‘Wall Street do Sul’: o que a chegada de Ken Griffin representa para Miami

Fundador da Citadel, com patrimônio de US$ 29,6 bilhões, abandonou Chicago e migrou para a Flórida, mas nem todos são acolhedores

Este é o destino de muitos integrantes do setor financeiro
Por Amanda L Gordon
24 de Setembro, 2022 | 02:10 PM

Bloomberg — Se tudo der certo, em alguns anos Miami estará praticamente irreconhecível.

Haverá boates e talvez até fãs obcecados por criptomoedas. Mas, além deles, haverá programadores e gerentes de patrimônio pelas ruas de Brickell impulsionando lucros astronômicos na sede global de ponta da Citadel e da Citadel Securities. Uma multidão de advogados, contadores e hedge funds seguirão a empresa até a “Wall Street do Sul”, que persiste mesmo após a pandemia.

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Esta é a visão de Ken Griffin, que instantaneamente se tornou a pessoa mais rica da Flórida após se mudar com sua família e seu império financeiro de Chicago para Miami. Dependendo de quem você perguntar, ele pode ser um novo Maquiavel, Ayn Rand, Robert Moses ou David Rockefeller. Com uma fortuna de US$ 29,6 bilhões, ele é uma força nos negócios, na filantropia e, recentemente, na política.

Alguns moradores da cidade gostaram mais da notícia que outros. Os entusiastas apontam para o efeito multiplicador na economia local de milhares de trabalhadores bem remunerados, e todos consideram a Citadel um catalisador que transformou Miami em uma nova capital americana de alta tecnologia e finanças, com toda a infraestrutura e cultura que a acompanha. Já os céticos questionam quais comunidades serão deslocadas nesse processo e se Griffin tem segundas intenções.

O fundador da Citadel está tentando um feito raro: se mudar no auge de sua carreira – em um momento em que seu negócio está prosperando – para uma cidade mais maleável com ventos favoráveis. Em vez de um democrata, Griffin tem como líder o governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, que ele afirmou que apoiaria na campanha pela presidência em 2024, mesmo que enfrentasse Donald Trump.

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Com 53 anos de idade, Griffin não tem uma agenda formal nem fez doações extravagantes. O local da futura sede da Citadel – uma torre à beira-mar, com uma lista de ambições que inclui um heliponto, uma marina e vista para a Baía de Biscayne – é, por enquanto, um terreno vago. Ele planeja instalar sua família e colegas e ouvir as necessidades do sul da Flórida antes de impor sua presença – tanto profissional como filantrópica – na região onde ele nasceu e cresceu.

Mas não se engane: ele planeja ter impacto.

“Não vamos trazer meias-medidas, vamos com tudo”, disse Griffin em uma entrevista em Miami.

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Propriedades de Griffin

Ao mesmo tempo, Griffin disse que “definitivamente estará envolvido na corrida presidencial”, e não descartará uma mudança para Washington. Se for chamado – principalmente se os Estados Unidos estiverem em recessão – ele disse estar preparado para juntar-se ao gabinete de DeSantis, que ele conheceu pela primeira vez no escritório da Citadel de Chicago durante sua primeira corrida para governador. Uma outra opção pode ser secretário do Tesouro.

Nesse cenário, Griffin poderia deixar seu negócio permanentemente. Afinal, Peng Zhao, CEO da Citadel Securities, e Pablo Salame, codiretor de investimentos da Citadel, já poderiam administrar a empresa sem ele. Mas é apenas uma hipótese – assim como a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) da Citadel Securities, que Griffin diz não ser provável neste ano nem no próximo.

Griffin já reconheceu que, a menos que a Citadel faça algo errado, sua mudança repaginará Miami definitivamente. Embora seu negócio tenha se mudado recentemente, ele passou uma década construindo uma enorme pegada imobiliária pessoal na área, garantindo influência tanto em Miami quanto em Palm Beach, Flórida, onde sua empresa também está abrindo um escritório. Ele considera as duas cidades, agora ligadas pelo trem Brightline, parecidas com a Manhattan e Greenwich, no estado de Connecticut.

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Distrito financeiro de Brickell

A comparação ficou até mais adequada desde a pandemia. Os recém-chegados na região incluem os investidores multibilionários Dan Och, Dan Sundheim e Josh Harris, entre outros atraídos por impostos mais baixos e pelo clima mais quente. Griffin já considera alguns novos residentes como parte de seu círculo, incluindo Paul Tudor Jones, que se mudou de Greenwich, e Bruce Rauner, o ex-governador de Illinois.

Mesmo entre estes multimilionários e bilionários, Griffin tem maior influência. Seu hedge fund da Citadel supervisiona cerca de US$ 57 bilhões, impulsionando os ativos administrados por empresas sediadas em Miami. Esse valor atingiu US$ 688,3 bilhões no final de agosto, acima dos US$ 303,4 bilhões do ano anterior, de acordo com a empresa de análise de dados Convergence.

“Alguém como Ken Griffin não terá problemas para navegar por Miami, porque ele instantaneamente terá novos melhores amigos”, disse Phillip Frost, cujo nome está no museu de ciências de Miami e, assim como Griffin, é proprietário de imóveis na exclusiva Star Island. “Ele será procurado, sem dúvida. Seu trabalho será se defender”.

Nem todos aceitarão Griffin. Primeiro, alguns democratas acreditam que DeSantis e Francis Suarez, prefeito republicano de Miami, estão ganhando um importante apoiador e aliado. Aqueles acostumados a serem os mandachuvas devem competir com alguém de um nível patrimonial diferente.

Griffin também pode ter que desviar as críticas por trazer uma onda repentina de financiadores de alto rendimento para Miami, uma cidade majoritariamente hispânica na qual os aluguéis estão aumentando mais do que em qualquer outra grande área metropolitana dos EUA, afetando as famílias de média e baixa renda.

“Esta é realmente uma infusão inorgânica de indivíduos de classe média alta e rica que estão chegando repentinamente e ampliando ainda mais a lacuna de riqueza”, disse Alberto Ibarguen, chefe da Knight Foundation, que dedica grande parte de seus bilhões a Miami.

Os nativos de Miami, como Ana VeigaMilton, viram isto tudo à sua volta. VeigaMilton, que vive em Coral Gables desde 1998 e administra a Fundação José Milton, disse que o grande problema da cidade é a falta de casas disponíveis, já que os novos residentes pagam o que for preciso para fechar uma venda.

“É muito difícil se você cresceu em Miami, viveu em Miami, ter esse tipo de dinheiro para competir com o dinheiro vindo de Nova York ou Chicago”, disse ela. “Isso vai afetar meus vizinhos, meus amigos”.

Griffin, que não fala espanhol, disse respeitar a ética de trabalho árduo da cultura hispânica. Ele disse em sua carta a funcionários que estava animado para expandir “em uma cidade tão rica em diversidade e abundante em energia”.

Essa energia vem de toda parte; de Miami Beach a Wynwood, Coral Gables e Pinecrest. Há também Coconut Grove, onde Griffin pagou cerca de US$ 107 milhões por uma propriedade à beira-mar, estabelecendo um recorde para uma casa unifamiliar no condado.

Mas o local que deve receber a repaginada da Citadel é o distrito financeiro, chamado Brickell devido a uma das famílias fundadoras da cidade, e localizado no meio da metrópole em expansão.

Brickell City Centre

Griffin disse que passou muito tempo caminhando por Brickell, onde ele adquiriu não apenas o terreno em que a torre deve ficar, mas também dois prédios que lhe atribuem uma grande presença no local.

E ele não tem vergonha de contrastar com a cidade que ele deixou.

Ele se lembra de duas histórias sobre Chicago, que ele acredita estar se tornando uma anarquia: um de seus colegas foi assaltado depois que uma pessoa lhe apontou “uma arma na cabeça” enquanto ele ia comprar café, e outro estava esperando por um carro quando confrontado por “um lunático qualquer que tentava lhe dar um soco na cabeça”. Ele pediu ao prefeito de Nova York, Eric Adams, que abraçasse uma estratégia de segurança pública, ou então a cidade correria o risco de seguir o mesmo caminho de Chicago.

As propriedades pessoais de Griffin em Miami também incluem Star Island, acessível apenas por uma ponte fechada, e no afluente bairro de Coral Gables. Nenhuma delas está na cidade de Miami, que registrou 35 homicídios este ano até meados de setembro – cerca de oito a cada 100 mil habitantes. Essa proporção é duas vezes maior do que a de Nova York, mas apenas metade da de Chicago. Extrapolando esse valor para o Condado de Miami-Dade, a proporção cai para dois a cada 100 mil habitantes.

As pessoas que vivem e trabalham na área em que Griffin vai construir uma torre afirmam ter notado o aumento da população de rua durante a noite. Os crimes relatados durante o mês passado incluem roubos e assaltos de carros, de acordo com o site da cidade. A Associação de Proprietários de Brickell realizou reuniões com a polícia e funcionários do Miami-Dade Homeless Trust para atender às preocupações do condado, e o Dade Heritage Trust instalou câmeras para monitorar seus terrenos.

Enquanto isso, Brickell continua evoluindo. Antes da pandemia, o Brickell City Centre, um destino para compras e restaurantes, deu início à reinvenção da área, juntamente com o condomínio de luxo Brickell Flatiron do desenvolvedor italiano Ugo Colombo. Agora, abundam guindastes e trabalhadores da construção civil, com vários novos arranha-céus em construção, anexados a nomes como Cipriani, Baccarat e Stephen Ross.

O Underline, uma ciclovia com espaço verde sob o Metrorail que visa tornar-se um parque de quilômetros de extensão, é a resposta de Miami ao parque planejado High Line de Nova York.

Griffin adquiriu um terreno e outros imóveis em Miami

Para Griffin, nada vai se comparar ao complexo da Citadel quando este estiver pronto em cinco ou seis anos. Um vídeo mostra projeções da nova torre, que pode ultrapassar 305 metros, como uma peça de arquitetura de destaque na paisagem de Miami.

Griffin, que estima que a obra custará US$ 1 bilhão, quer instalar lojas e restaurantes no andar térreo para atrair o tráfego de pedestres. Ele planeja oferecer pessoalmente espaços de escritório para algumas das mais valiosas empresas americanas, como a Apple (AAPL). Outra ideia é que o prédio um dia seja o lar de um programa de ciência da computação em parceria com uma universidade próxima.

“Vou trabalhar para criar um prédio emblemático em Miami”, disse Griffin. “Se demorar mais tempo para encher o prédio, que assim seja. Para mim, é mais importante criar o ambiente certo para atrair o capital humano que impulsiona a Citadel”.

Como em qualquer propriedade à beira-mar na Flórida, a mudança climática e os desastres naturais são ameaçadores. A futura sede da Cidadela está localizada em um trecho que inunda mesmo em um furacão relativamente suave de Categoria 1. O prédio será reforçado, disse Griffin, mas observou que as cidades da Europa estão a um nível do mar mais baixo que Miami.

“O contra-argumento que você ouve com mais frequência sobre Miami é que vamos ficar debaixo d’água”, disse o prefeito de Miami, em uma entrevista. Ele observou que a Agência Federal de Gerenciamento de Emergências recentemente baixou a pontuação de inundação da cidade (embora grande parte de Brickell, bem como a totalidade de Star Island e Miami Beach, permaneçam sob ameaça).

Griffin reconhece que haverá alguns desafios com a migração. Os funcionários mais velhos, por exemplo, serão menos propensos a se mudarem devido aos empregos dos cônjuges e filhos nas escolas. Grande parte do pessoal júnior que acaba de sair da faculdade, contudo, deve ir para Nova York, Miami e Londres. Segundo ele, o quadro de funcionários de Miami poderá chegar a 1.500 pessoas em dez anos.

Aqueles no mundo dos hedge funds estão curiosos sobre como o espírito da Citadel se encaixará em Miami. Anshu Motwani, de 42 anos, trabalhou para a Blackstone (BX) e o Goldman Sachs (GS) antes de se mudar para Miami, juntando-se à Bayview Asset Management em Coral Gables, onde é uma executiva sênior. Segundo ela, se tivesse ficado em Nova York, ela não acredita que teria seu atual equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

“Será curioso ver se a cultura da Citadel vai se adaptar rapidamente a este ambiente”, disse ela. “A presença no escritório por muitas horas na semana simplesmente não funciona em Miami”.

Alguns especularam que a Citadel poderia um dia gerar novos hedge funds que também ficariam em Miami. Isso iria contra os precedentes das últimas três décadas: embora a Citadel tenha produzido alguns lançamentos de alto nível, a maioria dos investidores que deixam a Citadel se mudam para outras empresas, em vez de começar seus próprios hedge funds.

O mais provável é a entrada contínua de grandes firmas de advocacia como Sidley Austin e Quinn Emanuel, que ficaram próximas das grandes instituições financeiras que se mudaram desde a pandemia.

Na área de filantropia, Griffin disse que a educação é sua prioridade, e seus funcionários já estão conversando com escolas privadas e defensores de instituições públicas sobre oportunidades. Zhao, na diretoria da Asian American Foundation, está animado com a criação de uma comunidade forte em Miami, onde a população asiática é de cerca de 2%.

Mesmo que os recém-chegados façam suas doações, eles podem trazer seu separatismo, fazendo alguns duvidarem de sua integração com a comunidade existente.

“Você tem pessoas com muito dinheiro que vão criar redes inteiras”, disse o autor e jornalista Nicholas Griffin, que se mudou para Miami há 10 anos com sua esposa, Adriana Cisneros, CEO do Grupo Cisneros.

Por enquanto, não parece que os US$ 130 milhões de Griffin para Chicago serão atingidos de uma só vez em Miami. Griffin deu US$ 25 milhões para a cidade nos últimos anos – grande parte antes de anunciar sua mudança. Ele já apoiou o acesso à banda larga, o Fundo de Resiliência de Miami e o projeto Underline – funcionários da Citadel estão prontos para serem voluntários no próximo mês.

Griffin diz que se Suarez o contatar com uma boa ideia, ele certamente consideraria apoiá-lo. Ele se lembra de quando reclamou de buracos em uma ciclovia em Chicago e, poucos dias depois, Rahm Emanuel apresentou um plano e um orçamento. Griffin assinou um cheque na hora.

Franklin Sirmans, diretor do Perez Art Museum Miami, disse que gostaria de exibir o quadro de Basquiat de Griffin, porque ele repercutiria com a população haitiana da cidade. Griffin, que tem uma extensa coleção de arte, retirou-a do Instituto de Arte de Chicago, mas ainda não está claro para onde ela irá.

“Não acredito que o espírito de Miami foi totalmente descoberto”, disse Nicholas Griffin. “Ainda é uma cidade muito jovem com todo o futuro pela frente”.

--Com a colaboração de Dave Merrill, Tom Maloney, Katherine Burton e Jennifer Epstein.

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