Opinión - Bloomberg

Deveríamos cancelar a Black Friday e começar as compras de fim de ano mais cedo

Ampliar período de compras de fim de ano deve aliviar a cadeia de abastecimento, beneficiando consumidores, varejistas e transportadoras

Sobrecarga nas cadeias de abastecimento e possíveis greves são mau presságio para Natal deste ano
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Há algumas décadas, era um tabu vender produtos natalinos antes do feriado de ação de graças. Os varejistas queriam manter o foco no dia de compras em massa que ocorria logo após os americanos comemorarem e jantarem com suas famílias – era uma grande bonança comercial com a qual contavam para sair do vermelho. Assim começou a Black Friday.

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O tabu foi quebrado há tempos, e agora as lojas oferecem artigos natalinos cada vez mais cedo todos os anos. O Costco (COST) chegou a vender árvores de natal em agosto. Agora, vender esses produtos antes do feriado de Ação de graças é mais aceito. Até mesmo a comemoração de Dia das Bruxas, muito tradicional nos Estados Unidos, fica de lado ao passo que as decorações natalinas tomam espaço nas prateleiras.

As pessoas mais tradicionais podem ficar chateadas com isso, mas certamente será positivo para uma cadeia de abastecimento tensa. Se os varejistas puderem levar os consumidores a fazer suas compras mais cedo para aliviar o período conturbado em dezembro, os produtos poderão fluir com mais facilidade. As vendas de fim de ano que já começam em outubro são ótimas para a United Parcel Service (UPS), a FedEx (FDX) e a Amazon (AMZN), que aumentam suas capacidades por seis semanas todos os anos para manejar o aumento nas compras. Caso a demanda fique mais espaçada, a necessidade de mais funcionários e capacidade de armazéns diminui. Os varejistas também não teriam de contratar mais funcionários em regime temporário.

No ano passado, as compras de presentes de fim de ano foram dramaticamente antecipadas com o alerta de que os problemas na cadeia de abastecimento deixariam as prateleiras vazias e arruinariam o Natal. A cadeia de abastecimento, que normalmente constitui uma etapa obscura nos bastidores do comércio global, se tornou um termo corriqueiro com a piora dos problemas em portos, ferrovias, rodovias e armazéns que tomaram as manchetes no final do ano passado. Os varejistas fizeram suas promoções antecipadamente e o público respondeu à altura.

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O resultado foi que o volume de entregas da UPS e do FedEx aumentou em outubro e novembro em comparação com o ano anterior e diminuiu em dezembro. Em geral, as vendas mensais no varejo caíram 2,5% em dezembro, após uma alta de 1,8% em outubro e 0,2% em novembro, segundo dados do Census Bureau.

A campanha pelas compras antecipadas deve se repetir este ano para estimular o hábito de espaçar as vendas em lojas físicas e virtuais por dois ou três meses em vez de concentrá-las em um frenesi de poucas semanas no fim do ano. Só para oferecer uma noção da tensão que esse pico causa nas transportadoras: a UPS anunciou planos de contratar 100 mil funcionários em regime temporário para o fim deste ano – a mesma quantidade que nos últimos anos.

O aumento da demanda do comércio eletrônico durante a pandemia, principalmente durante as festas de fim de ano, permitiu que a UPS e o FedEx aumentassem os preços das entregas em mais de 20% desde 2019. Ambas as empresas limitaram o volume dos pacotes transportados, obrigando os varejistas a buscar alternativas. Startups de entregas atenderam a essa demanda, incluindo até a empresa de delivery DoorDash. Se mais entregas tivessem sido feitas em outubro e novembro, os varejistas não passariam tanto aperto em dezembro.

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A conveniência do comércio eletrônico se enraizou em nossas vidas, então ainda teremos aumento nas entregas durante o período tradicional de alta, mesmo com mais pessoas fazendo suas compras antecipadamente. Mas o ritmo será mais normal, afirma Marc Gorlin, que fundou e ainda opera a empresa de entregas no mesmo dia Roadie, adquirida pela UPS no ano passado.

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Os varejistas ficarão mais motivados a antecipar suas promoções de fim de ano porque os orçamentos dos consumidores estão sendo corroídos pela inflação, disse Gorlin em entrevista. Os varejistas também estão muito interessados em liberar mercadorias para reduzir estoques sobrecarregados.

Os varejistas já começaram a trazer seus produtos este ano. As importações no varejo, aferidas segundo os contêineres utilizados, aumentaram mais de 5% nos primeiros seis meses de 2022 em comparação com o primeiro semestre de 2021, de acordo com a Federação Nacional do Varejo dos EUA. Em julho, o número de contêineres para o varejo caiu em comparação ao mesmo período do ano passado, marcando apenas a terceira queda em dois anos enquanto os consumidores gastavam durante a pandemia. O volume deve cair 3,2% no segundo semestre de 2022, segundo a federação.

Transportadoras importaram os contêineres para produtos de varejistas mais cedo este ano

Isso deve trazer certo alívio para a cadeia de abastecimento, que certamente está melhor este ano que no ano passado, mas ainda está em apuros. Os armazéns estão lotados de produtos e não contam com funcionários suficientes para descarregar os caminhões rapidamente. As ferrovias sofrem com o serviço ruim, que afeta a movimentação dos contêineres e pode causar congestionamentos que chegam até os portos.

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O congestionamento dos portos este ano chegou ao leste dos EUA, atingindo em cheio o porto de Savannah, no estado da Georgia, pois as transportadoras desviaram suas cargas da costa oeste do país por temores de uma possível greve de estivadores por negociações nos contratos. Ainda mais ameaçadora é a possível greve dos ferroviários caso os sindicatos não consigam fechar um acordo de trabalho com mais de 30 ferroviárias até 16 de setembro. Qualquer um desses eventos seria péssimo para as festas de fim de ano.

Seja para superar os concorrentes com os descontos de fim de ano, para reduzir os estoques ou para manter o controle das despesas de entrega de pedidos, é sensato começar a temporada de compras de fim de ano agora. E no ano que vem também. Essa deve se tornar a nova tradição, não as notícias sobre consumidores lotando as lojas e brigando por produtos com desconto logo após o feriado de Ação de Graças. A vida útil da Black Friday, e até mesmo de sua versão mais nova – a Cyber Monday – já chegou ao fim. O pico de vendas em dezembro deve ser permanentemente achatado.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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Thomas Black é colunista da Bloomberg Opinion e cobre logística e manufatura. Já escreveu sobre as fábricas e transportadoras dos Estados Unidos e sobre a indústria, a economia e o governo do México.

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