branco no começo de 2021, contrariado com o aumento dos preços de combustíveis.
Nesse ponto, houve a suspeita de uso de um esquema de disparo em massa de mensagens por meio do WhatsApp. A campanha de Bolsonaro foi acusada de financiamento ilegal de campanha, dado que o esquema teria sido bancado por empresas privadas, o que é proibido. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porém, não encontrou provas da ligação entre a campanha de Bolsonaro e os empresários.
Sem Moro e não mais outsider
Nestes quatro anos, não foi apenas a preferência da maior parcela do eleitorado que Bolsonaro perdeu: duas das plataformas políticas que o ajudaram a ser eleito, o combate à corrupção e a bandeira de outsider da política, também tiveram o apelo enfraquecido junto aos brasileiros.
No primeiro caso, as denúncias de corrupção não só contra o PT como em relação aos demais partidos perderam espaço no próprio rol de prioridades dos brasileiros para questões como a preocupação com o trabalho e com o custo de vida, depois de depois de dois anos e meio de pandemia.
A crise econômica derivada em boa parte pelos efeitos da pandemia, algo presente não só no Brasil como no mundo, chegou a deixar 15,3 milhões de brasileiros desempregados no primeiro trimestre de 2021. Esse número caiu no segundo trimestre deste ano para 10,1 milhões de pessoas, mas a melhoria das condições de vida e a percepção sobre isso não se refletem imediatamente nas intenções de voto.
Também pesaram as investigações envolvendo seu filho Flávio Bolsonaro, hoje senador pelo PL, no tempo em que foi deputado estadual do Rio de Janeiro. Ele foi acusado e investigado pela suposta prática de rachadinha, em que assessores entregam ao parlamentar parte de seus rendimentos.
Houve por fim também a aproximação com líderes de longa data do Centrão, a ala da Câmara que Bolsonaro criticou durante a campanha de 2018 com seu discurso anti-política dada a imagem de suposta associação de alguns parlamentares com práticas de troca de apoio por favores em governos passados.
Essa aproximação com líderes do Centrão, fundamental para garantir uma base política que o apoiasse na votação de projetos na Câmara e conter pedidos de impeachment no auge da pandemia, também abalou o discurso de quatro anos atrás de outsider da política tradicional de Brasília.
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