Os planos da Gafisa (com ou sem follow-on) e a visão sobre o próximo governo

Henrique Blecher diz à Bloomberg Línea esperar queda de juro e um ano melhor em 2023; ações tiveram forte queda na segunda-feira após anúncio de estudo de oferta

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Bloomberg Línea — O mercado imobiliário brasileiro, pressionado pelos juros elevados, começa a antever uma melhora nas expectativas para 2023. A aposta na queda na taxa básica de juro (Selic), mantida em 13,75% ao ano pelo Banco Central no última semana, tem favorecido as ações de construtoras e incorporadoras na B3. O índice do setor (IMOB) acumula alta de 8,4% neste mês e de 7,25% no ano, versus um Ibovespa, principal referência da Bolsa, com ganho praticamente zerado no mês e alta de 4,55% em 2022.

Uma das incorporadoras que defendem uma visão otimista para o setor é a Gafisa (GFSA3), uma das mais tradicionais do país e entre as maiores no segmento dedicado à alta renda.

“2023 vai ser melhor que 2022. Tivemos o aperto monetário e a guerra na Ucrânia. Ainda temos que entender como será o jogo político após a eleição, qual será a sinalização do novo ministro da Economia sobre o teto de gastos ou outra alternativa. Independentemente de quem vença, o Brasil terá de apresentar ao mercado algum nível de responsabilidade fiscal”, disse Henrique Blecher, recém-nomeado CEO da Gafisa, em entrevista à Bloomberg Línea.

A entrevista foi concedida antes do comunicado ao mercado na segunda-feira (26) pela manhã de que a empresa avalia realizar um follow-on (oferta subsequente de ações) com esforços restritos. O anúncio da oferta levou a ação a cair 19,3% na segunda, negociada no fechamento a R$ 9,11. O papel acumula queda de 15% no mês e de 50% no ano. Nesta terça, a ação caía cerca de 6% por volta do meio-dia.

“No Brasil pós-eleição, qualquer que seja o vencedor, será preciso um discurso de respeito às contas fiscais do governo, uma projeção mínima de um trabalho de fomento do investimento privado”, defendeu.

Ele ponderou que a evolução do cenário macro brasileiro vai depender do comportamento da economia norte-americana, atualmente afetada por temores de uma recessão diante da previsão de novos aumentos dos juros (hoje na faixa de 3% a 3,25%) para conter as pressões inflacionárias.

“Se nos EUA os juros ficarem entre 3,75% e 4% no máximo, dá para considerar uma redução dos juros no Brasil no primeiro semestre de 2023”, afirmou o executivo.

Instituições financeiras têm buscado apontar o “timing” do esperado início do alívio monetário, com economistas divididos entre apostas sobre o primeiro e o segundo semestre do ano que vem.

“Só o fato de o Lula ter falado com o Henrique Meirelles, pai do teto de gastos, gera uma expectativa, pois dá uma sinalização sobre o futuro ministro da Economia. O primeiro ano do pós-eleição costuma ser positivo. O Brasil vai melhorar no ano que vem. Essa é minha percepção”, afirmou Blecher.

Lançamentos adiados

Com foco no público de alta renda, a Gafisa decidiu segurar os lançamentos de imóveis previstos para este ano, revelou o CEO. “Vemos incorporadoras segurando lançamentos para o ano que vem. Eu também dei uma segurada. A expectativa de baixar os juros implica melhoria do mercado imobiliário”, disse o executivo, acrescentando que a companhia continua com 23 canteiros de obras ativos.

No último dia 16, a Gafisa anunciou a conclusão da aquisição da carioca Bait Incorporadora por R$ 180 milhões, reforçando seu posicionamento no mercado de alta renda.

Com a conclusão do negócio, a companhia anunciou a chegada de Blecher como CEO, o que foi considerado uma mudança importante na estrutura organizacional. Havia três anos, a Gafisa atuava no modelo de cogestão e não tinha um CEO único à frente do negócio. Blecher foi sócio fundador e CEO da Bait.

O executivo disse que o público de alta renda foge do mercado imobiliário no período de juros elevados não por causa do crédito mais caro. “Há uma preguiça de comprar apartamento se o dinheiro está rendendo sem estresse no CDB ou em um papel LCI de um banco de primeira linha.”

Baixa renda

Questionado sobre se a Gafisa pretende entrar no mercado de baixa renda, a fim de aproveitar uma eventual reedição do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, o CEO descartou possibilidade. “O nosso negócio de construir com a cultura da alta renda é artesanal. Mesmo se o Lula, se eleito e subsidiar mais ainda o Minha Casa Minha Vida, eu não sei fazer negócio para o público da baixa renda”, disse Blecher.

Sobre suas primeiras prioridades no comando da companhia, o CEO revelou que está analisando cada um dos projetos da Gafisa, a fim de reestruturá-los, de olho no cenário futuro do setor.

“Na Gafisa, já tinha estrutura de capital montada, mas vou olhar um por um, buscando antecipar esses ciclos e estruturar o capital olhando para frente. Temos de ser criativos. Durmo e acordo pensando na estrutura de capital da empresa”, afirmou o executivo.

“Tenho de aliar meu funding com meu equity. Na Bait, mudei o funding o tempo inteiro, mudei duration, taxa de CDI, inflação, para não ter uma dívida grande no peito”, disse Blecher.

Outra missão do executivo é encontrar melhores terrenos nos bairros nobres de capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. “Estou negociando uma pérola no Rio de Janeiro, para o qual ninguém está olhando, porque tem confusão, briga, questões, mas estou otimista. Em São Paulo, há mais concorrência. Onde tem terreno disponível há de 10 a 20 concorrendo com você. Aqui no Rio é pouco menos. Onde a altíssíma renda quer morar, você tem de brigar pelos melhores terrenos, construir alternativas”.

Outra prioridade do CEO é buscar a inovação de projetos. “Temos um ativo já dentro de casa, que vai ser uma surpresinha em termos de projeto diferente do que se está acostumado a ver”, afirmou, sem fornecer detalhes.

Recuperação judicial no setor

Blecher também comentou o pedido de recuperação judicial (RJ) da Rossi Residencial, anunciado na semana passada. “Não sei se vai ter uma onda de RJ. O CDI a 14% sufoca e estrangula qualquer incorporadora. Todo mundo fica preocupado com a estrutura de capital.”

“A RJ é cruel com o setor, pois não vendemos barril de petróleo, mas um sonho que vai ser construído em três, quatro anos. E, durante a RJ, a empresa não consegue fazer lançamentos, fica difícil gerar caixa, aí só queima caixa para manter as operações”, disse o CEO.

A tendência de redução dos custos, caso confirmada, pode representar um alívio para as construtoras. Na semana passada, a FGV divulgou a segunda prévia de setembro para o INCC-M (Índice Nacional de Custos da Construção), que teve variação positiva de 0,07%, depois de alta de 0,54% na segunda prévia de agosto. Materiais, equipamentos e serviços caíram 0,07%, depois de alta de 0,33% em agosto.

“São notícias positivas para as construtoras, pois os custos têm sido a principal preocupação desde o início da pandemia, que aumentou com a guerra Ucrânia-Rússia. Isso deve beneficiar tanto as construtoras de baixa renda quanto as de média-alta renda se a tendência continuar nos próximos meses”, escreveram os analistas Bruno Mendonça (Bradesco BBI) e Wellington Lourenço (Ágora Investimentos).

Eles acrescentaram que as construtoras de baixa renda devem se beneficiar ainda mais após as mudanças do programa Casa Verde Amarela, enquanto as companhias voltadas para a alta renda, cujas margens sofreram com revisões orçamentárias negativas no segundo trimestre de 2022, devem ver algum alívio se os custos efetivamente diminuírem.

A equipe de research da XP também diz ver sinais de maior controle na inflação de preços de matérias-primas, o que, na sua avaliação, deve continuar desacelerando, aliviando marginalmente a pressão de custos no setor, especialmente para as construtoras de baixa renda.

“Notamos um movimento de maior seletividade nos lançamentos das construtoras de média/alta renda, porém, vemos um nível saudável de vendas líquidas, provenientes de vendas de estoque, em nossa visão. Do lado negativo, vemos as concessões de financiamentos imobiliários pelo SBPE acelerando significativamente, mas o fluxo líquido de recursos da caderneta de poupança continua negativo”, apontou a XP.

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