Bloomberg Línea — A mexicana Kavak, a startup mais valiosa da América Latina, informou nesta terça-feira (20) que assinou linhas de crédito de US$ 810 milhões com as instituições bancárias HSBC (HSBC), Goldman Sachs (GS) e Santander (SANB11).
Avaliada em US$ 8,7 bilhões após um financiamento de capital liderado pela General Catalyst em 2021, a empresa opera um e-commerce de compra e venda de veículos usados. É um modelo semelhante ao da varejista americana Carvana, que demitiu 2.500 pessoas em maio, cerca de 12% de sua equipe.
Mas por que uma empresa que conseguiu atrair SoftBank, General Atlantic e Greenoaks para investir mais de US$ 1,6 bilhão em cinco rodadas de captação agora está perseguindo bancos para obter crédito em um momento em que as taxas de juros estão subindo? Ou seja, em um momento em que esse tipo de dívida está ficando mais caro?
O financiamento de capital de risco da América Latina caiu pela metade em relação ao pico do ano passado, de acordo com o Latin America Digital Transformation Report 2022 da Atlantico (parte da mesma empresa de investimentos por trás do Canary, de investimentos early stage na América Latina).
“Os investidores estrangeiros parecem estar tirando o pé do acelerador do financiamento, mas estão longe de abandonar a região como no passado. Os fundos locais estão crescendo para fazer a diferença”, escreveu Julio Vasconcellos, da Atlantico.
Em alguns casos, optar pelo crédito em vez de vender equity é uma forma de empresas evitarem os chamados down rounds (rodadas a um valuation mais baixo do que o da captação anterior), disse Brian Hutchings, sócio do Gunderson Dettmer, escritório de advocacia especializado em startups e tecnologia, em entrevista à Bloomberg Línea. No entanto ele acha que empresas em estágio avançado - late stage - estão tomando empréstimos com mais frequência por causa da quantidade de capital.
“As empresas de tecnologia financeira ou empresas de empréstimo precisam de uma grande quantidade de dinheiro para fornecer aos seus clientes, e a quantidade de capital de que precisam é maior do que podem levantar com rodadas”, disse Hutchings.
Ele explica que, em alguns casos, a diluição da participação acionária de uma empresa com uma rodada de venture capital pode ser maior do que a quantidade de dinheiro fornecido, logo, não faria sentido para o empreendedor captar por equity.
Não é só a Kavak. Nos últimos dias, o Goldman Sachs forneceu uma linha de crédito de US$ 140 milhões para a fintech chilena Xepelin, enquanto a fintech de pagamentos mexicana Clip garantiu uma linha de crédito rotativo sem garantia de US$ 50 milhões com Morgan Stanley (MS), JPMorgan (JPM), e HSBC.
O Goldman Sachs forneceu uma linha de crédito com garantia de US$ 150 milhões para a empresa mexicana de gerenciamento de empréstimos e despesas Clara.
O banco norte-americano também emprestou US$ 233 milhões ao Mercado Livre (MELI) em julho, participou de uma linha de crédito de US$ 650 milhões para o Nubank (NU) no início deste ano e forneceu US$ 160 milhões à mexicana Konfio no ano passado.
A própria Kavak também cortou funcionários em São Paulo e no Rio de Janeiro em junho, quando anunciou que estava investindo US$ 180 milhões em expansão global, nos mercados de Turquia, Colômbia, Chile e Peru. Naquela época, a Kavak disse que já tinha o orçamento para a expansão captado na rodada anterior, uma Série E de US$ 700 milhões.
Agora, o HSBC vai fornecer US$ 675 milhões em financiamento para a Kavak, enquanto o Goldman Sachs terá uma linha de crédito de US$ 100 milhões, e o Santander, de US$ 35 milhões. A Kavak diz que usará o dinheiro para desenvolver seu modelo de negócios e aumentar seu estoque à medida que expande seus negócios na região.
As dívidas de startups
No Brasil, o Itaú BBA disse em entrevista à Bloomberg Línea que construiu uma carteira de dívida de risco com recursos próprios do balanço do banco, ou seja, sem ter que fazer uma captação para esse fim.
Nessa estrutura de dívida de venture separada, o Itaú tem R$ 300 milhões (quase US$ 57 milhões) para alocar em startups até o final deste ano, com o plano de investir em tíquetes menores de empresas que estejam mais em estágio inicial - o chamado early stage.
Rodrigo Catunda, managing director da General Atlantic no Brasil, acredita que a dívida de risco é um “instrumento mais defensivo”, ao qual empresas deveriam recorrer apenas quando precisarem assumir dívidas caras porque não têm capital disponível, segundo afirmou durante o Bloomberg Línea Summit, realizado na semana passada em São Paulo.
Hutchings disse que o financiamento de crédito será mais comum porque há demanda e há oferta. “Os bancos estão cada vez mais interessados em tecnologia, em empresas privadas de tecnologia, e também os fundos de dívida estão cada vez mais interessados nessa região”, disse ele à Bloomberg Línea.
“Quando um investidor de equity está decidindo se deve investir em uma empresa, ele não gosta que seu dinheiro vá para um credor, embora tenho certeza de que isso acontece às vezes”, disse Hutchings.
“Eles [os investidores] preferem que o dinheiro seja aplicado em crescimento. Mas investidores de equity podem controlar isso por meio dos contratos, podem especificar como querem que o dinheiro seja usado.”
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