Bloomberg — Os comentários de Vladimir Putin sobre Taiwan podem acabar pesando para Xi Jinping, mesmo após o russo ter admitido que a guerra era uma preocupação para o presidente da China.
Durante suas primeiras conversas presenciais desde o início da guerra na Ucrânia nesta quinta-feira (15), Putin criticou o que chamou de “provocações dos Estados Unidos e seus satélites no Estreito de Taiwan”, ao mesmo tempo em que reiterou o apoio ao princípio de “uma só China” de Pequim.
A declaração de Pequim sobre a conversa agradeceu a Moscou por sua posição sobre a ilha ao mesmo tempo em que afirmou que “nenhum país tem o direito de agir como juiz na questão de Taiwan”. A declaração não mencionou a Ucrânia, onde os militares russos sofreram derrotas humilhantes recentemente.
Apesar das dúvidas sobre qual o limite do apoio da China à invasão de Putin na Ucrânia, Pequim deixou claro que concorda com as críticas da Rússia sobre a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) por parte dos EUA, o que representa uma ameaça à segurança. A China acusou os EUA de tentar estabelecer uma versão indo-pacífico da aliança e considera que as recentes ações dos legisladores de Washington incentivam o separatismo em Taiwan.
As tensões em torno de Taiwan aumentaram depois que a porta-voz da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, visitou a ilha no início de agosto, quando Xi acabou ordenando exercícios militares sem precedentes do Exército de Libertação do Povo no Estreito de Taiwan.
Pequim também alertou sobre mais revoltas se os legisladores americanos aprovarem a Taiwan Policy Act, ou a Lei de Política de Taiwan, que daria a Taipei US$ 4,5 bilhões para defesa durante quatro anos e possivelmente reconheceria a ilha como um grande aliado de fora da Otan.
“Em vez de buscar mais apoio da China sobre a guerra na Ucrânia, Putin prometeu mais apoio na questão de Taiwan”, disse Henry Wang Huiyao, fundador do Center for China & Globalization, um grupo de pesquisa política em Pequim. “Isso é algo novo para mim e mostra que Putin quer se aproximar da China, e não o contrário”.
Embora atualmente o foco esteja em como a China pode ajudar a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia, no longo prazo, Pequim pode estar calculando o apoio que Moscou poderia oferecer em qualquer conflito com Taiwan.
No caso de uma guerra, a Rússia pode ser fundamental para garantir o abastecimento de comida e combustível que pode ser afetado por sanções e movimentações militares dos EUA e de seus aliados.
A guerra da Ucrânia está dando a Pequim mais força para continuar comprando petróleo e gás de seu vizinho, o que poderia se traduzir em maior apoio militar da Rússia à China no longo prazo, segundo Alexander Gabuev, membro sênior do Carnegie Endowment of International Peace.
“A ajuda substancial será no fortalecimento do Exército – dissuasão nuclear e transferência de projetos de armas e de novos sistemas”, disse Gabuev. “Este é um apoio substancial para a política da China.“
No caso de uma guerra por Taiwan, a China precisaria de um apoio estratégico estável enquanto enfrenta batalhas no mar, escreveu Zhao Huasheng, professor da Universidade Fudan de Xangai que pesquisa a Rússia, em artigo publicado no mês passado pelo Centro de Segurança e Estratégia Internacional da Universidade de Tsinghua.
As exportações de petróleo e gás da Rússia para a China, que serão realizadas por meio de oleodutos, poderiam contornar as sanções no caso de um embargo imposto pelo Ocidente, escreveu ele, acrescentando que o transporte marítimo se tornaria pouco confiável.
“No caso de uma grande crise internacional, a Rússia será a mais importante fonte externa de petróleo bruto que a China poderia pensar – se não a única”.
Excertos oficiais da reunião de Xi e Putin paralelamente à cúpula da Organização de Cooperação de Xangai no Uzbequistão mencionaram poucos detalhes concretos sobre uma possível colaboração energética, inclusive em gasodutos.
China, Rússia e Mongólia disseram separadamente que impulsionariam ativamente a construção de gasodutos entre a China e a Rússia na Mongólia, de acordo com a agência de notícias Xinhua.
Ainda é possível que as discussões tenham acontecido a portas fechadas. Gabuev notou a presença do vice-primeiro-ministro russo Alexander Novak no evento.
“Ele é o responsável pelo relacionamento energético com a China”, disse Gabuev, acrescentando que a Rússia tem um “incentivo massivo” para trabalhar em estreita colaboração com a China em matéria de energia, considerando os desafios que enfrenta na Europa devido às sanções impostas em resposta à guerra na Ucrânia.
O país asiático ultrapassou a União Europeia e se tornou o maior comprador de petróleo bruto russo neste verão, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Esse ritmo poderia continuar, já que a UE deve impor sanções de transporte e seguro no comércio de petróleo russo após 5 de dezembro.
“Para onde a Rússia vai”? disse Gabuev. “A China é seu principal destino.”
- Com a colaboração de Sarah Chen.
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