Por que fechar as escolas durante a pandemia foi um erro

Novo estudo constatou que o fechamento das escolas pelo covid foi desastroso para os alunos – principalmente os mais pobres

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Bloomberg Opinion — Agora sabemos que as restrições relacionadas à pandemia foram devastadoras para o projeto de educação de nossos filhos. O Departamento de Educação dos Estados Unidos divulgou na semana passada que a experiência americana com o ensino remoto reduziu os resultados dos testes padronizados das crianças para níveis não vistos em duas décadas. Embora o desempenho tenha caído em todos os grupos demográficos, as perdas foram maiores entre as minorias e os pobres.

O anúncio foi recebido com grande preocupação, mas não deveria ser surpresa para ninguém. Pais contrários aos fechamentos das escolas sabiam o que estava por vir. Em seu novo livro The Stolen Year, Anya Kamenetz, da NPR, fala sobre o assunto: “o perigo de que as crianças fossem prejudicadas pelo fechamento prolongado das escolas em 2020 era claro desde o início”.

Exatamente. O impacto não foi apenas sobre o aprendizado, mas também o desenvolvimento social e a saúde mental. Mas como a lógica do lockdown evoluiu de “duas semanas para desacelerar a propagação” para uma série de objetivos inalcançáveis, aqueles que levantaram questões sobre a estratégia – inclusive ao apontar que crianças em pior situação seriam as mais prejudicadas – receberam avalanches de críticas iradas de pessoas que os acusavam de ignorar a ciência.

No entanto, a “ciência” não estava clara desde o início. Em 2013, por exemplo, o British Medical Journal publicou uma revisão de mais de 2,5 mil estudos sobre o efeito do fechamento das escolas sobre a propagação da gripe. A conclusão dos autores foi que “o fechamento de escolas parece ter o potencial de reduzir a transmissão da gripe, mas a heterogeneidade dos dados disponíveis significa que a estratégia ideal (por exemplo, a duração e o momento ideal do fechamento) segue pouco clara”.

Um artigo de 2009 da Health Affairs foi franco sobre os limites do conhecimento de especialistas: “na arena política contemporânea, falta acordo sobre o fechamento de escolas causar mais danos que benefícios à população em geral e as repercussões superarem ou não os possíveis benefícios para as crianças e comunidades adultas vizinhas”.

É verdade – durante a pandemia da gripe de 1918, o fechamento precoce de escolas e ajudou a reduzir a taxa de propagação. Mas esses fechamentos normalmente duravam de duas a oito semanas, e os fechamentos tardios tinham pouco ou nenhum efeito.

E ainda assim, havia um “consenso” de saúde pública de que as escolas deveriam permanecer fechadas.

No início da pandemia, ouvi um “especialista” em saúde pública proclamar na televisão que nenhuma medida é extrema demais se ela salvar uma única vida. Essa afirmação não constitui sequer um argumento sério, muito menos o ensino de uma disciplina acadêmica. Mas o entrevistador desse especialista considerou a afirmação um mandamento.

Em seu livro, Kamenetz lamenta que as pessoas que já imaginavam o desastre não se posicionaram mais firmemente. Uma maneira mais realista de colocar a questão é que essas pessoas foram desacreditadas, até mesmo acusadas de espalhar desinformação. Mas permitir apenas um lado em um debate sobre uma questão de importância pública previsivelmente gera uma má política. E, aproveitando o jargão do momento, é também uma ameaça à democracia, que prospera apenas com desacordos abertos.

Talvez as perdas para a educação decorrentes do ensino remoto pudessem ter sido justificadas se pudesse ser demonstrado que a prática salvou a vida das crianças. Mas isso não aconteceu. Um estudo publicado no The Lancet em fevereiro confirmou que as mortes relacionadas à covid entre crianças em idade escolar foram notavelmente baixas em todas as partes do mundo. Entre crianças de 5 anos de idade, para citar apenas um exemplo, a taxa de mortalidade por infecção é em média de 0,0024% – ou 2 em 100 mil. E essa é a taxa de mortalidade entre o pequeno número de bebês infectados.

É verdade, ao contrário de alguns relatos no início da pandemia, crianças pequenas podem espalhar a doença para os adultos, muito provavelmente devido à compreensível tendência de abraçar os bebês quando estão doentes. Mas pelo menos entre os adultos com menos de 65 anos que vivem com crianças, o risco aumentado de hospitalização é pequeno, e não há aumento na probabilidade de morte relacionada à covid. Para adultos maiores de 65 anos que vivem com crianças pequenas, os dados são mais equivocados.

O British Medical Journal publicou em 2021: “o consenso emergente é que as escolas não parecem amplificar a transmissão, e que os casos nas escolas simplesmente refletem a prevalência dentro da comunidade local”.

Em outras palavras, mesmo que nós adultos sejamos egoístas a ponto de punir nossos filhos para nos proteger, fechar as escolas não parece ter nos protegido muito.

Não estou dizendo que todos os fechamentos foram desnecessários; estou dizendo que nunca tivemos um debate público ponderado sobre a duração e a necessidade desses fechamentos. Kamenetz observa que os EUA foram “o único país rico que de forma alguma priorizou suas escolas para reabrir, perdendo mais dias letivos cumulativos que qualquer outro” – fato do qual devemos nos envergonhar. Em uma série de vinhetas, ela cataloga os danos sofridos pelos jovens como resultado de nossas escolhas erradas. Se encontrar um culpado é tão importante, é só escolher: Donald Trump, o Centros de Controle e Prevenção de Doenças, os sindicatos de professores, a mídia, os republicanos ou os democratas. E depois podemos focar no que realmente importa: como evitar cometer os mesmos erros novamente.

Esta é a minha sugestão: da próxima vez, não vamos deixar o medo do desconhecido nos levar. Vamos rebaixar a opinião de qualquer especialista que não cite nenhum dado. Mais importante: vamos concordar que o que realmente é necessário quando estamos incertos é uma conversa aberta e robusta. Talvez então encontremos uma maneira de passar pela próxima pandemia sem punir nossos filhos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Stephen L. Carter é colunista da Bloomberg Opinion. É professor de Direito na Universidade de Yale e escreveu mais recentemente o livro “Invisible: The Forgotten Story of the Black Woman Lawyer Who Took Down America’s Most Powerful Mobster”.

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