Bloomberg Opinion — Desde a semana passada, quando o presidente russo Vladimir Putin anunciou que mobilizaria centenas de milhares de soldados adicionais, os homens russos vêm tentado sair do país. A questão para nós, no Ocidente, é: deveríamos receber esses soldados?
Sim, segundo a Alemanha. Qualquer pessoa que odeie Putin e ame a democracia liberal é bem-vinda, tweetou Marco Buschmann, ministro da Justiça da Alemanha, logo após o anúncio de Putin. Em 2015, o governo alemão inicialmente acolheu os sírios; em 2022, parece estar se preparando para receber os russos da mesma forma.
“Loucura”, contrariou um político estoniano, falando em nome de muitos outros, principalmente nas partes da União Europeia que fazem fronteira com a Rússia. O argumento segue, afirmando que os alemães estão sendo ingênuos novamente. Entre as multidões de russos que afirmam ser dissidentes ou oponentes do ataque de Putin à Ucrânia, certamente haverá também alguns simpatizantes.
O termo usado é “little green men”, ou “homenzinhos verdes”, originário do rótulo dado a soldados russos que anexaram a Crimeia em 2014. Eles usavam camuflagem verde, mas nenhuma insígnia oficial do exército russo. Putin fingiu que eles eram voluntários locais e “grupos de autodefesa”. Hoje em dia, o termo “homenzinhos verdes” pode se referir a qualquer um de seus agentes secretos. Estes, por sua vez, representam apenas um dos muitos vetores que Putin, treinado pela KGB, utiliza para sua guerra híbrida contra o Ocidente – desde desinformação e ciberataques até interferência em eleições estrangeiras e muito mais.
O contra-argumento pode funcionar da seguinte forma: sim, o Ocidente deve ter cuidado com os impostores que se disfarçam de esquivos e subvertem as sociedades abertas da Otan e da UE. Isso também se aplica aos turistas russos, e é por isso que vários países da UE estão certos em começar a proibir a maioria dessas visitas por parte dos russos. Mas também devemos apoiar os russos que fogem das garras de seu ditador, pois eles correriam grave perigo se ficassem em casa depois de escapar do alistamento.
Este argumento humanitário tem um corolário tático. Qualquer homem russo que hospedemos não pode estar simultaneamente lutando e matando ucranianos. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, já apelou (em russo) aos homens russos para que desafiassem a mobilização. O Ocidente poderia ajudar, abrigando aqueles que o fazem.
A perspectiva de asilo também aceleraria a fuga de cérebros da sociedade russa, o que já está em andamento. A Rússia de Putin está perdendo algumas de suas mentes mais talentosas e criativas, assim como a Alemanha de Hitler já exportou muitas de seus melhores e mais brilhantes para os Estados Unidos e outros países. Alguns dos refugiados do Terceiro Reich mais tarde retornaram à sua terra natal como soldados americanos qualificados e motivados para ajudar a acabar com os nazistas.
O cenário ideal, é claro, seria que os russos tomassem a mobilização em massa de Putin como sua deixa não para fugir do país, mas para se levantar e derrubar o regime. Mas em sua Rússia – como em outras tiranias do passado e do presente – isso coloca um ônus de heroísmo sobre os russos comuns. Fugir pode ser mais fácil se for facilitado.
A decisão para a UE e outros países se resume, portanto, a pesar o risco de receber impostores contra o benefício de ajudar a sabotar a mobilização de Putin, e consequentemente, todo o seu esforço de guerra.
Garantir que cada esquivo russo que aparecer também “ame a democracia liberal”, como o alemão Buschmann estipulou tão otimista, será difícil – assim como foi difícil em 2015 e 2016 identificar jihadistas do Estado Islâmico entre os refugiados sírios que chegavam. Mas a esperança do asilo europeu é suficiente para muitos russos que esperam não se transformar em bucha de canhão ou criminosos de guerra na Ucrânia.
É compreensível que muitos europeus estejam rejeitando o asilo de esquivos russos. Duas décadas de experiência mostraram que os poloneses, lituanos, letões e estonianos estavam certos ao serem agressivos com a Rússia, enquanto que os alemães, ao serem pacifistas, estavam simplesmente sendo ingênuos.
Desta vez, no entanto, os alemães poderiam ter a abordagem mais perspicaz.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Andreas Kluth é colunista da Bloomberg Opinion e cobre política europeia. Já foi editor chefe do Handelsblatt Global e redator do Economist. É autor de “Hannibal and Me.”
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