Após burnout, economista da Faria Lima larga tudo e cria o ‘LinkedIn dos hostels’

CEO e co-fundador da Worldpackers, Riq Lima diz que jovens da geração Z são o principal perfil do turista com foco em voluntariado e sustentabilidade

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São Paulo — “A geração Z não está muito focada em acumular patrimônio nem em desenvolver uma carreira longa. Esses jovens querem viajar pelo mundo, curtir a vida mais do que seus pais e avós, ajudar as comunidades que visitam e conhecer novas culturas, com a ajuda da tecnologia.”

Esse foi o aprendizado do economista paulistano Riq Lima, que trabalhava dez anos atrás em um grande banco de investimento na Faria Lima até que passou por um burnout. Foi a deixa para largar o emprego e fazer um “mochilão” de três anos fora do Brasil.

A jornada o levou a montar, com dois sócios, a Worldpackers, um marketplace de turismo de experiências, que se autodenomina o “LinkedIn dos hostels”.

“Eu vim do mundo da Faria Lima. Trabalhava em um banco de investimento, fazia equity research nessa vida passada. Participei de 21 IPOs [ofertas de abertura de capital] e acabei ganhando um burnout. Aí decidi sair do banco. Meu pai achou uma loucura, pois a geração dele era de acumular patrimônio”, contou Lima em entrevista à Bloomberg Línea.

Ele diz que, ao longo de três anos, chegou a se hospedar em mais de 100 hostels. Na unidade do HI (Hostelling International) em San Diego, na Califórnia, ele encontrou um antigo amigo e ali surgiu o embrião da plataforma que busca conectar viajantes, nômades digitais e voluntários a pousadas, pequenos hotéis, fazendas de turismo rural e, principalmente, hostels em diversos países.

“Somos três sócios. Encontrei o Erick Faria como gerente de um hostel em San Diego, e eu estava como voluntário. A gente se conhecia quando éramos mais novos, surfávamos na Praia Grande”, recordou.

Os amigos tiveram a ideia de contratar um desenvolvedor indiano e montar o Worldpackers, cujo site foi lançado em fevereiro de 2014. O terceiro sócio, João Machini, colocou depois um novo site no ar.

“O João é desenvolvedor, veio da USP, tinha experiência em marketplace e foi melhorando a plataforma. Ele construiu do zero o nosso app, com inteligência de algoritmo, que permite oferecer resultados de buscas de acordo com o tipo de experiências que o usuário procura, como hostels veganos e retiros”, disse.

Como funciona

Mas e o dinheiro para a plataforma? Lima explicou que a companhia recebeu um aporte de US$ 2 milhões de dois fundos de venture capital - o Indicator Capital e o Barn Investimentos - e dos investidores anjos Fábio Póvoa, co-fundador da Movile, e Bob Rossato, co-fundador da ViajaNet.

Em 2020, veio um dos momentos mais desafiadores para a startup. “Deixamos a operação redonda, mas veio a pandemia e afetou muito o turismo. Conseguimos nos reerguer com a galera voltando a viajar e a buscar esse estilo de vida de nômade digital, fugindo de carreiras tradicionais”, afirmou o CEO.

Ele disse que a WorldPackers é uma empresa remota com cerca de 50 funcionários e funciona como uma comunidade digital, com usuários que buscam trocar habilidades por estadia gratuita.

“Temos cerca de 7 mil parceiros anfitriões. A maioria, 60%, é de hostels, mas há também fazendas de permaculturas, ONGs, pousadas e pequenos hotéis. Os usuários oferecem ajudar esses locais com algumas horas de trabalho por semana e, em troca, recebem hospedagem”, explicou.

A Worldpackers diz que 40% dos seus anfitriões estão em países da América Latina, como Brasil (20%) e Argentina, e o restante em pontos dos EUA e Europa, sendo a Espanha um dos destaques.

A plataforma tem também assinantes pagos, mas o CEO não revela o número, dizendo apenas que a empresa está crescendo a uma taxa de 250%, com receita anual de oito dígitos - na casa dos R$ 10 milhões.

São oferecidos programas de monetização para blogueiros e videomakers que alimentam a plataforma com conteúdos de suas viagens, além do acesso a um “academy”, com mais de 1.000 aulas sobre como ganhar dinheiro viajando, como ser aceito como anfitrião ou ser remunerado por atividades desenvolvidas em hostels, como ensino de línguas, artes ou ações ambientais, como limpeza de praias.

Chamamos de intercâmbio sociocultural. Antes, você fazia intercâmbio em uma escola nos EUA e só encontrava brasileiros, não tinha interação com a família nativa, só interessada no dinheiro do aluguel. Com o intercâmbio sociocultural, a pessoa se conecta com o lugar, a comunidade, troca aprendizados e há experiências autênticas. Você encontra quem viveu coisas como você, como um burnout. Esse é o estilo de vida que a geração Z está buscando”, afirmou Lima.

TikTok

Para difundir essas ideias com o público potencial, o CEO destacou a relevância de redes sociais preferidas pela geração Z, como o TikTok.

“Fazemos parcerias com tiktokers, que são geração Z na veia. Nosso crescimento está vindo daí. Eles têm uma mentalidade diferente, vivenciam mais o presente e sabem que uma pessoa não precisa ser milionária para viajar pelo mundo, para vender milhagem e conseguir hospedagem”, afirmou Lima.

Ele disse que, neste ano, o Worldpackers tem batido recorde operacional, nas duas altas estações (início do ano no Hemisfério Sul e meio do ano com o verão no Hemisfério Norte).

“As pessoas estão no seu limite. Há uma possível recessão econômica e a tensão da guerra entre Rússia e Ucrânia. Cada vez mais as pessoas não querem esperar. A grande vantagem desses períodos sabáticos é o tempo de solitude para refletir, se conectar com pessoas e se autoquestionar a partir da experiência dos outros. Antes isso era considerado baboseira de jovens místicos, mas a pandemia, a ansiedade e o burnout escancararam essa necessidade urgente”, afirmou.

Concorrência com Airbnb e outros

Para sustentar seu otimismo com o crescimento do “turismo de experiências”, com foco em voluntariado e sustentabilidade, o CEO apontou que gigantes do setor, como o Airbnb, plataforma global de compartilhamento de lares, estão formatando produtos para perfil tipo de viajante.

No primeiro semestre, o Airbnb lançou um programa para apoiar destinos nacionais para experiências de viagens consideradas autênticas e sustentáveis e que valorizam a cultura e a economia locais. Desde 2019, a plataforma tem a divisão Adventures, voltada para um perfil de turista menos interessado em roteiros tradicionais e previsíveis.

O CEO do Worldpackers também destacou como potenciais concorrentes plataformas como Workaway, HelpX e HelpStay. Aportes em OTA (Online Travel Agency) mostram, segundo o executivo, o interesse do mercado em apostar no crescimento desse segmento do turismo.

“Esse mercado é relativamente pequeno, mas tem potencial de ficar gigante. A Hopper, por exemplo, recebeu muito funding”, afirmou Lima, em referência ao site canadense de viagens alguma semelhança e que foi recentemente avaliado em US$ 5 bilhões após uma venda de participação, segundo o TechCrunch.

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